Existem oito passos metabólicos que levam à síntese do heme, correspondendo a cada um a atividade de um enzima específico. As mutações genéticas indutoras de porfíria inativam estes enzimas levando à acumulação dos respetivos metabolitos – as porfirinas, que acumulando-se nos tecidos do organismo humano provocam as manifestações destas doenças.
O heme é produzido maioritariamente na medula óssea e o restante no fígado. Deste modo, as porfírias podem ser classificadas como hepáticas ou eritrocitárias. As porfírias hepáticas agudas que podem ter 4 tipos são, conjuntamente com a porfíria cutânea Tarda, as mais frequentes. No entanto as porfírias são doenças muito raras estimando-se que globalmente na Europa ocorram 1 a 5 casos por 100.000 habitantes. Por outro lado, como noutras doenças genéticas existem variações na sua incidência consoante o tipo.
As suas manifestações clínicas podem surgir ao longo da vida dos doentes, existindo formas de predomínio pediátrico e outras no adulto. Felizmente a grande maioria dos doentes tem formas atenuadas de doença, mas podem ocorrer casos muito graves em que há risco de vida durante as crises. Nos casos mais graves, destacam-se os sintomas neuro-viscerais com dor abdominal grave, mialgias e cefaleias associadas a alterações comportamentais, agitação, tremor, sudorese, obstipação e deficit de força muscular dos membros e que pode afetar os músculos respiratórios levando a paragem respiratório com necessidade de ventilação assistida. Podem ocorrer convulsões e coma. Outros sinais cardiovasculares como hipertensão arterial e arritmias cardíacas assim com alterações dos sais minerais, podem provocar a morte. Um sinal peculiar é a emissão de urinas de cor purpúrica, provocada pela excreção aumentada das porfirinas e seus percursores na urina – chamativo para o diagnóstico!
As manifestações cutâneas são a outra face das porfírias, consoante o tipo em causa. Dependem em grande parte da exposição à luz solar e podem nas formas mais graves ser muito mutilantes com graves erupções bolhosas e fragilidade cutânea das zonas de exposição como a face, mãos, pés, membros. Outra peculiaridade é a hipertricose: um forte crescimento de pilosidade nas áreas afetadas.
As porfírias evoluem geralmente por crises, mas podem desenvolver-se manifestações crónicas com o desenvolvimento de polineuropatia progressiva, insuficiência renal ou hepática podendo provocar falência destes órgãos.
Existem vários fatores desencadeantes que podem provocar as crises. Nos adultos é típico o aparecimento de sintomas na puberdade causado pelo aumento das hormonas sexuais, o jejum prolongado, o stress orgânico de uma infeção, um trauma ou uma cirurgia, ou o consumo de álcool. Existem ainda diversos medicamentos que podem despoletar uma crise.
O diagnóstico é, por vezes, muito difícil por ser facilmente confundido como outras causas mais comuns de dor abdominal como uma apendicite ou uma pancreatite por exemplo. E embora a presença de porfirinas no sangue, urina e fezes estejam claramente aumentadas durante as crises, podem ter valores residuais fora das alturas de crise, dificultando a sua identificação. Reforça o diagnóstico o doseamento dos enzimas em falta e é confirmativa a presença das mutações genéticas por estudo de biologia molecular.
O tratamento das porfírias atualmente desenvolve-se em três vertentes
1. Preventiva – Eliminação dos fatores desencadeantes referidos anteriormente.
2. Terapêutica de suporte na crise e sintomática - Hidratação, administração de Glucose e controlo dos sais minerais, dor e hipertensão arterial. Prevenção das convulsões proteção renal e das vias respiratórias. Deve existir uma escolha rigorosa dos fármacos a aplicar, pois conforme já foi mencionado existem alguns medicamentos que podem agravar o quadro clínico. Por último uma vertente.
3. Modificadora da doença - Administação de heme farmacológico, que por mecanismo de retrocontrolo diminui a acumulação dos metabolitos tóxicos. É utilizado nas crises e em perfusões intravenosas periódicas com caráter preventivo nos casos mais difíceis.
Recentemente foi introduzido um composto de silenciamento genético que interfere no RNA mensageiro indutor da produção do enzima inicial da via de síntese do heme, inibindo-a o que leva ao bloqueio da produção excessiva dos seus metabolitos nos doentes com estas deficiências. Pode ser usado nas crises e em terapêutica preventiva por via subcutânea e é um avanço muito significativo para o controlo destas patologias.
Em algumas formas o transplante hepático é curativo, no entanto está reservado para os doentes mais graves pois é um procedimento com riscos elevados, complexo e que depende da existência de dadores.
Um artigo do médico Luís Brito Avô, coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa da Medicina Interna.
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