
Ficar num hotel tem as suas regalias. Uma das mais apreciadas é o pequeno-almoço buffet: variedade, abundância, o prazer de escolher livremente ao sabor da nossa vontade. Mas o que à primeira vista representa conforto e liberdade, nos bastidores traduz-se muitas vezes em desperdício alimentar. É precisamente essa realidade que o Lisbon Marriott Hotel decidiu enfrentar de frente.
"Somos o maior hotel de Portugal, com 577 quartos, e o sexto maior Marriott gerido na Europa continental", contextualiza Steve Horvath, diretor-geral do Lisbon Marriott Hotel. "Alimentar este volume de pessoas implica preparar muitos buffets, e o perigo é que, se não formos cuidadosos, podemos gerar muito desperdício", afirma.
A mudança começou em outubro de 2024, quando o hotel decidiu fazer um investimento sério no combate ao desperdício alimentar. "A primeira coisa que precisávamos de fazer era entender o que estávamos a medir", explica o diretor-geral. A solução passou pela instalação do sistema Winnow, um conjunto de câmaras com inteligência artificial colocadas sobre as lixeiras da cozinha. As câmaras identificam automaticamente os alimentos descartados com base em reconhecimento de imagem e registo de dados. "Se a câmara não reconhece o item, a pessoa que está a descartar a comida seleciona o que é num ecrã. Leva apenas alguns segundos", detalha ainda.
Durante algumas semanas, a equipa do hotel limitou-se a medir para se estabelecer uma linha de base, uma "fotografia" do que seria o desperdício normal sem qualquer intervenção. Os dados foram reveladores. "Percebemos que havia muito trabalho a fazer", admite o diretor.

A partir daí, foi tempo de agir: "Com esse conhecimento orientado por dados, começámos a mudar comportamentos: na hora de encomendar alimentos, de armazenar, de cozinhar. E os resultados apareceram. Estabelecemos uma meta ambiciosa: reduzir em 30% o desperdício alimentar como proporção das vendas até 30 de junho [de 2025]. Conseguimos reduzi-lo em 43%. Superámos as expetativas", explica.
Com os dados do Winnow, a equipa passou a identificar padrões de desperdício e a corrigir processos. "Reduzimos o desperdício de ovos em 63%, de bacon em 69%, de salsichas de pequeno-almoço em 79% e de produtos lácteos em 94%", detalha o chef executivo Dominic Smart. "Mas isto não é apenas sobre reduzir sobras. É sobre mudar mentalidades", assume ainda.
Segundo o chef, a verdadeira transformação é cultural. "Perguntamos à equipa: como podemos usar tudo? Como podemos pensar o prato a partir do aproveitamento integral dos ingredientes, em vez de lidar com sobras depois de cozinhar? Esta mudança de mentalidade é das coisas mais valiosas que conseguimos", diz.
Foi neste contexto que nasceu o novo menu de verão do restaurante Citrus, lançado a 25 de junho. Trata-se de uma proposta sustentável, baseada na cozinha portuguesa e concebida sob o conceito de desperdício zero, sem abdicar do sabor ou da sofisticação que se quer num restaurante.
"Temos muito orgulho em usar ingredientes portugueses, e agora temos ainda mais orgulho porque conseguimos usar tudo", afirma Dominic Smart. Entre os destaques da carta estão o bife à portuguesa, servido com molho de vinho tinto, presunto crocante e batata frita à portuguesa, e o naco de atum à Bulhão Pato, que inclui miolo de amêijoa e é acompanhado por batatas fritas. "O atum é de origem local. Aproveitamos as ervas para fazer o pesto e usamos integralmente todos os elementos", explica o chef.

Como entrada, o tomate coração de boi com requeijão de ovelha e frutos secos, junta frescura, textura e aproveitamento integral dos produtos. Para fechar a refeição, a tarte de ganache de chocolate com mousse de geleia de medronho confirma que também nas sobremesas se pode aliar sofisticação e sustentabilidade.
Esta abordagem valeu ao restaurante uma distinção sem precedentes em Portugal: o Citrus é o primeiro restaurante do país a ser certificado com o selo internacional The PLEDGE on Food Waste, um programa exigente que trabalha com estabelecimentos em todo o mundo. "Cumprimos os 95 critérios da auditoria com 100% de pontuação. Uma nota perfeita, que nos valeu a classificação all-star", sublinha Steve Horvath.
As práticas agora implementadas no Citrus estão a ser replicadas em outras áreas do hotel: bares, banquetes de grupos, uma vez que o hotel é conhecido por receber muitas convenções, e até no serviço de quartos. Os efeitos não se limitam à sustentabilidade ambiental. "A satisfação dos hóspedes aumentou mais de 7% este ano. No que toca a alimentos e bebidas, crescemos 11%. Isso mostra que estas mudanças têm um impacto direto na experiência do cliente", admite o diretor-geral.

Para o futuro, o hotel está já a preparar o próximo passo: investir num compostor industrial. "Queremos transformar os resíduos orgânicos em apenas 24 horas, reduzindo em 90% o lixo que iria para aterro", adianta Steve Horvath. "Esse composto pode ser utilizado por jardineiros, agricultores ou até na nossa própria propriedade", admite.
O compromisso com a sustentabilidade não é novo no Lisbon Marriott Hotel. Há 11 anos consecutivos que o hotel é reconhecido com a certificação Green Key Eco-Rating. "A certificação The PLEDGE veio complementar esse percurso. Foi um desafio, mas também uma confirmação de que estamos no caminho certo", conclui.
Situado no piso térreo do hotel, rodeado por um jardim tropical que funciona como um pequeno oásis na cidade, o restaurante Citrus revela-se agora mais do que um espaço gastronómico: é um exemplo prático de como a hotelaria pode reinventar-se, sem abdicar da qualidade.
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