Por moda, capricho ou estratégia, comercial e/ou de afirmação profissional, o método Pilates tem vindo a submeter a Fisioterapia, bem como o mercado do exercício físico, mobilizando-nos da ilusão da intervenção meramente manual para a ilusão que se consigna na venda de uma metodologia que se pretende única e modelar. Veremos que nada justifica que a Fisioterapia, e que o Fitness, se faça representar por este modelo.

Vamos ater-nos à temática da raquialgia, porque é esta que mobiliza melhor questões metodológicas e epistemológicas que abarcam todo o campo das “terapias”. Uma visita superficial à literatura fornece-nos diversas revisões sistemáticas unânimes em concluir que o Pilates não é superior a outras formas de exercício 1-11 ou fisioterapia 9, 12, 13 no trato da raquialgia, sobretudo no longo prazo 1, 4, 5. Wells et al. 4 referem que o Pilates possui ganhos semelhantes ao da massagem. É, aliás, o fator “exercício” que parece extrapolar-se do Pilates, com benefícios, sobretudo, mais uma vez, no longo prazo; na revisão de Chou et al. 14, os autores referem que, apesar da importância do exercício, no curto prazo, a única terapia com boa evidência é o calor superficial. Outros autores comparam os efeitos do exercício com a terapia manual 15.

Segundo Wells et al. 16, é a variável “postura” que parece estar mais presente nas investigações que cruzam o Pilates com a “dor lombar”, e é também ela que nos convida mais à crença e ao dogma. Falha, ainda, grandemente, a literatura em compreender o papel da “postura” na lombalgia, se é que esta relação não a coloca como consequência da dor. Os velhos mitos, como a eficácia da natação e do reforço abdominal superficial, não parecem, já, interessar à investigação (e a (des)evidência em causa é manifesta), Mesmo o trabalho de “core” padece da mesma evidência do Pilates, e somente algumas revisões o dispõem acima doutras formas de exercício 17-19, no tratamento da lombalgia (mas, mais uma vez, apenas no curto prazo).

A variável “postura” poderá ter alguma importância ao nível da idiossincrasia, mas é possível que a mesma seja apagada em estudos estatísticos, que, para mais, a investigam de um modo fragmentado. É no plano do equilíbrio postural que a individualidade a coloca na relação com os fatores locais, bem como com a força. É a traição desse equilíbrio (i)racional que recruta a necessidade de mobilizar as abordagens mais localizadas. Mas estas são, igualmente, a consequência (e causa) de um placebo, o qual é recrutado, também, no plano da atividade de grupo. Ora, acontece, precisamente, que os estudos em questão, bem como grande parte dos estudos relacionados com raquialgias, não incluem o “grupo placebo”; por sua vez, os diferentes grupos em análise possuem um isomorfismo que dificulta a mensuração de quaisquer variáveis, pelo que, assim como assim, soçobra o conjunto, e é justamente esse “todo”, “placebo” incluído, que poderá ajudar a equilibrar um Sistema. O Pilates, por excelência, envolve um “conjunto” difícil de escalpelizar, as médias grupalizam as qualidades, e isso ajuda a criar estudos que dizem e desdizem consecutivamente, à vontade da heterogeneidade das amostras, como das abordagens. Ao que parece, o menor mal passa por enquadrar um equilíbrio postura – movimento – Pilates, que, partindo da individualidade, se comunica ao grupo na segurança e parcimónia. O efeito de uma moda, ou de uma coerção, poderá ser o de realimentar constantemente a desarmonia. E esta normaliza novel equilíbrio mais desvantajoso, com maior índice de “distress” psicofísico.

Há, então, que totalizar as vertentes clínicas, evitando, o mais possível fazer sobressair uma abordagem modal, que convida ao excesso, e este produz outro em catadupa, concebendo, quiçá, diversas posturas, distintas compensações, outras necessidades de abordagens locais e outros obrigatórios placebos. Neste contexto, não existe prescrição única e grupalizável, nem atividade física que possa assegurar-se como salvífica, a consciência postural é essencialmente clínica e ela deveria ser assegurada, apenas, por quem tem a necessária sensibilidade clínica. E isto estende-se à condição das raquialgias inespecíficas, para a qual convergem muitos fatores de risco cuja interação não é fácil de compreender.

Entretanto, bem vemos que, em Fisioterapia, tudo permanece por fazer, na medida em que o trabalho metodológico tem sido impróprio, insuficiente e, também ele, placebetário, o que não significa que a Fisioterapia se deva conceder à Psicoterapia, antes pelo contrário, a Fisioterapia concedida ao Pilates parece servir de perfeita panaceia, convém que os pacientes somatizem e ajudem a Fisioterapia a tanger a requerida ilusão; doutro modo, estaríamos a perpetrar o caminho de regresso à medicina prescritiva e anti-sintomática, onde, de resto, o placebo é demonizado. No outro extremo, teríamos, acaso, a perigosíssima consciencialização; quando o corpo deixa de servir de “tampão”, resta à Sociedade sofrer com (a) higienização dos costumes.

Referências bibliográficas

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