Numa altura em que as cozinhas dos restaurantes se assemelham, cada vez mais, a um laboratório, a do restaurante Ekstedt, na capital sueca, destoa dessa tendência. Nela, em vez de fogões topo de gama, existe apenas uma fogueira com uma base de ferro fundido e um forno a lenha, onde as chamas dançam constantemente, além de um micro-ondas da idade da pedra. A culpa é de Niklas Ekstedt, chef e proprietário do restaurante, que decidiu regressar às raízes da gastronomia nórdica e não se deu mal com isso.
Com essa ousadia, conquistou a crítica rapidamente e o restaurante ostenta uma Estrela Michelin há um ano e meio. No início, Niklas Eksted queria «apenas perceber a que sabiam os alimentos cozinhados com as técnicas antigas», como revelou em entrevista à Saber Viver nos últimos meses de 2014. Essa audácia deu-lhe fama mas, ainda assim, deixa um aviso. «Não tentem fazer isto em casa», alerta.
Como descreve a sua cozinha?
Redescobri técnicas nórdicas tradicionais de cozinhar com fogo e apliquei essas técnicas a uma cozinha contemporânea e elegante.
De onde surgiu a ideia de cozinhar com fogo e chamas?
Surgiu depois de ter ido a um restaurante perto de San Sebastian [Espanha], na montanha, onde vi o chef a cozinhar numa grelha à maneira basca. Esta viagem funcionou como uma espécie de despertador, tendo começado a pensar na comida nórdica como uma técnica e a questionar-me sobre como se cozinhava antes das novas tecnologias ou antes da eletricidade, do gás e do vácuo.
E onde encontrou as respostas?
Fui pesquisar as técnicas antigas de culinária na Biblioteca Nacional da Suécia e observei que a maioria das receitas começava com a preparação do fogo. Pensei que seria bom replicar isso e construí uma cozinha como as de há 200 anos. Primeiro foi uma espécie de projeto histórico, no qual eu queria realmente perceber a que sabiam os alimentos cozinhados através dessas técnicas antigas.
Estagiou em restaurantes como o El Bulli e o The Fat Duck mas acabou por ir para um caminho oposto...
Quando abri o Ekstedt, sabia que os críticos iam estar atentos, porque o meu nome já era conhecido na Suécia. Quis surpreendê-los, fazendo algo totalmente diferente.
Foi um regresso às raízes?
Sim, foi essa a ideia inicial. No entanto, passámos do projeto histórico para a realidade, apesar das dificuldades.
Por que razão convidou o chef Gustav Otterberg para trabalhar consigo?
Está comigo desde o primeiro dia porque é a pessoa que mais sabe sobre comida selvagem. Juntos fazemos uma cozinha nórdica com as verdadeiras técnicas escandinavas.
Veja na página seguinte: O mistério do micro-ondas antigo
Na vossa cozinha, existe, para além da fogueira e do forno a lenha, um micro-ondas da idade da pedra, se é que lhe podemos chamar assim. Como é que o pode descrever?
Basicamente é uma caixa de vidro, um forno vazio, no qual introduzimos calor através de um tubo, sendo possível regular a quantidade de fumo que introduzimos, e/ou também colocar algumas brasas no fundo. Isto permite-nos cozinhar a baixas temperaturas, na casa dos 140º C a 160º C, algo que não acontecia até termos este forno, porque o fogo e a madeira não nos permitem isso.
Que alimentos podem ser cozinhados com fogo?
É uma boa pergunta, pois alguns alimentos desaparecem quando cozinhados desta forma. Um exemplo disso, são os espargos. Vimos que tínhamos de usar sempre pedaços maiores dos alimentos e os que melhor se adequam são a carne, os enchidos, o marisco e o peixe. Confecionar os alimentos desta forma tem muitos benefícios e tenho muito orgulho na nossa receita de abacate.
Cozinhada dessa forma, a comida tem um sabor diferente?
Sim. Aproxima-se do umami [o quinto sabor, que não é doce, salgado, azedo, amargo ou salgado] ou da soja e sente-se um travo ligeiramente metálico.
É fácil cozinhar com o fogo?
A temperatura é um dos aspetos mais difíceis de controlar quando cozinhamos com fogo, pois o ferro fundido da nossa fogueira e o próprio fogo aberto aquecem muito. No entanto, já conseguimos controlar o fogo e manter a temperatura baixa. Usamos um termómetro a laser quando colocamos os tachos e panelas ao lume.
E, em casa, é possível cozinhar desta forma?
Não façam isto em casa...
Gostaria de abrir mais restaurantes deste tipo noutras cidades?
Acho que a minha cozinha podia funcionar bem em Boston [nos Estados Unidos da América]. Os produtos e a madeira que usei para cozinhar durante um evento na Universidade de Harvard são semelhantes aos que uso em Estocolmo. Mas Londres é a minha escolha número um. Só ainda não encontrei o lugar ideal e um parceiro local.
O percurso vencedor de Niklas Ekstedt
Niklas Ekstedt nasceu em 1978 e abriu o seu primeiro restaurante, Niklas, aos 21 anos. Antes disso, passou pela cozinha de vários chefs famosos, entre os quais Alain Ducasse em Paris, Heston Blumenthal em Londres e Ferran Adrià em Espanha. Seis anos mais tarde, decidiu mudar-se para Estocolmo e abriu o restaurante 1900, focado nos ingredientes suecos e nas tradições gastronómicas do país. Em 2011, abriu o Ekstedt. Em simultâneo, tem apresentado vários programas de culinária na televisão estatal sueca e já escreveu quatro livros de receitas.
Texto: Rita Caetano
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