A raiz primordial de uma cultura faz-se de solo e clima. São, em última análise, estes fatores que determinam aquilo que cresce e que, por sua vez, dita como os povos vivem: de que se alimentam, de que são feitas as roupas, os utensílios, como é o quotidiano. Sobre o solo e sob o clima, outro fator não menos importante acresce à cultura de um povo: as migrações constantes de outros povos trazendo e levando hábitos, objetos, sementes, crenças e saberes. A Dieta Mediterrânica é exemplo perfeito destes três fatores em uníssono, uma sucessão de povos que se adaptam a um solo e clima (às vezes inclementes), construindo uma cultura milenar assente muito mais na necessidade de sobreviver do que na sorte de prosperar.

É dessa necessidade que advém a lendária parcimónia da Dieta Mediterrânica, em que tudo se aproveita, se preserva, se reparte – até no tempo lento das refeições, lugar de socialização na cozinha, transmitindo receitas através de gerações, e à mesa, partilhando conversas que temperam tanto os alimentos quanto as ervas e especiarias que dão acabamento aos pratos. A saúde veio por acréscimo, através de décadas de investigação que demonstram o fator protetor do padrão alimentar mediterrânico relativamente a várias doenças crónicas não transmissíveis.

A Dieta Mediterrânica não é apenas alimento. É, essencialmente, um estilo de vida e, portanto, é cultura. Foi neste mote que eu e um grupo de seis estudantes da Licenciatura em Ciências da Nutrição do Instituto Universitário de Ciências da Saúde (IUCS-CESPU), nos aventurámos numa mobilidade Erasmus à Universidad Europea Miguel Cervantes, em Valladolid, a cidade do rio Pisuerga, onde cresce a oliveira e a vinha, pastam cabras e ovelhas, e até a abrupta avalanche das estações se descreve da mesma forma que na zona quente transmontana: nueve meses de invierno y tres de infierno. A estes sete portugueses, juntaram-se um grupo de letões e um de romenos. Numa semana, este peculiar conjunto de gente do Atlântico, Báltico e Mar Negro imergiu numa cultura que, apesar de longe do mar, continua visceralmente mediterrânica, o que acaba por ser comum a quase toda a Espanha, em contraste com um Portugal profundamente diverso onde a influência do Mare Nostrum parece chegar cada vez mais timidamente.

Provámos vinhos e queijos, palmilhámos mercados, ouvimos falar de sustentabilidade. Aprendemos sobre comida na literatura e no cinema. Em alguns dias deste programa intensivo sob o sol de Valladolid, o nosso estômago pedia porções pequenas em contraste com o prato cheio do nortenho português, o calor implorava pela sesta e o jantar só apetecia já a noite corria cerrada. Foi aí que todos entendemos, independentemente do canto da Europa de onde viemos, que a forma como um povo se alimenta não se pode abstrair da forma como se adapta à terra, sobrevivendo primeiro, vivendo depois e transmitindo essa capacidade de adaptação através de gerações. E essa é a mais ancestral definição de cultura.

Voltei com a sensação que talvez nos falte, em Portugal, uma reconexão com estes aspetos socioculturais da Dieta Mediterrânica, e que os seus efeitos para a saúde também dependam destes fatores cada vez mais raros no nosso atarefado quotidiano.

Rui Valdiviesso, Nutricionista e Professor Auxiliar Convidado, IUCS-CESPU.