"Sempre fui a mulher que sou", diz a indiana Trinetra Haldar Gummaraju, de 25 anos, médica cirurgiã, ativista transgénero e estrela do Instagram. Poucos a viam da maneira que ela desejava. Pelo contrário, desde os quatro anos de idade, era ridicularizada e envergonhada cada vez que tentava colocar os sáris ou saltos da mãe, ou fazia qualquer coisa considerada feminina.
"Os meus pais viam-me como um homem deficiente", explica Gummaraju, hoje médica do KMC Manipal, um dos principais hospitais universitários do país.
Os meninos mais velhos provocavam-na, os professores humilhavam-na e um psicólogo aconselhou a sua família a expô-la a "influências mais masculinas".
Ninguém considerou a possibilidade de ela ser transgénero, nem mesmo ela.
"Não me permitia a questionar minha identidade de género porque neste país existe uma imagem muito negativa das pessoas trans. Elas são vistas como sinistras, abusivas, perigosas", reconhece.
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Embora a grande maioria dos indianos orem aos deuses hindus, que frequentemente mudam da forma masculina para a feminina, a comunidade transgénero é marginalizada da sociedade, com muitos dos seus membros forçados a mendigar ou a envolver-se no mundo obscuro do trabalho sexual.
Quando Gummaraju era adolescente, odiava-se a tal ponto que se automutilava. A esperança chegou com a sua admissão na faculdade de medicina, uma conquista que inspirou respeito entre aqueles que a rejeitaram.
Lá, encontrou uma comunidade mais compreensiva, incluindo um terapeuta que sugeriu fazer experiências com a sua expressão de género. E foi aí que apareceu o Instagram, "um espaço online onde eu poderia ser eu mesma".
Hoje, ela tem cerca de 258.000 seguidores, mas as suas primeiras publicações não foram bem recebidas pelos professores e colegas conservadores.
Persistiu e acabou revelando-se transgénero para a família, que a apoiou, e depois para centenas de pessoas no Facebook.
A transição começou com o seu novo nome Trinetra - em homenagem a uma deusa hindu -, uma terapia de reposição hormonal em 2018 e uma cirurgia em fevereiro de 2019.
Foi um momento de euforia, lembra, embora depois tenha passado um mês de cama por causa da recuperação. "Ver o seu corpo a mudar de forma é como uma cortina a subir", explica. "Pude reconhecer-me no espelho", acrescenta.
Efeitos secundários
Alguns efeitos secundários foram inesperados e problemáticos. "Foi difícil constatar que uma das coisas que me fez perceber que agora eu era uma mulher foi receber assobios e ser assediada", destaca.
Também enfrentou ameaças de violação quando publicou autorretratos online, algo pelo qual as mulheres cisgénero, aquelas cuja identidade de género corresponde ao seu sexo de nascimento, podem ter empatia. "Vivi muitas coisas em comum com as mulheres cisgénero", afirma.
Mas o crescente debate sobre os direitos dos transgéneros ameaça tornar a existência do seu coletivo ainda mais precária, com as feministas cisgénero a pedir que elas sejam removidas dos espaços exclusivos para mulheres, lamenta Trinetra.
Um segurança do hospital onde Trinetra agora trabalha chegou a forçá-la a deixar a casa de banho das mulheres em 2017. "Algumas mulheres parecem não entender que não somos homens cisgéneros. Não somos nós que representamos uma ameaça para elas", argumenta. "Os discursos alarmistas têm que acabar", completa.
Apesar dos muitos desafios enfrentados pela comunidade, ela espera que o seu perfil em ascensão ajude os jovens transgéneros a perceber que "a vida simplesmente fica melhor".
"Como médicos, sabemos que os humanos são resistentes por padrão. Tenha fé na sua capacidade de se curar", resume.
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