
A coleção Kaeru de Ana Duarte para a DuarteHajime não é apenas um desfile, mas uma narrativa visual de transformação e equilíbrio. Inspirada na mitologia, a designer constrói uma história onde se entrelaçam o espírito resiliente dos Samurai, a adaptabilidade do Sapo (Kaeru) e a ferocidade do Oni. Cada peça traduz essa fusão de forças contrastantes, resultando numa coleção marcada por simbolismo e identidade estética forte.
A pesquisa para esta coleção surgiu como uma extensão da coleção anterior apresentada na ModaLisboa, que já explorava mitologias do leste asiático. Ana Duarte aprofundou-se no simbolismo dos onis, figuras demoníacas que podem tanto amaldiçoar como proteger aqueles de quem um dia fizeram parte. A dualidade entre destruição e redenção conduziu à construção do conceito: “Eu achei bonito contar a história de um samurai que tinha um pendente, o Kaeru, um totem de sapo que serve para proteger no regresso a casa. Mas, ao longo da vida, com as várias batalhas, ele transforma-se num Oni e depois regressava a casa.”
A força do conceito transparece na construção das peças, que não reproduzem diretamente as armaduras dos samurais, mas incorporam as suas proteções e detalhes: “Fui pelas silhuetas, pelos cortes nas sweats, pelos elementos de quimonos e mangas mais compridas. Fui mais por aí, adaptando pequenos elementos a cada peça que já nos distingue como design.” A escolha de cores reforça o simbolismo: o vermelho representa o Oni, o verde evoca o Sapo e a natureza, o cinzento remete à armadura do Samurai e o dourado simboliza a pureza inicial, que se fragmenta ao longo da jornada.
Os demónios da moda contemporânea
Além de explorar demónios internos e mitológicos, Ana Duarte também refletiu sobre os desafios da indústria da moda atual. À pergunta “que demónios assombram a neste momento a indústria da moda?”, a designer elege a fast fashion como uma das principais antagonistas. “Acho que todos nós consumimos, mas tem de ser muito mais ponderado. O mundo continua a produzir em grande escala, e temos de consumir pouco, mas bem. Isto é bonito de se dizer, mas é muito difícil de se chegar.” Outro obstáculo é a falta de valorização do design e do trabalho artesanal. “Algumas pessoas não valorizam o design e o trabalho que realmente leva a fazer uma peça: as horas que estão dedicadas a desenvolver, desde a modelagem, aos estampados, tudo”, resume.
Desde a sua estreia no Sangue Novo, em 2016, Ana Duarte percorreu uma jornada de amadurecimento profissional e estético. “Tem sido uma evolução constante. No início, ainda estava a descobrir o que era o nosso estilo e quem era o nosso cliente, mas hoje a marca tem um estilo muito próprio. A ModaLisboa tem sido uma boa casa para esse crescimento”, conclui.
Kaeru não é apenas uma coleção de moda, mas um reflexo da jornada de autodescoberta e transformação. Ana Duarte apresenta não só peças de vestuário, mas um universo simbólico onde tradição e contemporaneidade se encontram, reforçando a identidade da DuarteHajime no cenário da moda.
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