Muitas organizações que apoiam pessoas LGBTQIA+ — sigla que inclui lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, queer, intersexual e assexual — em situação de sem-abrigo “não dispõem de serviços específicos”, nem, “muito menos, estão preparadas e sensibilizadas para as especificidades” desta comunidade, constata a organização.
“As equipas não estão preparadas, não há uma formação adequada (…) para acolher, para respeitar pronomes, para perceber quais são as idiossincrasias destas pessoas, que normalmente vêm com uma mochila carregada de muita coisa”, assinalou à Lusa o presidente da direção da Opus Diversidades, Helder Bértolo, por ocasião do encontro sobre “Respostas para a situação de sem-abrigo e a privação de habitação de jovens LGBTQIA+”, que hoje se realizou em Lisboa.
O problema não está, sublinha, nas respostas específicas para esta população, como é o caso da Casa de Acolhimento Temporário de Emergência em Portugal para pessoas LGBTQIA+ em situação de sem-abrigo, gerida pela Opus Diversidades, a questão é a impreparação das respostas transversais.
As pessoas LGBTQIA+ em situação de sem-abrigo que já passaram por centros municipais ou da segurança social não tiveram “qualquer tipo de bons resultados” e “muitas vezes voltam para a rua”, realça Helder Bértolo.
“A homofobia, e especialmente a transfobia, nestes espaços é incrível”, denuncia.
A exclusão habitacional e a situação de sem-abrigo de pessoas LGBTQIA+ continuam a ser negligenciados nas atuais políticas de habitação e, a par das “deficiências dos serviços” disponibilizados a esta população, verifica-se ainda a inexistência de formação “adequada” das equipas técnicas, que, por isso, também não conseguem fazer “uma pedagogia junto das outras pessoas acolhidas”, que assumem “habitualmente” um discurso “xenófobo, racista, misógino, machista e homofóbico ou transfóbico”.
Essa situação acaba por revitimizar as vítimas de agressão e discriminação, realça.
Concordando com a importância de ter respostas especializadas para esta população, a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), Sandra Ribeiro, concorda que é necessário formar e capacitar a administração pública.
“Nunca tivemos tantos ataques à política pública nesta matéria como agora”, alertou, na abertura do encontro de hoje.
“Não sabemos quantas pessoas LGBT estão em situação de sem-abrigo, mas deduzimos que devem ser muitas”, estima, defendendo que a desagregação de dados nos próximos Censos “é fundamental”.
“Se não medirmos a realidade, não conseguimos atuar”, justificou.
Helder Bértolo confirma que “há poucos dados” sobre Portugal, mas os que existem “são muito reprodutíveis” e estimam “20 a 40 por cento de pessoas LGBT entre a população em situação de sem-abrigo”.
Desses, “uma percentagem alta, quase 70%”, considera que estão em situação de sem-abrigo “por causa de serem LGBT”, quer porque se assumiram em casa e foram expulsas ou não conseguiram suportar o ambiente familiar, quer porque perderam o emprego.
“É preciso, de facto, haver mais dados”, sem os quais não é possível “intervir”, nem “desenvolver políticas sociais e públicas”.
Os resultados hoje apresentados, no âmbito do projeto europeu QueerNest, revelam que a vulnerabilidade de jovens LGBTQIA+ “tem aumentado”, assinala Helder Bértolo.
“A pandemia foi terrível” e “muitas pessoas” ficaram sem trabalho e sem alojamento, lembra o ativista, contando que todas as seis pessoas LGBTQIA+ atualmente na única casa de acolhimento especializada em Portugal, gerida pela Opus Diversidades, têm trabalho, mas “nenhuma” tem autonomia financeira para pagar uma casa.
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