«Colocar limites na própria vida é coisa de adultos. As crianças olham para o mundo com esperança, não pensam em limitações. Acreditam que podem tudo. Voar, transformar-se em super-heróis, ficar invisíveis ou serem princesas. Os brinquedos não são só brinquedos, é como se tivessem vida, e elas brincam como se a aventura que imaginam fosse real e nunca se frustram porque não deixam de acreditar, mesmo após um primeiro fracasso», descreve Isabel Carrilho, psicóloga clínica.
A resposta é dada depois de lhe perguntarmos o que temos a aprender (ou a recordar) com os mais pequenos, de tão importante para a nossa saúde, felicidade e equilíbrio emocional. Como pô-lo em prática? «Fazendo uma retrospetiva da vida, pensando na infância e sentindo a facilidade com que sonhávamos naquele tempo. O grande desafio é despirmo-nos por dentro e darmo-nos a conhecer aos outros», refere.
Há fortes motivações para isso. «As emoções positivas promovem a busca de novas oportunidades, promovem o sucesso, reforçam o sistema imunitário evitando somatizações, protegem o coração, potenciando uma vida mais longa e mais saudável, do ponto de vista físico e psicológico», assegura a especialista. Vamos a isso. Estas são sete das lições que pode aprender com os mais pequenos:
1. Simplificar
A prescrição de Mário Cordeiro, pediatra, para adultos é simples. Sejamos mais livres, menos sérios. As crianças saudáveis são divertidas e são-no umas com as outras. «Se as observarmos e as contemplarmos, ensinam-nos que o amor é oblativo, ou seja, não deve cobrar, ser alvo de chantagem ou de moeda de troca. Podemos mudar interiormente se aprendermos a valorizar o que temos e a descobrir os encantamentos das crianças», adverte o especialista.
«Nós que, tantas vezes (e transmitimos-lhes depois isso ), acabamos por nunca estar satisfeitos com nada, desperdiçando o tempo e as coisas que temos a pensar nas que não temos», refere. «Se formos mais simples e menos ardilosos, talvez vivamos mais livremente e melhor a nossa idade. Se fizéssemos isto seríamos mais felizes, mais endorfínicos, teríamos menos stresse, o que ajudaria muito à nossa saúde», acrescenta ainda.
2. Focar-se no momento
Eduardo Sá, psicólogo clínico infantil, fala-nos da importância de estar aqui e agora e de saber aproveitar o que temos. Conta o especialista que qualquer criança estruturada faz isto sem problemas. Não pensa no que passou, no que aí vem e está inteira no momento. Seja nas aulas, a brincar ou em actividades extra-curriculares… E se uma criança se preocupa demasiado com o futuro é sinal de alerta para os progenitores, talvez esteja com demasiada responsabilidade e a viver situações impróprias para a sua idade.
«Receio que, a haver défices de atenção, os adultos sejam um caso muito mais grave que as próprias crianças. Porque eles vivem atropelados por compromissos, hierarquias de prioridades fora do lugar e por uma vertigem de solicitações que os fazem baralhar o indispensável e o supérfluo. Sendo assim, os adultos podem aprender com as crianças que ninguém é feliz sozinho e que ninguém cresce sozinho. E, já agora, que a ingenuidade não representa uma posição mais ou menos elementar diante da vida, mas que resulta da sabedoria», refere ainda.
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3. Melhorar diariamente
«As crianças ensinam muito, mas o amor é talvez o sentimento que os adultos mais aprendem com elas», não tem dúvidas Carla Marques, psicóloga clínica infantil. «Muitos adultos que se caracterizavam por serem pouco sensíveis, preguiçosos, egocêntricos, pouco disciplinados consigo e com a vida, após serem pais ou se dedicarem a uma criança, transformam-se», tem constatado ao longo da sua experiência.
«Assumem estilos de vida mais saudáveis, adquirem novos hábitos e passam a respeitar e a pôr em prática regras básicas e necessárias na vida. As crianças ensinam-nos a melhorar diariamente as nossas atitudes. Sobretudo porque funcionam como um espelho onde revemos os nossos valores e a nossa forma de estar na vida», acrescenta ainda.
4. Sonhar sem condições
«Um dos maiores ensinamentos que podemos usufruir do contacto direto com as crianças é a sua capacidade de sonhar. «Eu quero ser astronauta», «Eu quero ser bombeiro»… Este sonho é incondicional, não lhe interessa se é bem remunerado, se tem saídas profissionais, se é bem aceite pela sociedade. Simplesmente é o sonho pelo sonho. Este é a base do processo criativo da criança. Para ela não há limites, não há barreiras», lembra Nuno Oliveira, homeopata que costuma acompanhar crianças. «Têm uma capacidade de simplificação de problemas surpreendente», refere.
«Sonhar não é uma capacidade exclusiva das crianças. Em qualquer idade podemos ter sonhos, mas para isso temos de nos desligar dos medos, das inseguranças, da baixa autoestima, da opinião dos outros. Temos de ser nós próprios, genuínos. As emoções têm um peso enorme no aparecimento de doenças crónicas. Um ser humano sem sonhos, sem objetivos, condicionado pelos medos e pelo fazer parecer, é um ser humano condenado à infelicidade. Desistir de sonhar, é desistir de viver», refere ainda.
5. Aprender a perdoar
Ana Filipa Diogo, educadora de infância, sente-se privilegiada por conviver e educar crianças. «O mais fantástico deste processo é o que aprendo com cada uma delas. Poderia referir dezenas de ensinamentos, mas tendo de escolher um destaco o aprender a perdoar. Foram inúmeras as vezes que me deparei com zangas entre os pequenos e observei a forma como as solucionavam», refere.
«Por mais forte que fosse o motivo, nada abalava os sentimentos positivos, os laços afetivos e a relação de amizade. As pazes e a resolução dos problemas eram quase sempre fáceis de acontecer pois rapidamente faziam da zanga um momento quase palerma perante a vontade de brincarem um com o outro. Nós, adultos, temos mais dificuldade em perdoar, em esquecer, em sarar feridas», realça Ana Filipa Diogo.
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6. Não ter medo de errar
Maria do Carmo Oliveira, coach, mestre em psicologia e membro da equipa do Clube do Otimismo, lembra como a educação vai inibindo algumas características importantes. «É frequente vermos uma criança desmontar um brinquedo para ver como funciona, ligar o computador e explorá-lo sem medo de o estragar, fazer experiências com cores e materiais. Já a maioria dos adultos perde essa capacidade de explorar. O medo do fracasso leva a que muitos adultos permaneçam descontentes durante anos, agarrados a hábitos antigos, não ousando experimentar algo», diz.
«Não ousam, por exemplo, fazer um currículo diferente, apresentar uma nova ideia no trabalho, iniciar um novo negócio ou até uma relação amorosa. O receio de tomarem a decisão errada fá-las manterem-se na sua zona de conforto e não ousarem fazer algo novo muito mais gratificante. Com as crianças precisamos de reaprender a, sempre que erramos, pensar que está tudo bem e, como adultos, aprendemos a racionalizar o erro e pensar que foi uma experiência importante que nos fez ficar mais perto do objetivo que pretendemos alcançar», refere ainda.
Outras lições para serem levadas a sério:
- Demonstrar sentimentos
Dizer o que pensamos, não fazer o que não nos apetece e sermos nós e genuínos, sem perder o respeito pelo outro.
- Ter tempo para nós
Estar atento aos sinais, perceber quais são realmente as nossas prioridades e não esquecer que a vida não é eterna.
- Não se preocupar com os que os outros pensam
Vestir o que gostamos, ter opiniões e seguir o nosso caminho e não o dos outros.
-Levantar-se após uma queda
Não dramatizar, lembrar-se que há sempre coisas piores e ter a coragem de um guerreiro, de seguir em frente.
- Questionar mais
Perder a arrogância de achar que já sabemos tudo e que já não temos idade para mudar. Sermos sinceros connosco.
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- Quebrar tabus, brincar
Dançar, cantar, rebolar sozinho ou acompanhado e rir muito, aproveitando melhor o tempo.
- Desenhar, pintar ou escrever como forma de terapia
Expulsar emoções bloqueadas e tensões de forma artística é poderoso e funciona.
- Fazer amizades
Porque é possível fazer um amigo em qualquer idade e dar oportunidade aos outros de nos conhecerem uma forma de humildade.
Como duas crianças veem os adultos
«As crianças são reais e os adultos vivem num mundo de ficção. Porquê? Porque são mentirosos, complicam tudo e estão sempre a queixar-se. Podiam viver a vida com mais calma e criar leis e obrigações menos aborrecidas, como terem mais tempo para estar com as crianças e, assim, aprenderem mais com elas», refere Mara Marques, 12 anos.
«Os adultos têm menos energia, são mais chatos e deviam brincar e rir mais. Acho que nunca têm paciência e zangam-se por coisas esquisitas. Depois ficam irritados e isso faz-lhes mal à saúde», afirma Gabriel Morgado, 8 anos.
Texto: Marta Marques com Ana Filipa Diogo (educadora de infância), Carla Marques (psicóloga clinica infantil), Eduardo Sá (psicólogo clínico infantil), Isabel Carrilho (psicóloga clínica), Mário Cordeiro (pediatra), Maria do Carmo Oliveira (coach) e Nuno Oliveira (homeopata)
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