É sabido que muitas crianças com PEA têm problemas de sono. Por que razão?

Andreia Leitão (AL) – As perturbações de sono associadas a perturbações do espectro do autismo são o resultado da interação complexa entre fatores biológicos, sociais/emocionais, ambientais e familiares, sendo, portanto, multifactoriais.

Destaco um importante fator que é evocado em múltiplos estudos internacionais – a secreção de melatonina, que é uma hormona com propriedades hipnótica e cronobiológica. As crianças com PEA revelam níveis mais baixos desta hormona no período noturno, o que estará na origem das suas alterações do ciclo sono-vigília/ritmo circadiário.

Quando é que se pode considerar que estas crianças têm problemas de sono?

AL – Considera-se que existe uma perturbação de sono quando há uma disrupção na normal arquitetura de sono que, por seu turno, causa um impacto no funcionamento do dia-a-dia. Muitas das crianças e adolescentes com perturbação de espectro do autismo (40 a 80 por cento) têm o sono alterado na qualidade e/ou duração, pela dificuldade em adormecer e/ou em manter-se a dormir. Estas dificuldades ampliam algumas das características das perturbações do espectro do autismo, como os comportamentos repetitivos e estereotipados que, por sua vez, criam um círculo vicioso, agravando o padrão de sono.

Considera que os pediatras, médicos de família, e, consequentemente, os pais estão despertos e sensibilizados para os problemas do sono nestas crianças?

AL – É uma avenida que tem que ser percorrida mais precocemente, com maior atitude de rastreio e vigilância. É necessário explorar o padrão de sono da criança, questionando em consultas de vigilância da saúde infantil e juvenil.

A que fatores devem estar atentos?

AL – Quando o ciclo de sono/vigília revela alterações relativamente ao padrão normativo – início do sono, manutenção do sono e/ou despertar. Há dificuldade em adormecer, em manter o sono, com despertares frequentes, causando um impacto que se estende à dinâmica familiar.

Como é feito o diagnóstico?

AL – O diagnóstico é clínico, sendo para tal importante elaborar uma história clínica completa e rigorosa, bem como um exame físico objetivo. Para excluir causas orgânicas poder-se-á pedir exames complementares de diagnóstico. Uma ferramenta muito útil na caracterização das perturbações de sono é a polissonografia. É um exame não invasivo, que regista vários parâmetros durante o sono – cardíacos, respiratórios, cerebrais. Outro exemplo é a actigrafia – exame não-invasivo, que usa dispositivo semelhante a relógio e que permite captar parâmetros do ritmo circadiário.

Quando é que a criança deve ser seguida por um especialista?

AL – As perturbações de sono devem ter sempre um acompanhamento especializado.

Quais são as especialidades médicas mais indicadas para estas situações?

AL – Especialidades médicas, como sejam a Pediatria de Neurodesenvolvimento, a Neuropediatria, mas não só as especialidades médicas. A Psicologia Clínica é fundamental.

Como é feito o tratamento? São tratamentos farmacológicos ou não farmacológicos?

AL – A orientação é stepwise e deve incluir em primeiro lugar medidas não farmacológicas, como higiene de sono e medidas comportamentais. Deverá ainda avaliar-se a necessidade de medicação se as medidas não farmacológicas não forem eficazes. Devo sublinhar que as medidas não farmacológicas devem ser implementadas sistematicamente.

São tratamentos eficazes?

AL – A melatonina é uma hormona facilitadora do sono pelas suas propriedades hipnótica e cronobiológica. A melatonina exógena, de libertação imediata, tem sido usada nas perturbações de sono associadas a perturbações de espectro do autismo. Saliento que há várias formas de melatonina no mercado, sem regulamentação, classificadas como suplementos alimentares e a sua composição pode variar.

Há uma enorme necessidade de um fármaco com bom perfil de segurança e eficácia para as perturbações de sono associadas a perturbações do espectro do autismo. Uma melatonina de libertação prolongada poderia ser útil na indução de sono e na manutenção do mesmo.