“Está na altura de se pensar numa profunda reforma da OMS [Organização Mundial da Saúde]”, defendeu o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, durante uma conferência ‘online’ sobre os “Impactos e Desafios às Dinâmicas na Diplomacia Global”.
Na iniciativa, promovida pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) e pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), o especialista em saúde pública considerou “indiscutível” a importância da OMS, adiantando que a pandemia de covid-19 revelou que “não estava preparada”.
A OMS “não deve estar exposta à contenda e pressão política, ao jogo dos países, e sim reforçar-se para ser uma organização global que acautele a vertente de saúde e não só a económica”, afirmou Adalberto Campos Fernandes.
E acrescentou: “A última coisa que eu queria é que, no fim desta pandemia, a OMS se acantonasse numa espécie de inércia, como outras organizações das Nações Unidas que se transformaram quase em agências irrelevantes. Isso não é possível num mundo sujeito a riscos brutais”.
Também o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Francisco Ribeiro Telles, disse que a OMS tem nesta pandemia “oportunidade para ganhar um novo protagonismo”.
E defendeu: “A OMS tem de estar muito mais bem aparelhada do que hoje em dia em situações como a atual pandemia”.
O diplomata acredita que a OMS “será o que os Estados quiserem que seja, tal como a CPLP”, defendendo “um esforço para adequar métodos”.
“A questão que se colocou de um certo distanciamento de alguns países, como os Estados Unidos, poderá colocar-se. Nesta matéria, os países africanos e da CPLP poderão ter uma palavra a dizer”, acrescentou Ribeiro Telles.
O responsável da CPLP sublinhou o adiamento de eventos da organização a que a pandemia obrigou, a começar pela cimeira prevista para este ano e que se deveria traduzir na transferência da presidência, atualmente de Cabo Verde, para Angola.
“Estamos numa fase de reprogramar reuniões e de dotar a própria CPLP de plataformas tecnológicas de que não dispúnhamos”, adiantou.
Apesar de reconhecer que o continente africano tem atualmente uma taxa de infeção inferior, questionou-se sobre as razões destes valores e afirmou que “certo é que será sobretudo no domínio económico que os efeitos da pandemia em África serão mais devastadores”.
Advogou, por isso, “uma ajuda internacional mais ajustada, focada no alívio da dívida e a criação de linhas de crédito mais baratas, com vista à recuperação da economia”.
A embaixadora de Portugal no Egito, Manuela Franco, reconheceu a extrema dificuldade dos países em estarem preparados para uma situação como a que se vive.
“É realmente difícil, sobretudo para países democráticos que transferem uma grande quantidade de recursos para assegurar a qualidade da vida dos cidadãos, porem dinheiro de lado para eventuais situações não prementes”, frisou.
E sublinhou o papel “nem sempre pacífico, mas importante nesta crise, da OMS”.
“Claro que era necessária uma organização internacional para pôr em comum as práticas para tratar as questões de saúde globais, como já foi a tuberculose, a cólera ou mais tarde a sida”, declarou.
Para Manuela Franco, “as organizações são o espelho dos seus membros”.
Desde o início da pandemia, cerca de cem turistas portugueses foram repatriados do Egito pelas autoridades portuguesas.
O presidente da APAH, Alexandre Lourenço, chamou a atenção para “dimensão” da área a que atende a OMS.
Os refugiados, o Ébola e tantas outras emergências demonstram a gigantesca esfera de atuação da OMS, apontou.
“A luta pelo multilateralismo não é de hoje. É antiga. Tem tido é várias frentes e agora é a saúde e a OMS que estão na berlinda, mas no passado outras organizações em outras áreas também estiveram”, recordou, por seu lado, o presidente do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua.
Para Luís Faro Ramos, “a única coisa que é estrutural é o cinismo e o cinismo não vai acabar”.
Para o diplomata, é preciso ser realista e ambicioso e olhar para as “várias ilhas de possibilidades de colaboração multilateral”, como a União europeia e a CPLP.
“Pode ser que esta crise obrigue a uma concertação maior e a que todos os países da CPLP assumam as suas responsabilidades”, notou.
Também Filomeno Fortes, diretor do IHMT, vê no momento atual uma oportunidade de “reflexão” e de “trabalho conjunto”.
“É o momento de os políticos começarem a acreditar mais nos cientistas e a trabalharem mais com os cientistas. Tem havido um subaproveitamento dos nossos cientistas. A partilha de informação dos nossos políticos com a nossa academia não tem sido aberta”, concluiu.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 454 mil mortos e infetou mais de 8,5 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
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