São 18h30 de um dia de semana buliçoso como todos os dias de semana na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Aqui, não muito longe do portentoso Museu de História Natural e a não mais de uma centena de metros da Praça do Príncipe Real, é hora de ultimar preparos de sala para mais uma abertura de porta. Esta, com o número 111 na Rua de São Marçal.
Descemos a dezena de degraus em pedra robusta que nos tiram da chuva lisboeta e nos convidam para um espaço acolhedor, não muito mais do que duas dezenas de lugares, balcão generoso, ambiente de luz afável, tijolo, betão, madeiras e vidro em convívio cordato. Um espaço de dimensão moderada, mas capaz de acomodar o mundo inteiro, aqui expresso numa obra de arte, uma tela.
A peça com vários metros quadrados é de fundo negro, planisfério traçado a branco, centenas de linhas que recriam aquilo que foram as rotas rumo a terras de Vera Cruz pela Companhia das Índias. Neste caso, expressão da mundividência do artista plástico português João Louro. Uma peça que esteve em mostra na Bienal de Veneza de 2017 e que é aquilo a que pudemos chamar a pièce de résistance do novíssimo restaurante Zazah.
Um mapa/tela que não vale apenas pelo impacto visual, ele evidencia a essência deste restaurante Zazah, como nos irá explicar Moisés Franco, o chefe de cozinha Carioca, formado em direito, apaixonado por gastronomia, empenhado em descobrir os produtos portugueses e que, em certo momento da sua vida, o ano de 2015, ruma a terras lusas, onde estuda cozinha.
Moisés senta-se connosco à mesa. Cordato, solta-se com o evoluir da conversa. Pressente-se a urgência de voltar para uma cozinha onde labora com mais seis pessoas (agora em dois turnos desde que a casa serve almoços). O Zazah não obstante uma carta descontraída, de cozinha para partilhar, petiscar e cruzar, conta com uma mesa cuidada. Moisés Franco é perfecionista e os croquetes de alheira, os cones de miolo de sapateira, o ceviche de atum, a bifana de bochecha de porco preto ou a vazia fatiada, só para dar alguns exemplos da carta, têm de chegar ao prato irrepreensíveis.
Voltemos à tela que sintetiza a assinatura deste Zazah. Casa onde prevalece o elemento visual nas diversas peças em exposição como as de João Pedro Croft, Ascanio Monteiro, Dora Longo Bahia.
Uma atenção estética que contou com a curadoria de Paulo Herkenhoff (atual curador do MoMa, em Nova Iorque), seleção musical cuidada e entregue a uma empresa de marketing sensorial, a Mufyn, que desenvolveu uma programação exclusiva; matéria prima portuguesa no que aos comeres respeita e aquilo que mais de cinco séculos de relação entre este cantinho europeu e o gigante Brasil forjaram, ecletismo. Aqui expresso no trabalho de dois sócios brasileiros, Moisés e Sidnei Gonzalez, este último o maître de toda a decoração da casa.
“Já procurávamos um espaço como este há algum tempo. Em 2017 encontrámo-lo e lançámo-nos à obra”, salienta Moisés Franco que traz no currículo, no nosso país, o trabalho em restaurantes como o “Boca Café, A Travessa, Belcanto e Bairro do Avillez. Tenho formação de grelha e quem aí passa ganha uma grande escola de cozinha”, sublinha o chefe do Zazah para quem “a mãe [e não é sempre assim?], os chefes Marc Pierre White, José Avillez e André Lança Cordeiro” são referências.
Pondo então a mão na comida, Moisés Franco, chama à mesa uns Croquetes de Alheira de Caça com Parmesão (6,00 euros). “Para o panado usei um pão japonês. Permite um resultado mais sequinho”. Isso mesmo sente-se. Um croquete estaladiço, sem esborrachar à dentada e de miolo tenro, onde concorre a textura do queijo.
Já antes chegara à mesa um Brazinha (10,00 euros), aqui representante de uma carta de cocktails com nove sugestões. No caso vertente e atentando na carta uma mistura de “Braza Mix; Lima; Ananás Caramelizado; Xarope de Cerveja Guinness; Sumo de Ananás Assado”. É com este Brazinha por companhia que se seguirão os dois outros petiscos por sugestão de Moisés. Uma ausência de vinhos não por falta destes no elenco deste Zazah, mas por vincada incompetência do articulista desta peça para absorver o álcool. Aliás a carta de vinhos é um dos trunfos da casa, com mais de 80 referências preponderantemente nacionais e transversais a todo o país.
Dos croquetes a pedirem mais uma rodada, passamos para uns cones de miolo de sapateira (8,50 euros) e tempero especial do chefe. Este “leva, entre outros elementos, cornichons, alcaparras, cebola roxa, malagueta, flor de sal”, sublinha o nosso anfitrião, enquanto provamos acabados de chegar à mesa, ainda quentes, uns cones cor de espinafre (o elemento que lhes confere coloração), recheados com a cremosa mescla de marisco com o tempero.
Para fechar esta mesa de degustação, o ceviche de atum, com leite de tigre e batata-doce (11,00 euros). “Isto de se falar de ceviches é um mundo. O que aqui apresento é só um cantinho desse mundo. O atum chega das Maldivas e junto a lima, o limão, o aipo, o gengibre o funcho marinho”. Moisés expressa com este funcho pouco divulgado a paixão que o traz pelos alimentos e sua descoberta. “Os marinheiros utilizavam-no no período dos descobrimentos. Podem encontrá-lo em toda a costa portuguesa”.
Vinte horas. Moisés Franco deixa a sala para tomar o comando da ponte de controlo, vulgo a cozinha. Antes, porém, reabilita uma das conversas cruzadas durante o jantar. “Como você disse que se chamava a leguminosa portuguesa ainda pouco divulgada?”. Chícharo e tem direito a festival em Alvaiázare, no distrito de Leiria. “Muito interessante, já estou tendo umas ideias”.
Quem sabe numa próxima rodada da carta do Zazah o chícharo possa ombrear com o Tataki de atum (17,50 euros), o Risoto alla Milanese (8,5 euros), ou o Escondidinho doce (7,50 euros).
Zazah
Rua de São Marçal nº 111, Lisboa
Telefone: 211 34 4 468
Horário: Segundas, terças, quartas e domingos das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 00h00; de quinta a sábado das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 2h00.
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