Presença assídua na televisão e na rádio Joaquim Quintino Aires é conhecido por falar de sexo sem tabus, mas, durante a entrevista, vai deixando escapar que há coisas que já não diz, para evitar mais processos na Ordem dos Psicólogos. No entanto, continua a defender que falar de sexo é extremamente necessário. "Só assim se evitam as perversões", afirma. Chegou à psicologia e à sexualidade quase por acaso, como recorda.
Mas agarrou a oportunidade até porque nunca se esqueceu do ensinamento do avô, que também se chamava Quintino. "A vida só vale a pena se tivermos coragem de a viver senão, é uma coisa muito aborrecida", disse-lhe aquele familiar algumas vezes. E coragem é algo que não lhe falta, como se pode constatar pelas suas intervenções, apesar de nem sempre ter lidado bem com muitas questões de sexualidade.
"Não nos podemos esquecer que, de cada vez que estamos numa prática sexual, estamos a oferecer o nosso corpo a alguém e receamos sempre a avaliação daquela pessoa", afirmou o especialista em entrevista à edição impressa da revista feminina Saber Viver. Uma conversa que pode (re)ler de seguida.
O que é para si o sexo?
É uma estratégia biológica absolutamente fantástica que nos dá algum prazer e alguma estabilidade hormonal. No caso da espécie humana, oferece ainda uma das coisas mais belas, promove a cumplicidade com outro ser humano. Mais do que prazer, o sexo é uma cumplicidade entre dois seres humanos e, na minha opinião, ajuda a criar laços que não são espontâneos e é um contributo importante para aquela coisa linda que é o amor.
O sexo é, portanto, fundamental?
Sim para o nosso bem-estar, para a nossa consciência e para continuarmos a desenvolver dia a dia a nossa sensibilidade para com os outros.
Sempre lidou bem com a sua sexualidade?
Não. Não nos podemos esquecer que, de cada vez que estamos numa prática sexual, estamos a oferecer o nosso corpo a alguém e receamos sempre a avaliação daquela pessoa. Eu, por exemplo, sempre fui gordinho e levei muito tempo até perceber que isso era uma questão para mim, porque não me interessava por pessoas gordinhas.
Mas não tinha de ser um problema para os outros que, eventualmente, até se podiam interessar por pessoas mais cheiinhas. Talvez só tenha percebido isso já próximo dos 40 anos, o que é extraordinário, pois discutia o tema, fora e dentro de consultas, mas não conseguia reverter os ensinamentos para mim.
Por que razão o sexo continua a ser um tabu?
Porque temos medo dele! Durante muito tempo também não se dizia a palavra cancro, falava-se de uma coisa ruim. Existe uma sensação de que se falarmos das coisas, elas acontecem. Lamento isto, até porque estudos provam que quanto menos à vontade se tem para falar de sexo, mais perversidades se fazem.
E eu acredito que um dos maiores objetivos da sexologia é reduzir as perversidades, que são sempre uma escravidão e nunca um ato de escolha. A educação sexual é aprender a dizer não e ajuda a afastarmo-nos de um conceito muito em voga no século XVIII em que tudo era permitido, desde que não se falasse sobre isso.
Encontra mais abertura nas gerações mais novas?
Não. Quando vemos que continua a haver violência em casais de namorados de 14/15 anos e meninas de 13 anos ou menos a serem assediadas sexualmente e a cooperarem com medo de não sei o quê, verifica-se que não há o à-vontade desejado.
E, em relação à homossexualidade, há mais abertura?
Sim, mas onde verifico mais isso é na geração dos 35 e 45 anos e não nas mais jovens. E se continuarmos a não conseguir criar espaços para discutir a sexualidade, então, não vamos ajudar a que cada um se descubra.
Muitas das tensões e conflitos entre os casais são geradas pela falta de diálogo. Como se reverte isso?
O mais importante é saber o que queremos dizer e estar conscientes de que podemos dizer tudo um ao outro, revelar todos os desejos e fantasias, o que não signifique que todos tenham de ser realizados. Não devemos é ter medo de os verbalizar, porque esses receios roubam-nos 90% da nossa comunicação. Quando eu disse que o sexo é cumplicidade é isto mesmo. Há coisas que os dois partilham que mais ninguém sabe.
E a falta de tempo, numa sociedade em que as mulheres desempenham múltiplos papéis também contribui para a degradação das relações?
Não. O que eu verifico é que geralmente a comunicação está tão péssima que as pessoas deixam de querer estar juntas e a correria do dia a dia é uma excelente desculpa para não enfrentar os problemas. Quando a comunicação funciona, 15 minutinhos já dão uma prática sexual extremamente satisfatória.
O sexo devia ser agendado como outras tarefas?
Sim. Por exemplo, se eu ando numa correria e tenho de colocar na agenda que tenho de comer, porque não fazer o mesmo com o sexo? O lembrete faz com que não deixemos passar.
Considera que a reconciliação tem um poder afrodisíaco?
Sim, porque aumenta a capacidade de dizer ao outro o que queremos e não queremos. Os casais que se reconciliam sabem que a falta de comunicação só os prejudicou e começam a libertar-se. Às vezes, até descobrem que afinal até queriam a mesma coisa, mas faltava a coragem para falar sobre o tema. Portanto cria-se um espaço de esperança e os membros dos casais esforçam-se para se cativarem um ao outro.
Mas o sexo de reconciliação pode tornar-se um vício?
Uma dependência e, infelizmente, vamos vendo muito isso. Isto acontece porque custa aceitar o fim e pensar que poderiam ser mais felizes junto de outras pessoas.
O que é que deveríamos saber para ter uma vida sexual melhor?
Saber que o sexo é mesmo o sal do amor e que se não dizemos ao outro o que achamos dele, isso vai destruir o nosso amor. Outro bom desafio é descobrir a vulva, que não tem um cheiro tão horrível como as mulheres e os homens imaginam. Sim, tem uma flora bateriana mas não mata ninguém. A vulva, tanto ou mais que o pénis, tem muito por explorar e pode ser uma excelente zona do corpo a promover as relações entre os casais.
E o que é que as mulheres têm de saber sobre os homens?
Que eles entendem tudo se de facto elas lhes explicarem. Os homens, tal como as mulheres, podem aprender, transformar-se e conseguem entender e perceber as coisas mas, por vezes, é necessário dizer-lhes de outra forma. Não porque sejam mais burros, mas porque foram treinados a ouvir de outra maneira, pois desde pequenos passam muito mais tempo a conversar com amigos do que com mulheres.
As mulheres têm, então, de ser mais diretas?
Sim. Não podem achar que os homens pensam como elas. As mulheres têm de descobrir mais a psicologia masculina e puxá-los mais para elas para que eles descubram o seu corpo. O segredo é passarem menos tempo com as amigas e mais tempo com os namorados ou maridos.
E o que é os homens têm de saber sobre as mulheres?
Têm de fazer a descoberta do corpo feminino.
E como devem fazer isso?
Explorando com as companheiras. E volto à vulva… Contrariamente ao que possa parecer o pénis e os testículos é que são simples, a vulva é rica e tem de ser descoberta.
Por que razão escolheu a psicologia?
Houve muitas coincidências pelo meio pois, quando terminei o 12º ano, estava mais virado para a bioquímica ou biologia marinha, mas uma colega falou-me da psicologia, hipótese que eu não tinha colocado porque o professor da disciplina no secundário me disse que não tinha jeito nenhum para a área.
Acontece que coloquei a psicologia à frente da biologia marinha. Como trabalhava desde os 14 anos e pagava as minhas contas, pensei que poderia ir um ano para o curso de psicologia e depois logo se via qual seria o caminho certo. Mas gostei tanto que fui ficando…
E a área de intervenção, a sexualidade, foi outra coincidência?
Sim. Cresci no Hospital de Alcoitão, onde a minha mãe era cozinheira, e quando comecei a pensar no estágio queria ir para lá, mas como o hospital era a 30 quilómetros da faculdade, a diretora do curso não permitiu e surgiu como hipótese o serviço de fisiatria do Hospital Militar e lá fui eu...
Na altura, a urologia estava a abrir uma consulta de disfunção erétil. Vários cirurgiões tinham ido para o estrangeiro para aprender a técnica de implementação de prótese penianas e precisavam da colaboração da psicologia para preparar o doente para o que acontece nessas situações e foi assim que me aproximei da sexualidade.
Parece que são as áreas que o escolhem a si e não o contrário…
Talvez a paixão pela vida e o querer saboreá-la com a coragem que o meu avô dizia ser precisa para a viver em pleno me tenham feito, e façam, aproveitar as oportunidades que surgem.
E, na altura, tinha preconceitos com a sexualidade?
Claro, era muito novinho tinha 23 ou 24 anos. Tive necessidade de me tornar adulto mais rápido, mas o facto de na minha família não haver preconceitos e tabus, também ajudou a que fosse capaz de pesquisar e descobrir mais sobre o tema.
E, hoje, tem preconceitos?
Há coisas que tinha dificuldade em fazer, coisas que não me interessam e há coisas que seriam complicadas de fazer por não me sentir confortável, mas não posso ser mais específico porque, senão, abrem mais processos na Ordem dos Psicólogos contra mim. [risos]
É mais fácil as pessoas colocarem questões por e-mail ou por telefone do que se sentarem no seu consultório?
Sim. Embora ache que quando se chega a uma consulta de psicologia, dois minutos depois já estejam à vontade. Considero que seja mais fácil telefonar ou enviar um e-mail para a rádio do que dar o primeiro passo e marcar uma consulta.
Recebe questões muito estranhas?
O que eu considero estranho não é o conteúdo de perguntas mas, sim, o facto de algumas pessoas ficarem incomodadas por se falar de sexo na rádio pública, sobretudo quando as críticas vêm de colegas de profissão. As pessoas continuam a achar que falar de sexo leva a que as pessoas façam sexo. A ideia de personalidade não é não ter que fazer o que os outros fazem mas, sim, perceber o que me realiza.
O que é para si saber viver?
É descobrir que o mundo é muito grande e que tem muitas nuvens. Mas as nossas nuvens cinzentas são como as da meteorologia, não estão lá para sempre. O sol pode ser lindo se resistirmos. Saber viver é pensar no amanhã, aprender com passado, preparando o hoje.
Texto: Rita Caetano
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