Quis o destino que esta visita ao El Gordo se desse ainda Portugal pontapeava com esperança no Mundial de Futebol. Quis a coincidência que no dia e hora antecipadamente marcados para esta visita, se desse o embate ibérico entre as duas seleções vizinhas geograficamente. Hoje, já todos sabemos como correu aquele três a três entre Portugal e Espanha. Nos idos de 15 de junho, no El Gordo, porta com o número 23 da Rua do Alecrim, ao minuto zero daquele embate, certezas só aquelas que nós, reportagem do SAPO Lifestyle, e a boa centena de clientes do El Gordo tinham. Havíamos escolhido para brindar a estreia no Mundial uma casa onde não soa estranho a alegria de um “Golo” gritado em português ou a de um “Gol”, na língua de nuestros hermanos.
Isto porque El Gordo é casa que faz a dois tempos uma viagem de grande amplitude geográfica no que aos comeres toca. Deixa-nos à mesa do Brasil e dos comeres que falam aquele português doce que bem conhecemos; mas também nos apresenta aquilo que outras latitudes sul-americanas nos dão - e bem – como as carnes da Argentina. E porque é casa gerida por uma dupla de portugueses, pai e filho mais concretamente, este El Gordo não se escusa aos petiscos e ceares de alma lusa.
Nuno e Salvador Almeida (respetivamente pai e filho) são os dois obreiros desta casa instalada próximo ao Cais do Sodré deste o último trimestre de 2017. Um pai, neste dia de Mundial, estrategicamente posicionado à entrada da ampla sala. Patriarca em jeito de anfitrião a indicar mesa e de olhar soberano sobre a multidão. É ele, Nuno, o El Gordo, alcunha que conquistou quando, no passado, a balança lhe devolvia uns bons quilos de sobra. Foram-se os quilinhos a mais, ficou um nome que acompanha Nuno Almeida nestas lides de restauração há muito. No espaço de nome homónimo que teve há perto de 30 anos no Bairro Alto, na casa que havia de abrir no Rio de Janeiro no Brasil, onde esteve uma década, e, agora, aqui, na Movida desta nova Lisboa.
Salvador faz-nos a honra na sala. Encaminha-nos entre as ostes de adeptos que, desengane-se o leitor, não aplaudem somente nas línguas de Camões e Cervantes. O El Gordo traz para dentro de portas aquilo que é o álbum de fotografias desta Lisboa, ano de 2018. França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, também se acomodam nas mesas e cadeiras de madeira, de olhar preso nos grandes ecrãs. Grita-se, respira-se o ambiente dos grandes momentos. Na Rússia já se joga e no El Gordo, Salvador e a sua equipa fintam, o rebuliço para trazer à mesa os comeres de uma carta de generosa abrangência. Já lá iremos.
Sabe o apreciador da restauração que este sentar à mesa é experiência múltipla, onde também cabe e predispõe o ambiente engendrado. Saiba, então, que não será pela decoração que neste El Gordo sentira os efeitos nefastos de uma má digestão. A fazer justiça à multiculturalidade da casa vamos encontrar a riqueza antropológica e natural que insufla o nosso imaginário quando espicaçado por termos como Amazónia, Andes, Tropical.
Nem o relato futebolístico nos mata a viagem emocional proporcionada pelos muitos rostos índios, em grande formato, pintados nas paredes do restaurante. Como também, os ímpetos de um “Golo” não nos afastam do olhar panorâmico sobre a sala: a colónia com dezenas de “macaquinhos de imitação” em malabarismo no teto, as reproduções de aves tropicais, os tons amarelo e azul preponderantes.
“Goloooo”. Desfaz-se a fantasia tropical para aterrarmos em pleno Mundial e nos pés de Cristiano Ronaldo. Salvador acerca-se da mesa com a primeira rodada de sugestões da carta em jeito de voo amplo que iremos fazer sobre os comeres do El Gordo.
Saiba o leitor que da cozinha desta casa sai alimento com assinatura. A do chefe Claudio Silame, homem que começou a sua viagem nas cozinhas da capital mineira, no Brasil, passando por restaurantes como La Favorita e Fogão de Minas. Em 2008, foi convidado para chefiar o restaurante Bardot Atlântico no Rio de Janeiro, situado na charmosa orla Bardot. Do Brasil para Dublin, de Dublin para a Rua do Alecrim.
Mãos à obra, ou melhor dizendo, abordemos a paparoca. Fazemo-lo, com um pão quentinho a jeito para o molho Aïoli. Juntamos-lhes umas empanadas argentinas de boa carne (duas por 6,00 euros), massa fina, generosas no condimento; um Bóbó de camarão, cremoso, sem abuso no condimento (15,00 euros) e um fresco Ceviche de sardinha com balsâmico e cebolinho (13,00 euros), bom representante da frescura que procuramos neste petisco.
Três sugestões de Salvador que são um picar deste item da carta de “tapas/petiscos para partilhar”. Há mais de 50 opções, com Sopa de peixe (5,00 euros), Caldinho de feijão (3,50 euros), Pastéis de bacalhau com mandioca (4 unidades/9,00 euros), Frango de escabeche (9,00 euros), Croquetes de picanha (10,00), Picanha fatiada (15,00 euros), Pimentos Padron (9,00 euros), Pequenos carabineiros com alho (16,00 euros), Ovos mexidos com alheira (9,00 euros), Arroz maluco (5,00 euros), Feijão preto com linguiça (4,50 euros). Como se anunciava e se percebe, um elenco interessado em tocar muitas teclas entre as duas margens do Atlântico.
Avançando, para os principais. Salvador apresenta-nos um dos best of da casa, uma Picanha Argentina (25,00 euros), acompanhada de umas batatinhas fritas e de um arroz branco com feijão preto. Carne de muita tenrura e suculência a dispensar bem o sal. Ainda de pé posto na América do Sul, uma Feijoada brasileira, onde não falta a típica farofa, arroz, couve e laranja (25,00 euros), assim como o tão nosso Bacalhau assado com batata a murro (18,00 euros). Um reportório de carnes e peixes que, no primeiro caso assentam na produção importada desde as latitudes abaixo da linha do equador e, no caso dos produtos de mar, provindo das águas da costa portuguesa.
“Goloooo”, minuto 88 de jogo e Ronaldo faz a tripla dentro da baliza espanhola. Jogo empatando. Quem não empata é Salvador na sala apinhada. Nota positiva, cozinha escorreita no serviço não obstante a sala em modo turbilhão. A encerrar, os doces. À prova, uma Mousse de papaia com cassis (4,00 euros). Resultado mais positivo do que aquele que acaba por encerrar o jogo no ecrã. Diríamos um quatro a zero a favor da mousse face a algumas congéneres sem substratos gustativos. Ainda no elenco das sobremesas, de sublinhar os Churros com dulce de leche (5,50 euros), a Mousse de chocolate com cachaça (4,50 euros) e o Quindim de amêndoa (5,00 euros).
Uma refeição que não entrou a seco. Nos bebíveis, uma muito agradável Caipirinha de abertura e refeição emparelhada, nas entradas, com um branco Portada Reserva DFJ, região de Lisboa. Um néctar levemente floral e frutado, seco, muito fresco e leve e com um final de boca prolongado. Prato principal a casar com um tinto Portada Reserva DFJ, de cor rubi brilhante, na boca com frutos vermelhos vivos e frescos, taninos equilibrados, mas bem marcados. Um vinho vivaz no que respeita ao álcool, com um leve toque de madeira que lhe dá harmonia.
Quem for dado a passeios de palato pelos cocktails, vai encontrar algumas referências clássicas, embora com umas pinceladas de autor. Um Spicy Mojito, com sementes de malagueta e folhas de hortelã, Passion Daikiri, com puré de maracujá e rum, Dark N Stormy, com cerveja de gengibre e sumo de lima, entre tantos outros.
Bem, já todos sabemos qual o desfecho desta participação de Portugal no Mundial. Assim como a da Espanha e do nosso sempre tão afim Brasil. Fecha esta peça no dia em que encerra o mundial com o não esperado embate entre França e Croácia. Apetece dizer em jeito jocoso, “prognósticos só no final” ou, recorrendo ao lugar-comum, “que ganhe o melhor”. No caso do El Gordo não se lhe aplicam palavras feitas. É original dentro de um elenco clássico. Tem uma carta com energia não obstante a amplitude de oferta. Tem carisma o lugar e a capacidade de nos empurrar por um par de horas para meridionais latitudes alimentares.
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