Tsukiji é referência que desperta em todo o nipónico a ligação imediata ao mercado de peixe criado nos anos de 1930 no coração da capital japonesa, Tóquio. Este não é um mero mercado. A sua existência é superlativa e, só o visitando, se percebe a escala de gigantismo da estrutura. Tsukiji é o maior mercado de peixe do Mundo. Ali, diariamente, fervilham dezenas de milhares de vendedores e de compradores. Por ano, centenas de milhares de toneladas de peixe são comercializadas. As transações diárias alcançam os 12 milhões de euros.
Tsukiji foi, também, recentemente, alvo de polémica. Volvidos 80 anos sobre a sua criação, o mercado mudou de casa, para Toyosu, uma antiga fábrica de gás, na baía de Tóquio. A decisão revoltou muitos comerciantes.
O chefe de cozinha Paulo Morais, um dos mais celebrados praticantes das gastronomias asiáticas no nosso país, ainda não visitou o novo Tsukiji, como confidencia ao SAPO Lifestyle. O que não invalida que, em Lisboa, não seja desde a primavera de 2019, o mentor da cozinha de um novo Tsukiji. Este, um restaurante, em terras lusas, paredes meias com uma das peças de resistência da portugalidade, o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.
Neste Tsukiji, Paulo Morais não abdica do registo intimista que pratica no restaurante que gere (e onde cozinha, naturalmente) a pouco mais de um quilómetro, o Kanazawa. Ou seja, não larga mão do apego que lhe reconhecemos ao produto e ao preceito que impõe a cozinha asiática, mais concretamente a nipónica.
“A ideia para esta casa tem dois anos. Na fase final do meu trabalho no Rabo D'Pêxe [restaurante onde Paulo Morais laborou], os investidores deste Tsukiji falaram comigo, após uma refeição, para me agradecerem a mesma. Poucos dias depois, anunciaram-me que queriam investir na restauração. Na época já estava muito empenhado no Kanazawa. Em setembro de 2018, ainda antes da abertura, mas já com este espaço escolhido, propuseram-me desenvolver o conceito sem abdicar da presença no meu restaurante. Aceitei”.
Tal como no seu Kanazawa, Paulo Morais não deixa, aqui, de estar na sala. Ou melhor, comanda as operações de preparação dos pratos a partir da bancada instalada em pleno restaurante e onde não falta uma robata, um grelhador oriental, onde assa o peixe à maneira nipónica. O também docente na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, trabalha com concentração, com gestos precisos e miméticos. Esta cozinha impõe delicadeza de mãos e trato de pinça.
Gestos miúdos num espaço grande, capaz de acomodar 90 comensais sem, contudo, encavalitar mesas ou abdicar de nos fazer sentir acolhidos. Um restaurante que também abre portas a um Wine & Sake Bar, onde não faltam 20 propostas de saquês, assim como perto de cem referências vínicas e champanhes. Com a chegada do verão, a casa abre-se ao exterior, com a instalação de uma esplanada.
Aqui, a dois passos do Centro Cultural de Belém, não falta na feição deste Tsukiji a pedra lioz que marca a personalidade daquele outro espaço lisboeta nascido nos anos de 1990. Pedra em casamento com o aconchego das madeiras e com uma decoração que nos traz o mar, ou uma das expressões deste, como é o caso da instalação de cordas em simulação de redes de pesca (não lhe faltam as escamas). Mar também presente no azul profundo da parede de uma sala intimista, no seio do restaurante, criada para grupos.
É, essencialmente, de mar que trata o Tsukiji. Ou melhor do que do âmago do mar sai para nos chegar à mesa. E há que ser respeitado. Paulo Morais, homem que traz no currículo restaurantes como o Midori, Bica do Sapato e Umai, sabe-o e, por exemplo, sugere-nos que escolhamos um peixe, entre os que descansam sobre o gelo, no amplo balcão instalado em plena sala de refeições.
No dia desta nossa visita, uma mostra que inclui, nos peixes, robalo, pargo, alfonsino, salmonete, dourada, atum; e nos mariscos, as ostras, os carabineiros, o lingueirão. Peixe de mar, proveniente de quatro fornecedores e de um mergulhador. No peixe e marisco em exposição para consumo não há, no Tsukiji, um portefólio fechado. A oferta depende da feição do mar, que pode trazer para o balcão de frescos, para além das espécies já enunciadas, o peixe-galo, o tamboril, a garoupa, o pargo, o pregado ou linguado for de feição. Nos mariscos, o ouriço do mar, a lagosta, o camarão.
Escolhamos, pois, um peixe. Um Boca Negra. Paulo Morais, não lhe irá desmerecer nenhuma parte. Da cabeça, às escamas, passando pela bexiga natatória, tudo é aproveitado em cinco momentos à mesa, traduzidos em outros tantos pratos. Como? Paulo demonstra-o: “A pele e as escamas são fritas, tornando-se umas ´pipocas`; faço um sushi e um sashimi, uma sopa com a cabeça do peixe, das vísceras nasce um patê que vai rechear uma cornucópia, a carne do peixe é grelhada”. Tudo produzido no momento.
Um restaurante de cozinha à carta onde Paulo Morais e a sua equipa dão asas à inventiva numa ementa vasta, nutrida de pratos. Nesta visita a prova recai sobre umas delicadas Vieiras com puré de ervilha, salmão fumado, chips de pastinaca, raiz de aipo e batata doce, rebentos de wasabi (15,00 euros) ou um trio de ostras, com o marisco a nos chegar à mesa num tríptico de sugestões, com Granité de maçã; Espuma de ostra, pérola de yuzu e pinhão e Espuma de molho de soja e segmento de lima (10,00 euros).
Já a pedir concentração para discernir a complexidade dos sabores, a Sopa ácida picante de peixe, espuma de coco e chips de pele de peixe (10,00 euros). Para completar, um Bao recheado com polvo assado, cebola frita e pickles vietnamitas ao molho mayokimchie (10,00 euros).
Ainda no que toca aos peixes, duas sugestões: o Pargo braseado, abóbora assada, amendoim com miso, endívias ao molho coreano (14,00 euros) e o Rámen de espadarte rosa, bambu, espinafre, cebola e ovo escalfado (14,00 euros).
Um elenco com assinatura Paulo Morais que não descura nas carnes, como a Coxa de pato confitado, molho de maçã, molho hoisin, alho francês e rúcula (12,00 euros) ou o Carpaccio de wagyu, kizami wasabi, ovas de salmão, chips da casa, flor de sal (23,00 euros).
Ainda a reter nesta ementa, que inclui pratos vegetarianos, a oferta ampla de sashimi, sushi e Otaku Maki (rolos de sushi), assim como um elenco de sobremesas eclético a cargo de Miyuki Kano, a chefe de pastelaria que trabalha com Paulo Morais há vários anos. Duas referências, uma para a Tarte de chocolate com sorbet de tangerina, cremoso de maracujá e praliné de sésamo (5,50 euros), outra, a Tapioca de coco com sorbet de morango e tomilho, frutas frescas (5,00 euros), um gulodice vegana.
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