O Estado adora os meus pais. É daquelas relações antigas que envolve correspondência e todas as formas de manter a proximidade e a chama acesa. Fico com a ideia de que, se porventura se chatearem, é o Estado quem cede e vem atrás. Acredita no amor à moda antiga e não desiste, tal qual o amor deve ser. Gosta tanto deles que tentou protelar a minha saída de casa. Ora porque não aumentava os salários, ora porque não impedia a subida das rendas, ora porque fazia tudo isto simultaneamente. Neste aspecto, temo que não tenha sido sensível à história do país, porque deixou que o preço de um T0 envergonhasse o preço de um castelo.
Em pequeno, a minha mãe bem me alertou: "estuda para poderes, um dia, alugar uma casa". Estava longe de achar que seria levado à letra. A minha mãe sempre foi uma visionária e, se pensava ser devido à sua inteligência, cedo me apercebi de que as suas dioptrias a ajudaram a visionar este futuro enevoado. Na impossibilidade de arrendar um espaçoso T0 em Lisboa, fui mais um a ver-se forçado a procurar alojamento na periferia. Como tenho menos dioptrias do que a minha progenitora, apercebi-me de que não fui visionário nesta ideia, pelo que tive de aumentar o raio de procura. Quando dei por mim estava a ver casas em Braga onde, finalmente, encontrei um anúncio que (apesar de não ser barato) me pareceu atractivo:
"Aluga-se. Remodelado. Bom estado de conservação. Com garagem e jardim. Preço: 550 euros" - Anúncio colocado por Ricardo Rio.
As fotografias eram muito arcaicas, o "antes e depois" duvidoso, pelo que decidi marcar visita. Percebi que não estava diante de um T0, mas sim de um T30286. Constatei que o tempo apruma o discernimento e que o que a minha mãe tentou dizer inicialmente foi: "ou estudas ou arriscas-te a ter de alugar um estádio e gastar dinheiro em deslocações". Em boa verdade, se a relação qualidade/preço do Estádio Municipal de Braga me pareceu aliciante, nem tudo era um mar de rosas. Apesar do generoso jardim, era interdito ao cultivo. Não permitiam ter animais, apenas pontualmente em alguns fins-de-semana e só nas bancadas. Presumo que cães e gatos sejam um atentado à saúde pública pelo perigo letal das alergias, pelo que terão de ser substituídos por uma inócua tocha e um ou outro explosivo. Para tentar colmatar a falta de companhia de um animal de estimação, sinto-me tentado a adoptar um petardo. Sei que tem de ter chip, as vacinas em dia e ser passeado com açaime, mas o amor que um objecto inerte nos dá é, de todo, impagável. Tem uma personalidade intempestiva, bem sei, mas os animais de estimação reflectem a personalidade do dono. Depende de mim dar-lhe amor para ele rebentar de carinho ao meu colo.
Apesar de toda esta situação ser tentadora, de poupar dinheiro a fazer diariamente Braga-Lisboa ao invés de me fixar num T0 na capital, de até um bêbado saber que não há nada melhor do que acordar com um golo, não me sinto bem sabendo que não posso ter um falabella a aparar-me a relva no quintal. Já para não falar do facto de a minha futura habitação poder ser alvo de um referendo. Nada contra, atenção! É só porque este sufrágio podia levar-me a ter de abandonar as minhas novas instalações. E eu detesto mudanças.
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