Maria tem 57 anos, é professora do ensino básico, e notou desde há uns meses alguns esquecimentos. Inicialmente tratavam-se de pequenos lapsos de importância menor – uma porta que não se fechou; uma panela no fogão tempo demais. Esquecimentos que rapidamente foram amparados pela família, que ao início igualmente desvalorizou – a professora andava cansada, era altura de exames, havia muita pressão na escola.
As férias chegaram pouco tempo depois e os lapsos de memória agravaram-se. Era frequente deixar estragar as refeições por não conseguir seguir os passos da receita; se não fosse alertada, vestia a mesma roupa vários dias seguidos.
O episódio que provocou maior alarme foi quando a professora saiu de casa após o jantar, julgando ser hora do passeio que habitualmente a família fazia depois do almoço.
A história de Maria é igual à de muitos outros doentes que desenvolvem Doença de Alzheimer antes dos 65 anos. Estima-se que sejam 10% de todas as pessoas com esta patologia, segundo dados da Direção-Geral da Saúde (DGS).
A Doença de Alzheimer atinge preferencialmente a população mais idosa, mas pode manifestar-se cedo demais, numa faixa etária a que frequentemente o público não considera poder tratar-se de uma doença neurodegenerativa
"A Doença de Alzheimer é uma das síndromes demenciais mais frequentes em todo o mundo, configurando uma emergência em termos de saúde pública e uma prioridade em termos de agenda médica. É uma das patologias mais frequentemente geridas em consulta de Neurologia. Espera-se que o número de casos continue a aumentar nos próximos anos", começa por explicar Rui Araújo, médico neurologista do Hospital CUF Porto.
"A Doença de Alzheimer atinge preferencialmente a população mais idosa, mas pode manifestar-se cedo demais, numa faixa etária a que frequentemente o público não considera poder tratar-se de uma doença neurodegenerativa. Com efeito, a descrição da primeira doente a que se atribui Doença de Alzheimer corresponde a uma senhora na sexta década de vida (50-60 anos)", acrescenta o neurologista.
A importância do dignóstico precoce
Quanto mais cedo surgem os sintomas da doença, mais importante é realizar um bom diagnóstico diferencial, com enfoque nas causas tratáveis e reversíveis, como défices vitamínicos ou alterações das hormonas tiroideias. O diagnóstico diferencial com síndrome depressivo também é fundamental, porque a depressão pode cursar com sintomas cognitivos.
"A orientação precoce e especializada é fundamental para a gestão da doença. A neurologia inicia o processo de diagnóstico pelo estabelecimento da natureza das queixas, da procura de quais os domínios cognitivos afetados (memória, linguagem, atenção...) através de testes de cabeceira e, se tido por necessário, avaliação complementar com estudo neuropsicológico", frisa o médico.
"Depois realizará o exame neurológico, e caso se justifique, solicitará exames complementares que visam, essencialmente, a exclusão de causas tratáveis", indica.
Existem vários e diferentes tipos de demências, como por exemplo a Demência fronto-temporal, a Demência de Corpos de Lewy, a Demência Vascular, entre outras. Cada tipo de doença degenerativa tem a sua abordagem particular e individualizada, idealmente realizada por neurologistas, a especialidade que trata esta doença.
Que sintomas?
Os sintomas mais frequentes e que justificam avaliação médica são os "esquecimentos que tenham repercussão na autonomia do doente e suas tarefas quotidianas".
"Alterações de linguagem (dificuldade em expressar-se ou compreender o que lhe é dito), desorientação espacial ou temporal (perder-se, precisar de ajuda para sair de locais menos familiares, trocar as horas), e dificuldade na execução de tarefas ou recados" também devem ser motivo de preocupação, conclui o médico Rui Araújo.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que em todo o mundo existam cerca de 47,5 milhões de pessoas com demência, número que pode atingir os 75,6 milhões em 2030 e quase triplicar em 2050 para os 135,5 milhões.
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