Depondo perante o tribunal criminal de São João Novo, no Porto, a farmacêutica confessou ter pedido a médicos que emitissem receitas ("transcrevessem receitas", nas suas palavras) que não correspondiam a uma real prescrição e sem decorrerem de quaisquer consultas.
Fê-lo, argumentou, sobretudo porque o SNS lhe tinha devolvido "30.000 e 40.000 euros" de receitas, parte delas por ter trocado medicamentos prescritos por outros com o mesmo princípio ativo.
Em troca, contou, pagava aos médicos uma percentagem.
"Estou muito arrependida. Nunca foi minha intenção prejudicar o SNS. Se fosse hoje, fechava a porta e não fazia nada", afirmou ainda, num testemunho que se prolongou por toda a manhã.
A farmacêutica admitiu ter cedido um espaço para consultas a um dos médicos coarguidos no processo, o primeiro a "transcrever" as receitas que o SNS devolvera.
A esta sessão faltaram três dos cinco médicos arguidos, dois invocando doença e um terceiro por alegado erro de comunicação com o seu advogado.
A investigação e a acusação do processo, relacionadas com uma megaburla nas comparticipações de medicamentos, incluíram factos associados a outra farmácia do distrito de Braga - esta em Prado, concelho de Vila Verde -, uma segunda farmacêutica e um sexto médico, num processo entretanto separado e que será julgado em 13 de janeiro de 2021 no tribunal de Matosinhos.
Nos dois casos, o SNS terá sido lesado em mais de 1,3 milhões de euros, segundo cálculos do Ministério Público (MP) divulgados através da Procuradoria regional em outubro de 2016.
Aos arguidos, incluindo às farmácias enquanto arguidas coletivas nos processos, foi imputada a prática dos crimes de burla qualificada, falsificação de documento e falsidade informática, avançou então a Procuradoria do Porto.
As farmácias e as farmacêuticas foram ainda acusadas de crimes de corrupção ativa e os médicos de crimes de corrupção passiva.
Os factos decorreram desde meados de 2011 e até 2015, centrados na atividade que as arguidas farmacêuticas desenvolviam em Póvoa de Lanhoso, uma, e em Prado, a outra.
O MP considerou indiciado que, no referido período, as farmacêuticas se "conluiaram" com os médicos para obter "ganhos indevidos à custa do Serviço Nacional de Saúde".
Na tese da acusação, esses ganhos eram depois "repartidos entre todos".
De acordo com a acusação, os arguidos médicos emitiram receitas fraudulentas, por não corresponderem a qualquer real prescrição médica, utilizando para isso dados dos seus próprios pacientes ou de clientes das farmácias - mais de uma centena - que lhes eram indicados pelas arguidas farmacêuticas.
"Nessas receitas médicas, prescreviam invariavelmente medicamentos com custo de aquisição dispendioso e com elevada taxa de comparticipação do SNS [até 90%]", acrescentava a acusação.
As receitas eram depois entregues às farmacêuticas, que as apresentavam ao SNS para pagamento da comparticipação devida pelo Estado, "como se tivessem sido efetivamente aviadas a cliente da farmácia que daquele fosse beneficiário".
O MP apurou um ganho indevido, à custa do Serviço Nacional de Saúde, de 1,3 milhões de euros, no caso da farmácia da Póvoa de Lanhoso, e de 120 mil euros, no caso da de Prado.
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