De acordo com os dados mais recentes do projeto CARE 2.0, uma rede de apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), 508 crianças e jovens vítimas tiveram ajuda através desta iniciativa.
A CARE 2.0 foi criada em 2016 e o projeto está previsto terminar em 2022, mas ano a pós ano o número de vítimas apoiadas cresce e depois de ter começado com 195 nesse primeiro ano, cresceu para 251 no ano seguinte e chegou às 304 em 2018.
Em 2019 a APAV ajudou 417 crianças e jovens, número que aumenta novamente em 2020 para 432 e que cresce em 2021 para 508 vítimas apoiadas.
Tudo somado, significa que no conjunto dos seis anos a CARE 2.0 chegou a 2.107 crianças e jovens, tendo também apoiado 206 pessoas que eram familiares ou amigos das vítimas, além de ter realizado um total de 28.247 atendimentos.
De acordo com a coordenadora da rede, os números demonstram “claramente” que “a violência sexual contra crianças e jovens existe e é um fenómeno transversal enquanto sociedade”, mas também que há “sem dúvida nenhuma uma sociedade mais atenta e mais intolerante a estas situações de violência”.
“E também com alguma capacidade adicional, que se calhar não tínhamos há alguns anos, de identificar as diferentes formas que a violência sexual pode assumir e essa maior capacidade de deteção acaba por ajudar a detetar as situações e a desocultar as situações, o que também leva a este maior número de pedidos de ajuda que temos vindo a receber ao longo destes anos”, apontou Carla Ferreira.
Sendo a formação uma das vertentes do programa, a responsável explicou que a mensagem que tentam passar aos adultos é de que perante a mera suspeita de um caso de violência sexual devem agir e pedir ajuda imediatamente, não mantendo a situação em segredo ou tentando fazer a sua própria investigação, uma vez que há entidades competentes para ambas as situações.
Os dados da APAV mostram que 80% das vítimas apoiadas eram do género feminino, viviam sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa (789) e Porto (576), e tinham idades entre os 08 e os 17 anos (1.387), enquanto o agressor é sobretudo do género masculino (91,6%).
Carla Ferreira apontou que a maioria dos crimes acontece em contexto intrafamiliar (51%), mas destacou que mesmo nos casos que ocorrem fora do seio familiar as situações de violência são praticadas por pessoas que a vítimas conhece, havendo apenas 7,5% de casos em que o agressor é uma pessoa desconhecida da vítima.
Dada a relação de proximidade entre vítima e agressor na maior parte dos casos denunciados, a responsável apontou que a prevenção deste tipo de crime está muito associada ao ter informação, destacando que há muitos casos que acontecem em contexto familiar que se arrastam por vários anos.
“A prevenção vem ajudar a melhor desconstruir estas situações porque é uma transmissão de informação e esta informação é poder para as pessoas. É as pessoas poderem identificar as situações como sendo abusivas e depois poderem ter aqui algumas ferramentas para poderem responder e pedir ajuda”, defendeu, acrescentando que o mesmo se passa com as crianças.
Quase 80% dos casos reportados à APAV foram depois denunciados a uma autoridade policial ou a um tribunal, mas entre as situações que não foram denunciadas há uma percentagem não quantificada de casos em que o agressor é inimputável por causa da idade, ou seja, tem menos de 16 anos.
Carla Ferreira explicou que quando o agressor tem entre 12 e 16 anos, o caso é encaminhado para o Tribunal de Família e Menores que irá aplicar um processo tutelar educativo.
“Abaixo dos 12 anos não há esta resposta judicial e o que se tenta que exista é uma intervenção ao nível das CPCJ [comissões de proteção de crianças e jovens], através de um processo de promoção e proteção, para quem pratica um ato que pode configurar uma situação de violência sexual possa ter alguma intervenção porque claramente essa pessoa também precisa de intervenção para ser reeducada para o direito e para as normas da vida em sociedade”, explicou.
A responsável adiantou que na faixa etária entre os 12 e os 16 anos, os casos denunciados dizem sobretudo respeito a contactos que acontecem online, desde partilha de imagens ou captura indevida de imagens.
Acrescentou que tem havido casos detetados pela rede e salientou que “não é por serem menores que não se pode intervir”, apesar de nestes casos não seguirem os tramites penais, garantindo que a preocupação é de que haja sempre um encaminhamento.
Estes e outros dados são apresentados hoje, no encontro “Seis anos de prevenção e apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual: o Projeto CARE”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
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