Uma equipa de investigadores de países como Estados Unidos, Espanha, México, Reino Unido e Brasil publicou um estudo na revista científica The Lancet em que descrevem uma forma grave com alta mortalidade da varíola dos macacos, também chamada de vírus monkeypox ou mpox, em pessoas com VIH ou sida em estádio avançado.

Enquanto o padrão usual da doença é caracterizado por vesículas leves que desaparecem em algumas semanas, a forma agressiva causa úlceras na pele que continuam a crescer, espalhando-se para os pulmões, olhos e intestinos, explica um dos principais autores do estudo, o médico espanhol Oriol Mitjà, do Hospital Germans Trias i Pujol, em Barcelona.

"Algumas dessas pessoas pediram sedação porque disseram que não aguentavam mais a dor. As lesões são equivalentes às de uma grande queimadura", alerta em declarações ao jornal espanhol El País.

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Casos em 110 países

Desde maio de 2022, cerca de 85.000 casos de mpox e 93 mortes foram relatados em 110 países. Muitos desses casos ocorreram em homens que fazem sexo com homens, e 38-50% daqueles diagnosticados com mpox também tinham VIH – embora a grande maioria das pessoas estivesse em tratamento para o VIH. Segundo o presente estudo, a infeção mata 15% das pessoas com VIH avançado, ou seja, Sida.

Os grupos populacionais de maior risco são homens com VIH e homens que tomam antirretrovirais para evitar infeções pelo VIH/Sida durante o sexo sem preservativo, a chamada profilaxia pré-exposição (PrEP). "A hipótese é que essas duas populações tenham práticas sexuais de maior risco, com maior número de parceiros, com menos proteção e com maior uso de drogas durante o sexo", explica Mitjà.

Esta forma da doença parece matar 15% das pessoas com VIH avançado e imunossupressão – embora possa chegar a 27% naqueles com contagens de células CD4 mais baixas (um marcador biológico que indica que o VIH enfraqueceu o sistema imunitário). As pessoas cuja contagem de CD4 caiu abaixo de 200 células/mm3 de sangue estão em risco. Isso inclui pessoas com VIH não diagnosticado, porque os sintomas da doença geralmente não aparecem até que a contagem de CD4 caia abaixo de um nível crítico.

Chloe Orkin, professora e investigadora da Queen Mary University of London e Barts Health NHS trust, comentou ao The Guardian: "O vírus parece comportar-se de maneira completamente diferente nesses indivíduos". "Normalmente, a doença afeta a área ao redor do local de entrada, mas neste caso ela é disseminada por todo o corpo e causa essas lesões cutâneas ulceradas destrutivas massivas. Também está a causar doença pulmonar. É horrível", acrescentou.

Receptores de transplantes de órgãos sólidos e pessoas com cancro no sangue também podem estar em maior risco de desenvolver esta forma grave da doença, embora nenhum caso tenha sido detetado em tais indivíduos, lê-se no estudo.

A Organização Mundial da Saúde decidiu em novembro renomear a doença para mpox, para evitar "comentários racistas e estigmatizantes", mas propôs manter o termo clássico por um ano para evitar confusão.

O estudo agora publicado analisa 382 casos de mpox em pessoas com VIH, na maioria homens, exceto 10 mulheres transexuais e 4 mulheres cisgénero. A investigação inclui 27 das 60 mortes relatadas durante o surto do ano passado.

"Muitos não foram tratados com antirretrovirais contra o VIH. Muitos são da América Latina, onde não há acesso universal a esses medicamentos. E outros nem foram diagnosticados", lamenta o médico espanhol.

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Redução sustentada

O diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, destacou já este mês a redução “sustentada” dos contágios do vírus mpox em todo o mundo. “É muito gratificante ver como, graças ao trabalho árduo dos países afetados, os casos diminuíram desde que declarei uma emergência de saúde pública internacional no passado mês de julho”, adiantou, numa reunião do Comité de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional, a 9 de fevereiro.

Mais de 85.000 casos de mpox e 92 mortes foram até agora comunicados à OMS, sendo que 90% dos casos foram detetados desde novembro de 2022 na região das Américas.

No entanto, o responsável indicou que no último mês foram registados casos em mais de 30 países, alertando para a dificuldade de os identificar em África. “A diminuição dos casos notificados mostra a eficácia das medidas de resposta a nível mundial”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, segundo a agência privada espanhola Europa Press.

Considerou contudo que acabar com o surto ainda exige um "grande esforço", assinalando que, se não se travar os contágios, pode ter de se enfrentar “um ressurgimento dos casos”.

O que é a infeção por vírus Monkeypox (VMPX)?

A infeção por vírus Monkeypox é uma doença zoonótica, o que significa que se pode transmitir de animais para humanos. Também se pode transmitir entre pessoas.

O termo “varíola dos macacos” não se refere à infeção humana mas sim à infeção nos animais. De referir que não se trata de varíola, doença humana que foi erradicada em 1980.

A infeção humana por vírus Monkeypox apresentam-se, de início súbito com o aparecimento de pelo menos um dos seguintes sinais e sintomas:

  • Exantema (lesões na pele ou mucosas)
  • Queixas ano-genitais (incluindo úlceras)
  • Febre (>38,0ºC)
  • Dores de cabeça
  • Cansaço
  • Dores musculares
  • Gânglios linfáticos aumentados, poucos dias antes da erupção de lesões que atingem pele e mucosas ou em simultâneo

As lesões na pele ou mucosas começam por ser manchas planas (máculas), depois com relevo (pápulas), tornam-se vesículas com conteúdo líquido claro ou amarelado, pústulas geralmente umbilicadas e, finalmente, formam-se úlceras e crostas que mais tarde secam e acabam por cair.

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