Em declarações à Lusa, a propósito do Dia Mundial contra o Cancro, que se assinala na sexta-feira, o oncologista Vítor Veloso disse que “os resultados vão ser dramáticos, na medida em que grande parte desses doentes já não são curáveis, vão ter uma sobrevivência muito curta e com má qualidade de vida”.

“Os tratamento serão mais violentos, vão onerar o Estado, vai englobar maior número de profissionais de saúde e os resultados serão pouco adequados, porque o que queremos são curas, sobrevivências longas e com grande qualidade de vida, e isso não vai acontecer tão cedo”, afirmou.

Vítor Veloso disse estar “esperançado” que os responsáveis “olhem para os doentes oncológicos e vejam que estes indivíduos foram mal tratados, ignorados e que é preciso lançar mãos à obra para dar-lhes o que têm direito e que constitucionalmente está consagrado”.

Citando dados do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o presidente do Núcleo Norte da Liga Portuguesa contra o Cancro referiu que “mais de 13 milhões de contactos presenciais não foram realizados a nível dos cuidados primários entre março de 2020 a novembro de 2021”.

“Houve 500 mil cirurgias canceladas nos hospitais, 3,8 milhões de episódios de urgência nos hospitais que não aconteceram, houve um 1,2 milhões de internamentos que não foram realizados. Tudo por causa da pandemia” de covid-19, sublinhou.

Lembrou que, “ao contrário das doenças crónicas, também altamente penalizadas, o cancro não pode esperar, o cancro tem um timing e se esse timing não for cumprido isso representa uma situação que vai de uma cura à morte”.

“E esses timings não foram de maneira nenhuma respeitados, os doentes foram praticamente ignorados. Os nossos cuidados primários foram todos desviados para a pandemia, praticamente não houve possibilidade de os doentes terem acesso pessoal ao seu médico de família e pedir os exames necessários para o diagnóstico e, por consequência, eles foram prejudicados”.

Inclusivamente, sustentou, “os rastreios de base populacional estiveram parados durante quase seis meses, por causa da pandemia, o que efetivamente nos fez retroceder terrivelmente”.

“Eu posso dizer, por exemplo, que o Norte, graças ao rastreio do cancro da mama, apresentava em 2018/19 um diminuição de mortalidade de 20% a 25%, neste tipo de cancro, com certeza que essa situação neste momento não é verdadeira”, lamentou, referindo que será necessário trabalhar “dois ou três anos para recuperar” os resultados.

Nas declarações que prestou à Lusa, Vítor Veloso criticou também o que se está a passar em relação aos atestados médicos de incapacidade multiúsos, afirmando que “há doentes que há dois anos” pedem o documento “por terem cancro e não conseguem, porque efetivamente as juntas não funcionam”.

“Esses atestados podiam ser passados pelos próprios hospitais que são a fonte onde essas juntas, que não tem interesse nenhum, são juntas administrativas, vão buscar o diagnóstico”, defendeu.

Segundo o responsável, “os doentes estão a ser prejudicados nos benefícios que deveriam ter e não tem, não só benefícios de ordem social e económica, mas também de ordem fiscal”.

“Esta situação tarda a ser resolvida, penso que é tempo de se debruçarem um pouco sobre esta situação”, frisou.

No âmbito do Dia Mundial do Cancro (04 de fevereiro), a Liga Portuguesa Contra o Cancro – Núcleo Regional do Norte apela à importância da igualdade no acesso aos cuidados de saúde.

"Por cuidados mais justos" é o tema da nova campanha de três anos para assinalar “um dos mais importantes dias de consciencialização da saúde no ano” liderado pela União Internacional para o Controle do Cancro (UICC), que tem como foco a promoção da equidade na prestação de cuidados de saúde para todas as populações.

Segundo Vítor Veloso, “há um esquecimento total dos doentes oncológicos que continuam ‘encostados’ à espera que a pandemia termine”.

Segundo o médico, muitas medidas deveriam ter sido tomadas durante estes anos para que estas desigualdades não acontecessem – planos devidamente estruturados nos diversos setores que salvaguardassem as desigualdades e permitissem que a acessibilidade e a equidade em relação a todos os trâmites da doença oncológica acontecessem.

A Liga Portuguesa Contra o Cancro – Núcleo Regional do Norte assinala o Dia Mundial contra o Cancro na sexta-feira com a inauguração da nova lona na fachada do edifício da sede NRN – Areosa, com a entrega de 14 bolsas de investigação a jovens investigadores no valor de 168 mil euros, com o lançamento de um balão de ar quente, e com a Cerimónia das Luminárias, que visa homenagear os sobreviventes do cancro e os que lutam pela sobrevivência.