A carreira médica é estruturante do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Podemos, com toda a justiça, considerá-la como o seu “esqueleto”, orgânico e funcional.
A história da carreira médica tem os seus primórdios no icónico relatório Miller Guerra, de 1961. Em 1990, o célebre decreto-lei nº 73/90 aprova, em pleno Governo Cavaco Silva (PSD), o regime das “carreiras médicas” de clínica geral, saúde pública e hospitalar e, com ele, a dedicação exclusiva; em 2009, o Governo Sócrates (PS) cessa este regime e introduz uma carreira médica única, organizada em áreas de exercício profissional médico.
Uma carreira médica devidamente organizada é, a par da regulação do exercício profissional pela Ordem dos Médicos, um instrumento crítico à qualidade dos cuidados de saúde. De outra forma, impera o “cada um por si” e instala-se o caos organizacional e funcional.
A carreira médica encontra-se organizada em graus e em categorias – sendo que os primeiros asseguram a qualificação e a competência profissionais e os últimos correspondem às atribuições específicas, traduzidas no estatuto remuneratório (hierarquia na carreira).
“O seu a seu dono” corresponde, neste contexto, ao respeito hierárquico-funcional. Mesmo numa sociedade tecnológica, consumida pela voracidade da inovação, o conhecimento, sem ser temperado pela experiência, nunca alcança a sabedoria.
“Assentar praça em general” é contranatura, nas profissões organizadas em carreiras. Excecionalmente – e na ausência prática de médicos graduados – poderá um médico não graduado assegurar funções de direção de serviço ou análogas; em nenhum outro caso isso poderá ocorrer.
No entanto, temos vindo a assistir, nos últimos anos, ao bizarrismo de serem preteridos médicos graduados em detrimento de jovens colegas – estes últimos, necessariamente mais “moldáveis” pelo poder político, em resultado da sua inexperiência e, porventura, desmesurada ambição.
Quando este atropelo é da iniciativa dos próprios médicos, enquanto dirigentes de pares, assume uma particular gravidade. Além dos aspetos ético-deontológicos, relacionados com a relação entre colegas e com o respeito que é devido aos mais velhos na profissão, atentar contra a hierarquia médica contribui, a prazo, para o colapso da carreira.
Ora, sendo a carreira médica o pilar do SNS, facilmente se inferem as consequências sistémicas de tão condenável conduta…