Muitas profissões e actividades laborais são ou dizem-se constante e invariavelmente perseguidas pelo tema e problema do tempo.

Os médicos, em geral e os dos cuidados primários em particular, não excepção, nem regra.

Mas a disponibilidade para lidar e de algum modo partilhar os sentimentos, as dores e os sofrimentos dos outros, dos seus doentes, excedem mesmo por regra e sem excepção os limites temporais habitualmente consagrados para cada consulta.

Especialmente quando falamos no SNS ou em sistemas, ainda que privados, imitadores de uma prática gestionária similar do tempo de consulta.

No entanto, os tempos de que falamos – de consulta – sempre foram uma questão em aberto.

No século passado e neste agora igualmente…

Os próprios utentes ou doentes não compreendem como o horário dos agendamentos de consulta se vai atrasando ao longo de uma manhã ou de uma tarde de prática clínica quotidiana.

O SNS em particular é, neste aspecto, extremamente curioso e “pedagógico”.

Primeiro pela gratuitidade que lhe foi conferido. As pessoas acabam por nem recordar nem valorizar os serviços prestados, perdendo o sentido de reconhecimento pela estrutura utilizada, pelos servidores que a sustentam e pelo produto fornecido.

Depois porque o poder político tem óbvia dificuldade em recrutar e manter técnicos de saúde no e para o SNS.

Mas este mesmo poder político precisaria de saber explicar ao país e aos eleitores como os seus impostos são usados, geridos e desperdiçados. E não seria só para justificar o facto de a promessa de dotar cada cidadão de um médico de família permanecer por cumprir! Seria também para alguém poder e dever ser responsabilizado pelo atentado à Reforma dos Cuidados Primários de Saúde e ao modelo essencial – a USF, Unidade de Saúde Familiar.

Na verdade, a única e grande revolução testada, avaliada e validada no SNS vai sendo adulterada, mimetizada e engolida pela voragem hospitalocêntrica do país e das tutelas!

O plano de gestão do SNS encaminha-se perigosamente para um quadro de medidas e indicadores que, visam o crescimento dos números de atendimentos, consultas, exames ou cirurgias efectuadas, sem avaliação dos resultados correspondentes e menos ainda, em apostas nos contactos directos dos doentes com os seus médicos.

O cumprimento dos planos de vacinação, a motivação para programas de vigilância e rastreio de doenças oncológicas e outras, nunca foram vistos como um investimento susceptível de desobrigar os hospitais de actos isolados e muito mais dispendiosos em tempo diferido.

Serviços de linhas telefónicas têm um papel e função a desempenhar. Mas apenas orientam os percursos em busca do atendimento. Será este modelo organizativo capaz de resolver o quadro doloroso e complexo de quem procura assistência não programada de cuidados?

A medicina geral e familiar, em outros locais e sistemas designados de clínica geral, valoriza a linha do médico personalizado.

Se um dia viermos a dispor de mais médicos de família e/ou de listas menores em número de utentes inscritos, não nos depararemos como o “milagre” de ter um SNS mais eficiente, mais económico e mais bem valorizado pelos Portugueses?

E os hospitais a poderem desenvolver e gerir programas específicos em modelo do tipo clínicas de dia para doenças crónicas, em articulação com aquela rede de médicos de Cuidados Primários?

E por essa via retirar doentes e patologias específicas e de elevado impacto em Saúde Pública das urgências gerais e de clínicos menos experientes e conhecedores?

Vai sendo tempo de aos Cuidados Primários dar tempo e de compreender e valorizar o que o tempo em tempo de Reforma nos ensinou!