Sem terem podido escolher, de repente, os pais têm os filhos em casa, às vezes com um ou ambos dos pais também a trabalhar a partir de casa. Tudo no mesmo espaço, 24h. Onde está o manual que ensina a viver nestas condições?
As dúvidas são muitas: como organizar o horário de estudo? Como garantir que recebemos todas as informações da escola? Como ter sossego para que todos estudem/trabalhem? Como é que vamos conseguir cumprir todos os programas? No caso de ser um ano de exames nacionais, será que vão estar prontos? Será que o ensino à distância vai resultar? Como posso compensar eventuais falhas? Quais as melhores fichas para eles poderem estudar?
O meu conselho para todas estas questões é: PARE, RESPIRE FUNDO e permita-se SENTIR.
Pare com a loucura de tentar fazer em casa o mesmo tipo de aprendizagem que fazia antigamente. Pare de se torturar a si e aos seus filhos com exigências sobre-humanas. Pare de achar que temos que conseguir fazer tudo. Imagine que o seu chefe lhe dizia "Quero lá saber do coronavírus. Trabalho é trabalho e temos que fazer o mesmo que fazíamos antes, a mesma produtividade, os mesmos objetivos". O que lhe diria ou pensaria? Se calhar tem um(a) destes(as) e quantas vezes já não o(a) insultou mentalmente? Pois neste momento o que poderá estar a fazer aos seus filhos é a mesma coisa. É exigir que consigam atingir os mesmos objetivos no mesmo espaço de tempo, independentemente das circunstâncias.
Nós, professores, vamos um dia mais tarde rir-nos de algumas aulas que demos neste período. Vamos todos aprender imenso e dar um salto quântico em termos de ensino, inimaginável num tão curto espaço de tempo
Respire fundo e confie no sistema. Confie que as escolas, os professores, todos estão a fazer o melhor possível para irem ao encontro das novas exigências. Confie que haverá as adaptações necessárias para que o sistema funcione. Seja em termos de calendário de exames, fim do ano letivo, etc. Nunca mais me vou esquecer do meu 12º ano, primeiro ano de uma prova chamada PGA, em que houve tanta confusão que os alunos só entraram na faculdade em janeiro. No meu caso, por causa da nota dessa mesma PGA, entrei só a 23 de abril (sim a data ficou-me marcada) e tudo foi adaptado – aulas, calendário de exames, etc. De tal forma que eu digo sempre, na brincadeira, que fiz o curso quase em quatro anos e não em cinco, por ter entrado em abril e saído em julho.
Acredite que o esforço que está a ser exigido é gigantesco. Não houve um plano tecnológico de transição para o ensino à distância. Não houve um apetrechamento das escolas ou das casas dos alunos. Algumas casas têm apenas um computador para todos, ou nenhum. Como garantir, em poucos dias, sistemas que funcionem em todas as circunstâncias, em todos os níveis de ensino, em todos os lares, em todos os meios sociais? Só tenho a certeza de uma coisa: nós, professores, vamos um dia mais tarde rir-nos de algumas aulas que demos neste período. Vamos todos aprender imenso e dar um salto quântico em termos de ensino, inimaginável num tão curto espaço de tempo.
Permita-se a si e aos seus filhos a sentir. Conversem sobre o que verdadeiramente estão a sentir. A sua ansiedade sobre estes temas é a expressão dos seus medos, é fruto de toda esta incerteza. Os seus filhos também têm muitos medos. Não os vão deixar de ter só com vídeos educativos sobre o vírus. Não os vão deixar de ter se continuarem a ver os pais ansiosos, preocupados apenas com o rendimento escolar, no meio de um caos que ninguém sabe para onde vai ou quando vai terminar. Por isso converse com eles sobre o que verdadeiramente estão a sentir. Quais as suas maiores preocupações? Na verdade, podem estar relacionadas com os estudos ou com a vida longe dos amigos amigos e namorados. Neste momento estão confinados a um espaço que é casa e escola ao mesmo tempo. Sem possibilidade de espairecer. Numa casa cheia, o único momento que eles têm para espairecer é muitas vezes a ida à casa de banho. Até ouvir uma voz lá fora a questionar “Demoras muito?”.
Aproveite para conversar com eles sobre os seus sonhos e como tudo isto afeta ou não os seus sonhos. Por exemplo, muitos pais e professores incentivam os bons alunos a ir para Medicina e os jovens quase que se sentem mal se escolherem outros cursos que não sejam os das médias altas e muito concorridos. Alguns desses jovens, que estão agora a exercer Medicina, de certeza que não equacionaram um cenário como o que vivemos hoje, de “requisição civil”, de irem para a “frente de batalha”, correr riscos, sem o material adequado, com espírito de missão. Seria isto que os pais deles tinham em mente quando os forçavam a estudar para os exames nacionais? Ou era algo mais glamoroso?
Usamos critérios na escolha do futuro dos nossos jovens que nada têm a ver com os seus sonhos, com a sua vocação. Será que estamos certos? Não tenho uma resposta, mas sinto que este cenário em que vivemos nos vai fazer repensar muitas das nossas escolhas
Será que, quando fazemos recomendações aos nossos filhos, sabemos sempre tudo? Ou estamos apenas a agir com base nos nossos medos e pressupostos? Ouvi uma vez uma mãe comentar que o seu filho lhe tinha dito que queria ir estudar Música. E a mãe estava em pânico. Dizia que tudo faria para o dissuadir, para que ele não passasse uma vida de penúria. Iria fazer uma universidade júnior em engenharia para ver se mudava de ideias... Penso que estão a ver onde quero chegar.
Usamos critérios na escolha do futuro dos nossos jovens que nada têm a ver com os seus sonhos, com a sua vocação. Será que estamos certos? Não tenho uma resposta, mas sinto que este cenário em que vivemos nos vai fazer repensar muitas das nossas escolhas e muitas das opções de vida que fazíamos no passado. Haverá um antes e depois do coronavírus. De repente agora já não interessa a aula de ballet, o treino de futebol, a roupa que levo para o trabalho (caso esteja a trabalhar em casa), o restaurante onde vou jantar no sábado, a festa de aniversário do fim-de-semana ou o que vou comprar no dia do pai ou da mãe...
Por isso aproveite esta oportunidade e assuma o seu papel de pai/mãe, que é o de deixar a sua criança/jovem desenvolver o seu maior potencial. Não está ninguém a ver o que faz (a não ser que partilhe nas redes sociais o seu dia a dia como algumas pessoas começam a fazer). Assuma as rédeas da educação dos seus filhos. Veja aquilo que é exigido pela escola e corresponda, mas perceba o que faz sentido no seu caso. Distinga o essencial do acessório. Ajude também os professores e dê feedback sobre o que está a correr bem para que eles saibam que tipo de atividades são melhor recebidas, e oportunidades de melhoria, mas deixe os professores respirarem (estão a receber inputs de vários alunos, todos diferentes).
Use o tempo extra que ganhou e introduza novos ensinamentos. Divida as tarefas domésticas, ensine os seus filhos a cozinhar, a arrumar e a limpar a casa. Controle as horas de televisão, computador e telemóvel. Não terá tão cedo uma oportunidade como esta para ter os seus filhos tanto tempo consigo.
Em suma, deve-se organizar o estudo das crianças em casa olhando em primeiro lugar para a criança. Ouça o que ela precisa, atenda ao que é solicitado pela escola, sabendo que as necessidades da criança não estão só relacionadas com a escola, e que por isso o importante é que ultrapasse este período com serenidade, conhecendo-se melhor a si própria, sabendo que os seus pais estão ali para lhe permitir concretizar os seus sonhos, e que estamos todos interligados. A vida é perfeita e o universo tem os seus métodos, por vezes um pouco duros e estranhos, de nos fazer ver as coisas tal como elas são.
Um artigo de opinião de Luísa Agante, professora de marketing na Faculdade de Economia do Porto e especialista em comportamento do consumidor infantil e juvenil.
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