Mais de um ano passado desde a decisão do Governo de encerrar as escolas e colocar mais de um milhão de alunos em ensino à distância, o CNE apresenta um estudo sobre a primeira vaga de covid-19, com base num inquérito a milhares de diretores e professores com funções de coordenação.
Para a presidente do CNE, Maria Emília Brederode Santos, a apresentação do estudo em 2021 - “depois de uma segunda vaga bem mais grave do que a primeira e, sobretudo, depois de todas as adaptações e readaptações do sistema educativo” - continua a fazer sentido porque o documento capta um “momento irrepetível”, em que é feito “um verdadeiro teste à resiliência do sistema”.
Sem preparação possível, as escolas tiveram apenas um fim-de-semana para se adaptar ao novo modelo de ensino. Através de um questionário realizado em julho do ano passado, os diretores e professores reconhecem que eram poucos os estabelecimentos que estavam preparados para a mudança.
“A implementação do ensino remoto de emergência foi dificultada pelo número insuficiente de dispositivos digitais e de uma ligação à Internet de qualidade”, lê-se no documento “Educação em Tempo de Pandemia: problemas, respostas e desafios das escolas”.
A maioria das escolas (92%) “não dispunha de equipamentos em número suficiente, nem de ligação de Internet” com qualidade para avançar para um ensino remoto.
Em 80% das escolas foi identificada "a falta de dispositivos por parte dos alunos e famílias" e isso "afetou o trabalho”, acrescenta o estudo hoje divulgado.
O relatório confirma que foram as escolas com populações mais desfavorecidas aquelas com mais dificuldades em lidar com esta nova realidade: Onde havia “baixos níveis de competências digitais de alunos/famílias e dos professores tiveram 30% dos alunos sem equipamento digital” e mais de 5% dos alunos não participaram em nenhuma das atividades escolares durante o período de ensino remoto de emergência.
O CNE alerta para é preciso “um esforço deliberado de discriminação positiva das escolas de meios mais desfavorecidos”, caso contrário “continuarão a ser também as mais desfavorecidas, não só não compensando e aproximando, mas podendo mesmo agravar situações de desigualdade entre alunos”.
O encerramento dos estabelecimentos de ensino e recurso ao ensino remoto de emergência, veio agravar as desigualdades entre os alunos, segundo a perceção de mais de 60% dos inquiridos, que alertaram também para o risco de abandono escolar.
A opinião dos professores sobre o perigo de aumento das desigualdades sociais e abandono escolar variou consoante a região do país.
No que toca ao aumento de desigualdades sociais destacam-se pela negativa o Alentejo Litoral, Alto Tâmega e a Região Autónoma dos Açores, nas quais 85%, 79% e 76% dos docentes consideraram que o encerramento das escolas tinha um forte efeito no aumento das desigualdades sociais.
Seguiram-se as regiões do Baixo Alentejo, no Tâmega e Sousa, no Oeste e na Região de Leiria com a maioria dos docentes (cerca de 60%) a considerarem as desigualdades sociais “Grave” ou “Muito grave”.
O aumento de risco de abandono escolar foi apontado por cerca de 55% dos docentes de todo o país, mas na Área Metropolitana de Lisboa, na Beira Baixa e da Região Autónoma dos Açores, registou-se uma maior preocupação com este fenómeno.
Para prevenir o abandono escolar, as escolas tomaram medidas como manter contactos telefónicos com as famílias, com a CPCJ e outras autoridades, mas também visitar os alunos ou fornecer equipamentos.
Neste modelo de ensino através de um ecrã, os professores apontaram a socialização e o apoio sócio-emocional da escola como a “dimensão insubstituível do ensino presencial”.
Mais de 80% dos diretores e professores consideraram “Grave” ou “Muito grave” a falta de socialização das crianças e jovens e quase metade alertou para a ineficácia das medidas de ensino a distância para promover as aprendizagens.
Os docentes destacaram, ainda, o aumento das dificuldades de aprendizagem (72%) e alguns apontaram implicações na saúde física, mental e emocional dos alunos, bem como sinais de violência doméstica, negligência e ‘bullying’.
Para combater estes fenómenos, os professores defenderam o reforço da atividade dos serviços de psicologia e orientação e mais acompanhamento dos alunos por parte dos técnicos de serviço social ou outros técnicos especializados.
Os professores dividiram-se quando ao efeito do ensino a distância nas aprendizagens: quase metade (48%) considera que comprometeu as aprendizagens, mas garantem que a maioria dos alunos conseguiu cumprir com regularidade as tarefas.
Já quando questionados sobre as facilidades e dificuldades de aprendizagem, 72% dos docentes unem-se reconhecendo que aumentaram as dificuldades, em especial no 1.º ciclo.
Reconhecendo que não foi fácil dar aulas através de um computador, quase metade dos professores admitiram que tiveram de reduzir no programa previsto, 7% optaram por não dar matéria nova enquanto 11% arriscaram e avançaram, mas sem avaliar as matérias novas.
Os docentes indicaram que o #EstudoEmCasa foi um recurso relevante ou muito relevante (76%) para atenuar as desigualdades de acesso ao ensino e à aprendizagem.
Neste “teste à resiliência do sistema”, o CNE nota que “nem todos os alunos foram contactados com a mesma rapidez”, nem todas as escolas conseguiram envolver todos os alunos nas atividades propostas.
“O recurso ao ensino a distância requer, obviamente, uma infraestrutura que neste momento é ainda insatisfatória e desigual. A distribuição de dispositivos já iniciada poderá colmatar parte do problema. Mas é urgente o reforço das redes de conectividade, quer a nível territorial, quer sobretudo entre as escolas de um mesmo agrupamento”, alerta o CNE no documento hoje divulgado.
Para o órgão consultivo do Ministério da Educação, o apoio tecnológico nas escolas é manifestamente insuficiente e “dependente, em muitos casos, da disponibilidade e boa vontade do professor de Informática”.
Por isso, defende que é preciso contratar técnicos, eventualmente em colaboração com as autarquias.
Apesar das dificuldades identificadas, em especial na falta de formação para dar aulas remotamente, o CNE sublinha que “a vontade manifestada por diretores e professores do reforço dessa formação é um bom sinal que não pode ser perdido”.
A formação deve chegar também a alunos e famílias, já que “as competências de literacia mediática mostraram-se por vezes quase criminosamente insuficientes”, alerta a CNE dando como exemplo casos de “infrações à privacidade e segurança, falta de conhecimentos sobre o funcionamento dos media e sua fiabilidade, falta de pensamento crítico e de sentido da responsabilidade”.
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