
O psiquiatra francês Christophe Massin, especialista em comportamentos psicossociais, acaba de ver editado em Portugal o seu mais recente livro, Imunidade Psicológica – Aprenda a Defender a Sua Mente(edição Contraponto), uma obra que propõe uma reflexão original: tal como o corpo dispõe de um sistema imunitário para se proteger de agentes nocivos, também a mente necessita de defesas para lidar com agressões psicológicas.
Médico e psicoterapeuta, Massin construiu a sua carreira unindo prática clínica a uma dimensão espiritual inspirada na tradição indiana. O psiquiatra e psicoterapeuta tem procurado conciliar psicoterapia e espiritualidade numa abordagem centrada no autoconhecimento.
No presente livro, o autor descreve como comentários cruéis, críticas duras ou manipulação podem afetar a autoestima e a confiança, e defende que a capacidade de resposta varia consoante a solidez da nossa “imunidade psíquica”. Quando esta está fragilizada, explica, é comum a pessoa minimizar a agressão, sentir-se culpada ou justificar o agressor, acabando por carregar sozinha as consequências negativas.
A infância surge no livro como um fator determinante: crianças expostas a negligência, violência ou abusos tornam-se adultos menos preparados para se defender. Pais e educadores, lembra Massin, têm um papel essencial em ajudar os mais novos a reconhecer as próprias emoções, a estabelecer limites e a ganhar referências claras sobre o que é aceitável ou não.
Na presente entrevista, Christophe Massin sublinha que fortalecer a imunidade psicológica não é apenas um ato individual, mas também um contributo para uma sociedade mais consciente e resistente à violência e à manipulação.
Autor de várias obras, Massin foi distinguido em 2014 com o Prémio Psychologies-Fnac pelo livro Souffrir ou aimer. Transformer l’émotion, dedicado ao trabalho com as emoções.
Refere na introdução ao seu livro que vivemos uma época em que “as barreiras educativas e sociais à agressão diminuíram notoriamente”. Considera negativo que estas barreiras tenham caído? Porquê?
A violência sempre existiu. O que mudou foi uma espécie de desinibição da agressividade nas relações do dia a dia, provavelmente associada ao aumento do individualismo. Vejo isso como negativo porque enfraquece os laços sociais, a solidariedade e a atenção ao outro.
Assim, nas dificuldades, encontramo-nos mais facilmente sozinhos e ficamos desprotegidos quando somos alvo de agressão.
O seu livro traça um paralelismo entre a nossa imunidade psicológica e a reação imunitária do nosso organismo face a germes patogénicos. No caso da psicologia, quais são os “germes” de que nos estamos a defender?
No plano psicológico, os “germes” são tudo aquilo que nos pode agredir ao penetrar em nós: juízos de valor, violência verbal, críticas que nos magoam, desprezo, manipulação ou controlo psicológico – tudo o que nos gera ansiedade, insegurança, dúvidas sobre nós próprios ou sobre as nossas convicções, lave-nos a perder confiança e desvaloriza-nos.
A violência sempre existiu. O que mudou foi uma espécie de desinibição da agressividade nas relações do dia a dia, provavelmente associada ao aumento do individualismo.
Porque é vantajoso olharmos para a nossa preservação do ponto de vista da imunidade?
A mente não está separada do corpo: uma fragilidade imunológica psicológica pode repercutir-se na saúde física e, da mesma forma, um mau estado corporal enfraquece as defesas psíquicas. Por isso, faz sentido compreender o nosso funcionamento imunológico em todas as suas dimensões. Até agora, a psicológica tinha sido muito pouco explorada.
Quais são os sinais que indicam que a nossa “imunidade psicológica” está em baixo e que precisamos reforçá-la?
O sinal mais evidente é a reação insuficiente perante uma agressão: muitas vezes a pessoa nem percebe claramente que foi agredida, ou minimiza o acontecimento, chegando até a justificar o agressor. Por vezes é ela que se sente culpada, convencida de que não fez o suficiente. Nessas situações não protesta, ou fá-lo de forma muito fraca, não consegue dizer “basta”, nem dizer “não”. E acaba por ser ela a suportar as consequências negativas, mais do que o próprio agressor.
Como refere, é possível estarmos perante um ato de agressão sem que nos demos conta disso. Quer dar-nos alguns exemplos práticos desta ocorrência?
Sim. Isso acontece tanto em contexto familiar, como conjugal ou profissional. Uma pessoa pode ser constantemente criticada, julgada pela aparência, ridicularizada, humilhada, ignorada. Pode ser sobrecarregada de trabalho sem reconhecimento. E, ainda assim, suporta estas injustiças sem reagir, ou limita-se a suspirar. Porque, no fundo, não acredita que merece melhor.
Grupos ou entidades mal-intencionadas usam muitas vezes os gatilhos emocionais da imunidade – o medo e a agressividade – através das redes sociais.
O seu livro aborda as redes sociais, o bullying e a violência psicológica quotidiana. Que papel atribui ao mundo digital no enfraquecimento da nossa imunidade psicológica?
As redes sociais têm como objetivo principal captar a nossa atenção. Ficamos absorvidos pelo que vemos e tendemos a preencher assim todos os momentos de vazio. Isso faz com que os tempos de introspeção, de escuta interior, de regresso a nós próprios se tornem raros. Perdemos o contacto profundo connosco e ficamos muito mais permeáveis. Assim, deixamo-nos prender facilmente por conteúdos emocionalmente carregados e somos influenciados ou manipulados sem nos darmos conta. Grupos ou entidades mal-intencionadas usam muitas vezes os gatilhos emocionais da imunidade – o medo e a agressividade – através das redes sociais, para recrutar pessoas e difundir desinformação.
Identifica no seu livro as origens das perturbações da imunidade e centra-as ainda na infância. Quer, brevemente, partilhar quais são estes fatores?
Quando uma criança é exposta a negligência crónica, maus-tratos, violência verbal ou física, ou abusos, a sua autoestima fica fragilizada, torna-se ansiosa. Acaba por acreditar que é normal ser tratada assim e terá dificuldade em defender-se. Sente medo e convence-se de que não tem legitimidade para se afirmar. Da mesma forma, se os pais têm problemas psicológicos que fazem recair sobre ela, o seu mundo interior é invadido e a criança habitua-se a não escutar o que sente, a desvalorizar-se e a não se proteger.

Sendo a infância tão determinante, que conselhos deixaria a pais e educadores para ajudarem as crianças a desenvolver desde cedo essa imunidade psicológica?
Aprender a defender-se é um processo que começa na infância e prolonga-se pela vida adulta. Os pais têm um papel essencial ao dar referências à criança, mostrando-lhe o que é aceitável e o que não é. Devem ensiná-la a reconhecer as suas emoções, para que possa apoiar-se na sua sensibilidade e aprender a respeitar os seus próprios limites. Para isso, é importante conversar com frequência num clima de confiança e afeto, permitindo-lhe exprimir o que sente e aprender a gerir as emoções. Assim, será capaz de procurar a melhor resposta possível a uma agressão.
Do ponto de vista psicológico, como se explica que certos indivíduos reajam e protestem e outros permaneçam passivos?
Esta questão relaciona-se com a nossa história pessoal, com os condicionamentos familiares e escolares, mas também com o temperamento e até com o estado de saúde física.
Tem integrado na sua prática uma dimensão espiritual. De que forma essa perspetiva contribui para fortalecer a imunidade psicológica?
A prática espiritual torna-nos mais conscientes de nós próprios, dos nossos limites e mais centrados. Aumenta a nossa sensibilidade e dá-nos maior capacidade de distanciamento face às situações difíceis. Desenvolve o discernimento e permite-nos manter a serenidade, respondendo de forma calma, mas firme, sem recurso à violência.
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