“O meu filho começou a ser vítima com 4 anos de idade e sofreu o pico da violência aos 8 anos. Pensávamos que íamos conseguir resolver o problema com a ajuda dos professores e com os pais dos colegas de escola, mas era uma ilusão”, disseram à Lusa Manuel e Raquel (nomes fictícios para proteção da criança), pais do pequeno Tomás (nome fictício), vítima de vários crimes na escola.
A escalada de violência levou os pais do Tomás a avançar com uma denúncia na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e com um processo na Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEST), mas chegaram a ser ameaçados por uma mãe que fazia parte da Associação de Pais para pararem com o processo na DGEST.
O primeiro episódio aconteceu quando Tomás, na altura com 4 anos de idade, recebeu um pontapé nas costas de um colega de turma e defendeu-se.
Sem perceber o contexto na íntegra, a professora exigiu que apenas Tomás pedisse desculpa ao colega João (nome fictício). Foi-lhe também solicitado que fizesse um desenho a pedir perdão ao colega.
Segundo os pais de Tomás, ao não ter de pedir desculpa, João sentiu-se legitimado para dar continuidade às agressões físicas, que depois escalaram para uma cada vez maior ostracização de Tomás por toda a turma.
Tomás deixou de brincar com os colegas, que tinham deixado de brincar com ele a mando de João, um menino "franzino" e "choramingas" que jamais alguém ousaria pensar que era o autor do 'bullying', disse à Lusa o pai Manuel.
A violência física e psicológica aumentou após a pandemia de covid-19, inclusivamente com as meninas da turma a contribuírem para criar uma narrativa de que era o Tomás o culpado de tudo.
Segundo os pais, a própria professora e a diretora da escola primária chegaram chamar o Tomás de “fiscal”, apenas porque o viram a escrever nos intervalos num bloco de notas os seus pensamentos.
A professora chegou ainda a acusar o Tomás de ter falseado as respostas num teste em que tinha tido a nota de "Muito Bom", mas depois a docente teve de se retratar, porque o Tomás conseguiu provar a sua inocência, recorda o progenitor.
“O Tomás começou a ser um menino mais fechado, mais reativo com o irmão, tinha terrores noturnos, bruxismo (ranger de dentes), chorava todos os dias, deixou de se pentear. Desleixou-se com as aulas de piano de que tanto gostava. A sua autoestima estava em baixo e colocava o capuz na cabeça para passar despercebido na rua e na escola. Deixou de ter brio com a sua aparência”, recorda a mãe Raquel.
Segundo Raquel, o seu filho, na altura com 8 anos de idade, chegou a conversar com ela sobre ideias suicidas, sobre deixar de viver, depois de um colega lhe dizer que iria ficar "feliz se ele morresse".
Tomás recebeu apoio psicológico na APAV durante oito meses e a terapia e a mudança de escola amenizaram as dificuldades, mas os pais de Tomás reconhecem que a tormenta do ‘bullying’ de que o filho foi vítima está em ‘stand by’.
A família mora a 50 metros da escola onde aconteceu o 'bullying', num agrupamento no distrito do Porto, e às vezes Tomás lê palavrões que são pintados no portão da sua casa.
Atualmente com 10 anos de idade, vai transitar para o 5.º ano de escolaridade, mas os pais lembram que o medo espreita, porque poderá voltar a ter que ir para a escola do agrupamento onde foi vítima.
Apesar do sofrimento por que passou, Tomás nunca perdeu a “empatia” pelo outro, pois está atento a outras crianças que possam sofrer de ‘bullying’, explica a mãe, recordando que há pouco tempo defendeu uma menina que estava a chorar porque os colegas começaram a dizer que a mãe dela era careca, uma consequência dos tratamentos para combater um cancro.
Na nova escola os alunos foram instruídos para "não fazer queixinhas" e aprenderam a frase “aquilo que se passa na escola não é para contar em casa”, diz Raquel, que se diz preocupada e surpreendida com este tipo de formação escolar.
Os pais de Tomás ainda hoje sofrem pelo filho e temem os futuros anos na próxima escola, caso tenha de ir para o agrupamento escolar, mas dizem que o filho está mais forte e sabe distinguir entre verdadeiros amigos e simples colegas.
O Tomás diz que os seus amigos estão no judo, no piano, no ioga, porque na escola tem apenas colegas.
Segundo a APAV, o ‘bullying’ presencial, com discriminação e injúria, e o ‘cyberbullying’ através das redes sociais, são fenómenos que estão a evoluir no contexto escolar com agressores a criarem perfis falsos em plataformas como o Discord, Instagram ou Twitter para divulgar informação falsa.
“Isto tem um impacto gigantesco, porque estamos a falar de informação que é divulgada massivamente”, explica a assessora técnica da direção da APAV, Carla Ferreira.
A APAV já teve situações em que foi necessária a mudança de escola, porque o agrupamento escolar tinha três mil pessoas e todas, em algum momento, tinham sabido da história divulgada nas redes sociais.
“Isto é absolutamente devastador. Não há ninguém que se sinta confortável a entrar num agrupamento de escolas ou numa escola depois de isto acontecer. E, portanto, esta dimensão ‘cyber’ também acaba por catapultar o ‘bullying’ para uma outra dimensão que deve merecer a nossa atenção", afirma Carla Ferreira.
“Há meia dúzia de anos pensávamos nas crianças que têm uma rede social aos 14 ou 15 anos. Agora temos crianças de cinco e de seis que jogam jogos 'online', com plataformas em que simultaneamente falam por 'chat' com outras pessoas, e onde a dimensão ‘cyber’ da criminalidade pode acontecer a qualquer momento (…). Às vezes, as crianças mal sabem juntar as palavras e já estão a escrever no ‘chat’, porque é tudo muito facilitado, alerta.
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