Os portugueses consomem, em média, o dobro da quantidade de sal recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O consumo excessivo de sódio está associado a várias doenças, como a hipertensão, que afeta mais de um terço da população nacional.
Segundo a Sociedade Portuguesa de Hipertensão, os doentes hipertensos têm um maior risco de morte ou desenvolvimento de determinadas doenças como a insuficiência cardíaca, acidentes vasculares cerebrais (AVC), enfarte do miocárdio, insuficiência renal ou perda gradual da visão. Falámos com a professora Conceição Calhau, nutricionista e docente da NOVA Medical School.
Qual é afinal a quantidade de sal que podemos ingerir diariamente sem riscos?
A Organização Mundial da Saúde recomenda o consumo máximo diário de 5 gramas de sal para um adulto e de até 3 gramas diárias para as crianças. No entanto, de acordo com o estudo PHYSA - Portuguese Hypertension and Salt Study, o consumo de sal na população portuguesa é de 10,7g, ou seja, o dobro do consumo máximo recomendado pela OMS. Em Portugal consumimos 30 toneladas de sal a mais por dia.
Como é que os portugueses consomem tanto sal?
O sal adicionado no momento de confeção dos alimentos contribui em 29,2% para esta prática, o pão e as tostas, 18,5%, a sopa, 8,2% e os produtos de charcutaria e carnes processadas têm um contributo de 6,9%. O pão, os produtos de charcutaria e a sopa contribuem para que cerca de 7,8 milhões de portugueses apresentem ingestão elevada de sódio.
Um consumo médio diário de sal inferior a 5 gramas reduz em 23% a morte por AVC e em 17% a doença cardiovascular
O que tem sido feito para inverter esta situação?
A Direção-geral da Saúde lançou ferramentas como o descodificador de rótulos, que ajuda a interpretar e usar a informação nutricional (em particular os teores de sal) nas escolhas dos produtos alimentares e manuais sobre a utilização das ervas aromáticas. Ao nível político, a aprovação da lei dos teores de sal no pão (Lei 75 de 2009), que obriga a que o pão tenha no máximo 1,4 g de sal por 100 g de pão, deve ter sido a medida que mais contribuiu para a descida do valor de consumo de sal de mais de 12 g/dia para 10,7 g/dia.
Mas há outras iniciativas, como aplicação de uma taxa sobre produtos com elevado conteúdo de sal - uma das propostas para o orçamento de estado de 2018 e que foi chumbada na assembleia da república em novembro de 2017; ou p protocolo de compromisso entre a DGS e indústria da panificação para reduzir os teores de sal no pão, de 1,4 para 1,0/100 g de pão até 2021.
Mas por que motivo o sal em excesso é tão perigoso?
O consumo elevado de sal aumenta o risco de Hipertensão Arterial, um dos principais fatores modificáveis que condicionam o excesso de mortalidade por AVC. O estudo Global Burden of Disease (GBD) realizado em 2016 revela que os hábitos alimentares inadequados dos portugueses são o segundo fator de risco que mais contribuiu para a mortalidade precoce.
Um consumo médio diário de sal inferior a 5 gramas reduz em 23% a morte por AVC e em 17% a doença cardiovascular.
A hipertensão é uma doença comum em Portugal?
Em Portugal existem 2 milhões de hipertensos, segundo o estudo PHYSA - Portuguese Hypertension and Salt Study, estimando-se que a prevalência de hipertensão arterial na população adulta portuguesa seja de 42,1%, sendo que apenas 50% destas pessoas sabem que sofrem da doença, 25% estão medicadas e só 11% têm a tensão arterial controlada.
No mundo, morrem anualmente 3 milhões de pessoas na sequência de doenças cardiovasculares provocadas pelo excesso de consumo de sal.
Para reduzir o consumo de sal existem alternativas saudáveis do ponto de vista de preparação dos alimentos, tais como a utilização de ervas aromáticas, nutricionalmente ricas em agentes antioxidantes e anti-inflamatórios
Como se manifesta a hipertensão?
Nos primeiros anos, a hipertensão arterial não provoca quaisquer sintomas ou sinais de doença. Com o decorrer dos anos, a pressão arterial acaba por lesar os vasos sanguíneos e os principais órgãos do organismo, como o cérebro, o coração e rins, provocando sinais e sintomas como dores de cabeça, tonturas, zumbidos e aumento da frequência cardíaca.
Que outras doenças pode provocar?
As principais doenças associadas à hipertensão arterial são o AVC, a angina de peito, o enfarte do miocárdio, a aterosclerose, a insuficiência cardíaca e a insuficiência renal. No entanto, a hipertensão é o fator de risco cardiovascular modificável mais frequente, razão pela qual o seu tratamento é essencial na prevenção destas doenças.
Como se pode prevenir?
O consumo elevado de sal aumenta o risco de hipertensão arterial, logo a redução da ingestão deste produto terá impactos positivos neste indicador. E para reduzir o consumo de sal existem alternativas saudáveis do ponto de vista de preparação dos alimentos, tais como a utilização de ervas aromáticas, nutricionalmente ricas em agentes antioxidantes e anti-inflamatórios.
Acaba de lançar um novo estudo em Portugal que pretende, precisamente, estudar o consumo de sal no país. Que estudo é?
É uma investigação é inédita em Portugal, uma vez que é a primeira vez que vai ser levada a cabo uma avaliação e medição rigorosas à população sobre o consumo de sal e suas consequências diretas na saúde, através de um estudo de intervenção onde serão também demonstrados os benefícios imediatos de uma mudança de hábitos alimentares na população.
O estudo será coordenado por mim e Jorge Polónia, médico e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Vamos recrutar participantes entre os 20 e os 70 anos da área metropolitana de Lisboa que, durante três meses, entre março e maio, vão integrar um programa de educação alimentar para reduzir o consumo do sal. O estudo tem como objetivo avaliar o impacto destas alterações alimentares na saúde dos participantes e consequentemente na saúde dos portugueses.
Este estudo faz parte do programa "Menos Sal Portugal", criado em parceria pela rede CUF e pelo Pingo Doce, com o objetivo de sensibilizar a população portuguesa para a redução do consumo do sal uma vez que a OMS estabeleceu como meta a redução em 30% da ingestão de sal até 2025.
A equipa de investigadores vai recrutar 500 voluntários entre os 20 e os 70 anos da área metropolitana de Lisboa. Os voluntários serão acompanhados por uma equipa de nutricionistas, quer em consulta, nas Unidades CUF, quer no decorrer das compras a realizar nas lojas Pingo Doce. Todos os interessados deverão enviar email para estudosaude2019@gmail.com.
Quando esperam apresentar conclusões?
O estudo deverá decorrer entre março e maio. Findo esse período teremos de fazer uma análise compreensiva dos resultados pelo que é expectável termos as conclusões durante o mês de setembro.
Quais são as conclusões a que esperam chegar?
É nosso objetivo demonstrar que a reeducação alimentar, através da redução do consumo de sal, tem impactos positivos efetivos na saúde dos participantes porque a hipertensão é o fator de risco cardiovascular modificável mais frequente, razão pela qual o seu tratamento e a adoção de comportamentos preventivos é essencial na prevenção de várias doenças. Pretende-se no final do estudo, que a excreção urinária de sódio traduza um menor consumo de sal, comparativamente ao momento inicial, sobretudo nas situações acima dos 5 g/dia.
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