
Os dados dos últimos anos indicam que, em Portugal, os crimes sexuais contra crianças têm vindo a aumentar. “A violência sexual contra crianças e jovens é uma realidade que não podemos ignorar. Por mais que não queiramos pensar nessa possibilidade, é sobre os adultos que recai a responsabilidade de manter os mais novos seguros e protegidos. Mais do que estar apenas atentos, temos de ser capazes de lhes mostrar, consoante a sua idade e maturidade, como identificar eventuais situações de risco e como pedir ajuda o mais cedo possível”, lemos na sinopse ao livro Podes Falar Comigo – Violência Sexual Contra Crianças (edição Manuscrito).
Neste guia prático, Rute Agulhas, Psicóloga, e Jorge Neo Costa, Assistente Social, com mais de duas décadas de experiência profissional na área da violência sexual contra crianças e jovens, e membros do Grupo VITA - Grupo de acompanhamento das situações de violência sexual contra crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal, mostram-nos como criar ambientes de cuidado e proteção.
O guia organiza-se em três pilares: Conhecer esta realidade, pois só assim podemos preveni-la ou reconhecer sinais de alerta. Prevenir que aconteça, conversando com as crianças sobre o corpo e o consentimento, aproveitando os momentos do dia a dia e sempre de uma forma ajustada à sua idade e maturidade. (Re)agir em caso de uma suspeita ou revelação.
Escrevem os autores numa “Carta ao Leitor” a abrir o livro: “A violência sexual pode ser prevenida, o que requer um esforço de consciencialização e educação das comunidades, de uma forma geral, coma definição de políticas e estratégias centradas na promoção dos direitos das crianças e na sua proteção contra qualquer forma de violência. Importa sublinhar que a responsabilidade de manter as crianças seguras e protegidas é dos adultos – ou seja, de todos nós. Diríamos mesmo que este é o papel mais importante que desempenhamos ao longo da nossa vida”.
Da obra, publicamos o excerto abaixo.
Mitos e factos
Apresentamos agora alguns dos principais mitos que ainda persistem sobre a violência sexual contra crianças. Mitos que é preciso desconstruir e clarificar.
MITO
A violência sexual é muito rara.
FACTO
Os números exatos são difíceis de obter. Estima-se que uma em cada cinco raparigas e mulheres e um em cada sete rapazes e homens tenham sido vítimas de violência sexual durante a infância ou adolescência.
MITO
A violência sexual só acontece em famílias mais pobres e desestruturadas.
FACTO
A violência sexual pode acontecer em qualquer tipo de família, independentemente do seu nível socioeconómico, pois as pessoas agressoras podem ser de qualquer origem, cultura ou religião e ter qualquer tipo de ocupação profissional.
MITO
A maioria das situações de violência sexual é cometida por estranhos.
FACTO
A maioria das situações abusivas é cometida por alguém que a vítima conhece. Podem ocorrer em qualquer tipo de relacionamento, por parte de familiares próximos (por exemplo, pais, tios, avós ou outros), namorados, amigos ou outras pessoas de referência (por exemplo, professores, treinadores, explicadores, membros do clero).
MITO
Os jovens provocam e “colocam-se a jeito” quando se vestem de determinada forma ou têm comportamentos promíscuos.
FACTO
A violência sexual é um crime associado ao exercício de poder e controlo sobre a outra pessoa. Nem as roupas nem o comportamento são convites para atividades sexuais indesejadas. Forçar alguém a envolver-se numa atividade sexual não consensual é agressão sexual, independentemente da forma como a vítima se veste ou age.
MITO
As crianças mentem ou fantasiam sobre situações de violência sexual.
FACTO
As crianças raramente mentem sobre uma situação de violência sexual. Por vezes, alteram o que disseram e negam a situação abusiva que revelaram, fruto de pressões e ameaças, ou quando sentem medo de serem afastadas da sua família.
MITO
Não devemos falar com as crianças sobre violência sexual para não as assustar ou traumatizar.
FACTO
Falar com as crianças sobre violência sexual é uma forma de prevenção muito importante. Não sendo da sua responsabilidade garantir a sua proteção, é fundamental que tenham conhecimentos sobre o corpo, regras de segurança, comportamentos adequados e desadequados e que identifiquem adultos de confiança a quem possam pedir ajuda. Falar sobre prevenção de violência sexual não significa falar sobre relações sexuais nem utilizar linguagem sexual explícita.
MITO
É fácil perceber se uma criança foi abusada sexualmente.
FACTO
Existem diferentes formas de reagir a uma situação sexualmente abusiva, e algumas vítimas não apresentam quaisquer alterações de funcionamento. Outras apresentam alterações mais significativas, que podem ser físicas, emocionais ou comportamentais. Os adultos devem estar atentos a quaisquer alterações de funcionamento da criança e manter uma relação de confiança que permita que esta revele e peça ajuda.
MITO
Apenas crianças mais novas são vítimas de violência sexual.
FACTO
A violência sexual pode acontecer com bebés, crianças de todas as idades ou adolescentes. E mesmo as crianças mais velhas e os adolescentes sentem muita dificuldade em dizer “não” e em pedir ajuda, especialmente quando a pessoa agressora é alguém familiar com quem mantêm uma relação de confiança.
MITO
Algumas crianças gostam de receber atenção sexual por parte dos adultos e, por isso, a situação sexualmente abusiva não tem impacto negativo.
FACTO
A violência sexual tem um impacto negativo no normal desenvolvimento das crianças, que pode ser mais passageiro ou persistir ao longo do tempo, por vezes até à idade adulta. A alegada atenção sexual é utilizada pela pessoa agressora como uma desculpa para justificar o abuso.
MITO
Os pais são os culpados pela violência sexual dos seus filhos, pois não os souberam proteger.
FACTO
Os pais são frequentemente acusados de não protegerem os seus filhos quando estes são abusados sexualmente. Importa salientar que a culpa e a responsabilidade é sempre de quem agride.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
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