
A HAP afeta os vasos que levam sangue do coração aos pulmões, causando falta de ar, cansaço e, em fases avançadas, desmaios, dor no peito e insuficiência cardíaca. O diagnóstico é difícil porque os sintomas são inespecíficos e exigem centros especializados. Existem cinco grandes grupos de HAP, com causas e tratamentos específicos. Nos casos graves, considera-se o transplante pulmonar.
Embora possa afetar qualquer faixa etária, estima-se que mais de 90% dos diagnósticos sejam em pessoas com menos de 60 anos, muitos dos doentes deixam de poder trabalhar e de manter a sua qualidade de vida.
Apesar dos avanços, a doença ainda tem alto impacto na vida dos doentes, sendo essencial apoio médico, psicológico e familiar para lidar com os desafios do dia a dia.
Pode, em breves palavras, descrever-nos a Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) e de que forma esta condição afeta o funcionamento do coração e dos pulmões?
A Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) é um denominador comum de muitas doenças, ou seja, pode ter muitas causas. É importante perceber que a HAP pode ser a causa da doença ou consequência de outras doenças, não tendo o mesmo tratamento, nem a mesma abordagem terapêutica. É frequente as pessoas serem referenciadas para a consulta de HAP porque fizeram um ecocardiograma cuja conclusão refere uma probabilidade intermédia de HAP, e não terem indicação para terapêutica especifica da HAP. Acresce que a HAP está dividida em cinco grandes grupos.
De uma forma sucinta pode indicar-nos quais são estes cinco grandes grupos?
Sim. O Grupo I – HAP propriamente dita (HAP da doença microvascular pulmonar), idiopática, ou associada a outras doenças como as doenças do tecido conjuntivo [esclerodermia, lúpus, doença mista], HIV, cirrose hepática, algumas drogas e fármacos entre outras causas. Também se enquadra neste grupo a HAP hereditária. É o grupo de excelência de tratamento com terapias especificas, não curativas, mas modificadores de prognóstico e de qualidade de vida.
Já o Grupo II – HAP associada a doenças do coração esquerdo. Estão neste grupo as pessoas com fibrilhação auricular, insuficiência cardíaca, doença valvular, miocardiopatias e hipertensão arterial. É o grupo mais frequente (80% dos casos). Implica um grande trabalho diagnóstico, para os separarmos do grupo I e não classificarmos os doentes indevidamente. A terapia nestes casos é da doença de base, não tem indicação para terapia especifica da HAP, podendo esta até ser deletéria e agravar a situação clínica. Neste caso o que ocorre é que a disfunção do coração esquerdo se transmite à circulação pulmonar.
O Grupo III – HAP associada a doenças pulmonares. Estão neste grupo situações que vão desde os doentes com enfizema ou doença pulmonar crónica obstrutiva até aos doentes com doença intersticial pulmonar. São normalmente indivíduos muito doentes, alguns sob oxigénio. Infelizmente, poucos doentes deste grupo têm indicação para terapia especifica e poucos fármacos testados deram algum resultado. Estão neste caso os doentes com doença intersticial pulmonar.
E quanto aos grupos IV e V?
O Grupo IV – HAP associado a doença tromboembólica crónica, inclui doentes que tiveram uma embolia pulmonar no passado, que ficou incompletamente resolvida, ou seja, que ficaram com “coágulos” residuais, incorporados na parede dos vasos pulmonares, que ficam engrossados e com calibre do vaso diminuído ou até mesmo ocluído. Este é o único grupo em que a doença poderá ter cura, por remoção cirúrgica desse material, quando indicado e se possível, ou através de um balão que vai dilatar o vaso, possibilitando a circulação do sangue nessa zona. Também a medicação especifica poderá ter aqui algum papel, de ajuda a uma melhor qualidade de vida.
Finalmente, o Grupo V é um grupo de miscelânea com doenças muito diferentes, desde doenças hematológicas, a doenças renais, a doenças metabólicas como a doença de Gaucher e a sarcoidose entre outras. Habitualmente, não respondem a terapêutica especifica.
Esta descrição sumária das doenças que dão HAP, centra-nos sobretudo na seleção dos doentes e na identificação daqueles que beneficiam da terapêutica, que são os doentes do grupo I e IV.
Focando-nos nestes doentes, a HAP é uma doença grave. Sem qualquer terapêutica o prognóstico é reservado. O lado direito do coração [ventrículo direito] que habitualmente trabalha para colocar o sangue num sistema de baixa pressão [circulação pulmonar] e por isso tem uma parede muscular fina, começa por se tentar adaptar, hipertrofiando-se, mas logo isso é insuficiente, ocorrendo dilatação. Em fases mais tardias, a sua função de bomba claudica e entra em falência, ejetando cada vez menos sangue na circulação pulmonar. Essa fase de falência é o que tentamos evitar com a terapêutica. Na HAP o calibre dos vasos diminui, a parede dos vasos fica espessada, diminui a oxigenação do sangue [saída de CO2 e entrada de O2]. Essa alteração dos pequenos vasos do pulmão, leva a um aumento das resistências vasculares, dificultando a circulação pulmonar. O coração do lado direito tem muita dificuldade em conseguir ejetar o sangue para os pulmões.

Quais são os primeiros sinais da doença e por que motivo estes sintomas são frequentemente confundidos com outras patologias mais comuns?
A HAP não apresenta sintomas que a possam definir com clareza. Os sintomas e sinais físicos são comuns a muitas doenças e daí a grande dificuldade do diagnóstico precoce. O cansaço e a intolerância ao esforço são os principais sintomas numa fase precoce. É perceber que não se consegue fazer o que uns meses antes se fazia sem problemas. A dispneia e a dispneia de esforço (falta de ar) são outro sintoma a ter em conta. É comum ouvirmos frases como “tentei subir ao primeiro andar, cheguei lá acima a arfar, pensei que me apagava”. No entanto, qualquer doença cardíaca também pode provocar estas queixas. Outros sintomas, em fase mais avançada, também não são característicos, como síncope [perda de conhecimento], edemas dos membros inferiores e do abdómen [inchaço], hemoptises [sangue vivo pela boca], cianose [cor arroxeada das mucosas e pele],. Contudo, em indivíduos jovens, onde surge muitas vezes a HAP do grupo I, existindo estas queixas, é mandatório fazer um ECG e um ecocardiograma com medição da pressão sistólica na artéria pulmonar.
Se existir história familiar da doença é sempre preciso pensar que podemos estar perante um portador da doença, com mutação genética.
Existem fatores de risco conhecidos que potenciam o aparecimento da doença?
Se existir história familiar da doença é sempre preciso pensar que podemos estar perante um portador da doença, com mutação genética. Depois, inquirir sobre fármacos que possam ser causa de HAP. Alguns destes fármacos tem efeito tardio e foram vendidos livremente durante anos. Estão nestes casos os anorexigenos [medicamentos para emagrecer], que muitos tomavam para fazer “diretas” e não ter sono durante a faculdade. Mas outros fármacos estão implicados, alguns utilizados na terapia de cancro.
Os doentes com cirrose hepática - alguns poderão vir a ter hipertensão pulmonar -, doentes com doença do tecido conjuntivo [esclerodermia, doença mista do tecido conjuntivo e lúpus], doentes com HIV (raro), outras doenças infeciosas como schistossomiase [frequente em África], algumas formas de cardiopatias congénitas. Para a doença tromboembólica, existem outros fatores predisponentes como SAAF (síndrome anti-fosfolipidico), coagulopatia e trombofilia, e acamamento prolongado, como em situações de pós-operatório, entre outros.
Há grupos de indivíduos mais atreitos ao aparecimento desta doença rara?
A HAP é mais frequente no sexo feminino. A maioria relacionada com doenças do tecido conjuntivo, enquanto nos homens a maior causa eram as drogas/toxinas e a doença hepática. Esta maior incidência no sexo feminino dilui-se com a idade. Os indivíduos mais atreitos ao aparecimento da doença são os que tem fatores de risco associados. E talvez a HAP relacionada com a baixa crónica de oxigénio dos indivíduos que vivem em altitude, não frequente na Europa, mas uma realidade em alguns países da América do Sul. Provavelmente, alguns também terão predisposição genética, pois nem todos tem a mesma resposta à altitude.
Como evolui a HAP ao longo do tempo e que impacto tem no quotidiano dos doentes?
O prognóstico e a evolução da HAP ao longo do tempo mudou muito com a terapia. Nos anos 90, ser diagnosticado com HAP era uma condenação certa, exceto para os doentes cuja causa fosse tromboembólica e fossem submetidos a cirurgia, ainda que estes casos também fossem uma raridade. Com a introdução de fármacos, a evolução da HAP deixou de ser tão temível, mas não deixa de ser uma doença com uma mortalidade anual elevada, entre os 5 e os 20%, dependente da classe funcional do doente e do seu estado. No entanto, a evolução tem sido muito positiva, e a descoberta de novas substâncias veio dar muita esperança e otimismo no tratamento destes doentes. Quanto ao impacto no quotidiano, a doença vai condicionar a vida dos doentes. Em primeiro lugar, passa pela aceitação e o esclarecimento dos doentes, daí que apoio médico, psicológico, ao doente e à família seja importante. É preciso reconhecer a doença, aceitar a medicação, mesmo que seja a mais difícil, a que é por via endovenosa ou subcutânea. Saber conviver com a doença é fundamental, reconhecer algumas limitações que a mesma traz. A aceitação é importante, ir à luta também. A relação médico-doente não se fica pelo diagnóstico e passar uma receita. É necessário esclarecer os doentes sobre questões do quotidiano, como viagens, exercício físico, cuidados a ter antes de cirurgias necessárias, anticoncepção e vida sexual.
Habitualmente, o diagnóstico é feito com recurso a ecocardiograma com avaliação do valor da pressão sistólica da artéria pulmonar.
Que exames e critérios são utilizados para confirmar um diagnóstico de HAP e em que tipo de centros especializados este diagnóstico é habitualmente feito?
Habitualmente, o diagnóstico é feito com recurso a ecocardiograma com avaliação do valor da pressão sistólica da artéria pulmonar. Esse valor normalmente é enquadrado em probabilidade intermédia ou alta de hipertensão pulmonar. Com base numa série de aspetos do ecocardiograma podemos logo ter uma ideia se a HAP é secundária a doenças do coração esquerdo ou se nos sugere mais um outro grupo, sobretudo com conhecimento da história clínica do doente. Depois, o doente terá de ser avaliado num centro especializado, em Portugal Continental existem seis, para complementar o estudo etiológico e confirmar a HAP. Nesse estudo, o exame confirmatório da HAP será o cateterismo direito, pois avalia de forma direta as pressões pulmonares reais e as resistências vasculares pulmonares. Se a HAP for inequivocamente do Grupo II o doente não necessitará desse exame. Outros exames como angioTAC pulmonar e cintigrafia de ventilação/perfusão [para a doença tromboembólica crónica – grupo IV], exames analíticos, teste de marcha, prova cardiorrespiratória, ressonância magnética cardíaca, cateterismo direito de esforço, provas de função respiratória, um RX do tórax e um ECG poderão ser necessários.

Quais são atualmente as opções de tratamento disponíveis – medicamentos, terapias ou intervenções – e como atuam sobre a progressão da doença?
Existem, atualmente, vários fármacos com eficácia comprovada, com efeito vasodilatador pulmonar. Até há pouco tempo tínhamos fármacos em três linhas de ação terapêutica. Recentemente, surgiu um fármaco que atua numa outra via diferente, e por enquanto, ainda não está disponível em Portugal, encontrando-se em fase de negociação no INFARMED. Alguns fármacos de ação rápida têm a particularidade de serem administrados ou por via endovenosa [na veia] ou por via subcutânea [injeção na pele]. O fármaco por via endovenosa é de administração contínua, obrigando a um cateter permanente e uma bomba com a qual o doente tem de viver, e tem uma duração curta, ou seja, se a bomba avariar o doente tem de se dirigir a um centro imediatamente para lhe resolver o problema por risco de recaída. O outro, por via subcutânea, também obriga a uma bomba infusora de medicamento. Tem a particularidade de ser doloroso, dá inflamação no local de administração do fármaco. O facto de estes fármacos implicarem bombas, cateteres, agulhas, não os tornou muito populares para os doentes com HAP, mas por vezes não existe outra opção, sobretudo para os casos graves. Existem ainda os fármacos por via oral, normalmente uma combinação de vários fármacos, que pode ser uma opção, mas é uma decisão sobretudo do médico, falando, obviamente, com o doente. É necessário estabelecer o risco do doente (a gravidade em que se encontra) para avançar na escolha terapêutica. O doente é catalogado em termos de risco com base na clínica e nos exames realizados - existem múltiplas classificações (scores) de risco que se utilizam. O doente terá de ser reavaliado para ver a resposta à terapêutica após cerca de três a quatro meses e eventualmente ajustar a medicação.
Em que situações se considera o transplante pulmonar como solução e qual é a realidade dessa opção em Portugal?
O transplante pulmonar é uma terapêutica “fim de linha” para doentes que foram otimizados do ponto de vista terapêutico e continuam a ter risco intermédio-alto ou risco alto. Pode ser curativo, contudo o transplante pulmonar apresenta riscos, sobretudo nestes doentes já muito debilitados pela doença, sendo dos grupos submetidos a transplantação pulmonar o que tem mais complicações. Em 2021, em Portugal, a probabilidade de sobrevivência de um doente submetido a um transplante pulmonar situava-se nos 80–85% aos três anos. Em estudos internacionais é de 55% aos cinco anos, existindo doentes com mais de 20 anos de transplante pulmonar.
Para a HAP os números são ligeiramente inferiores. Os doentes com HAP tem, por vezes, associadas outras condições que necessitam de correção como aneurisma da artéria pulmonar. Depois existe o problema da doação insuficiente de órgãos, da medicação imunossupressora, e das infeções. No Hospital Garcia de Orta, com muitos anos como Centro de Referência de HAP, existem dois casos de transplante pulmonar, dados apresentados neste último Congresso Português de Cardiologia. Por isso a transplantação ainda é uma hipótese longínqua. Mas se os doentes persistem em risco intermédio alto ou alto após o início de terapêutica e não baixam o risco, tem de ser referenciados o mais cedo possível e não numa fase tardia da doença.
Felizmente existem uma série de fármacos em investigação, em estudos a decorrer. O papel dos ensaios clínicos é muito importante, participar neles é uma ajuda forte no avanço neste campo.
Que avanços têm sido feitos na investigação da HAP e o que pode mudar no futuro em termos de diagnóstico, tratamento e qualidade de vida?
Felizmente existem uma série de fármacos em investigação, em estudos a decorrer. O papel dos ensaios clínicos é muito importante, participar neles é uma ajuda forte no avanço neste campo, e que deve ser encorajada a todos os doentes. É importante que o diagnóstico seja precoce. É necessário sensibilizar os nossos clínicos de Medicina Geral e Familiar para considerarem esta doença, perceberem que nem todos os casos são iguais, para poderem ter melhor conhecimento da mesma e saberem acompanhar melhor estes doentes. A vida destes doentes sofre uma grande mudança, mas com a terapia apropriada e boa orientação podem ter alguma qualidade de vida, se souberem respeitar os limites. É possível fazer exercício controlado e de baixo impacto, mas primeiro terão de ser estudados, pois eventualmente, necessitam de reabilitação cardiopulmonar.
Que tipo de rede de apoio – emocional, familiar, profissional – é essencial para quem recebe este diagnóstico tão limitante e impactante?
Ter uma rede de apoio é fundamental. Quem vive com doenças raras sabe o alívio que é trocar opiniões, experiências, e histórias de vida. Para isso a internet é um grande apoio, e a Associação de HAP tem um papel fulcral, de esclarecer, de pôr as pessoas a conversar. É importante saber que não se está sozinho. Existem associações de HAP em outros países, igualmente com muita informação. A opinião dos doentes é cada vez mais importante, inclusive para os médicos. Por isso foram incluídos no último Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar. Vão existir dias menos bons, de ansiedade, raiva, medo e depressão. Por vezes o apoio psicológico terá de ser de toda a família. Também em termos profissionais, é necessária informação, através de relatório médico, sobre o que é permitido e proibido ao doente.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik
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