São mais de 80 países no mundo que criaram já a especialidade em medicina de urgência e emergência, 27 deles na Europa, segundo a Sociedade Europeia para a Medicina de Urgência/Emergência, que defende que a especialização e um sistema bem organizado são “capazes de aumentar a sobrevivência e reduzir a incapacidade depois de qualquer situação de urgência ou emergência médica”.
Em Portugal, o centro da discussão será a Ordem dos Médicos (OM), entidade que tem a competência para definir e criar novas especialidades médicas, como lembra o bastonário Miguel Guimarães.
Atualmente existe em Portugal uma competência em emergência médica, a que pode aceder qualquer médico, mas não há qualquer especialidade específica que englobe medicina de urgência e emergência. São cerca de 780 os clínicos que têm atualmente essa competência em emergência.
O representante dos médicos admite que este debate se possa fazer em breve dentro da OM, contudo não acredita que seja através da criação da especialidade que se consiga alterar o problema dos serviços de urgência em Portugal.
“Neste tipo de matérias, a Ordem faz sempre uma reflexão profunda, juntando responsáveis de várias especialidades. (…) É importante que as várias especialidades que têm liderado o serviço de urgência, como medicina interna ou cirurgia geral, estejam de acordo com a criação da especialidade”, adiantou o bastonário em entrevista à agência Lusa, vincando que esse acordo é fundamental.
Miguel Guimarães reconhece que a criação da especialidade “pode ter vantagens e também pode ter algumas fragilidades”.
Um dos principais problemas que o bastonário antecipa prende-se como o facto de a legislação atual dispensar os médicos de fazer urgência noturna a partir dos 50 anos e qualquer urgência a partir dos 55 anos.
Quando atingem estas idades, os médicos passam a trabalhar nos seus serviços de base, consoante a sua especialidade, o que não aconteceria no caso de uma especialidade de urgência e emergência.
Apesar desta “fragilidade”, Miguel Guimarães também admite que “a diferenciação é o caminho que a Medicina tem seguido” e adianta que os médicos que atualmente têm competência em emergência médica “são altamente treinados para salvar vidas”, o que nem sempre acontece com médicos sem esta competência.
Mesmo encarando que será um tema a debater e a analisar, o bastonário salienta que a criação de uma especialidade não resolve “os graves problemas dos serviços de urgência”, com “condições de trabalho péssimas”, falta de recursos humanos e demasiado afluxo de utentes.
Também o presidente do colégio da competência em Medicina de Emergência, Vítor Almeida, considera que a criação da especialidade não é, só por si, “a varinha mágica que vai resolver os problemas do serviço de urgência”.
Ainda assim, Vítor Almeida considera que a existência da especialidade seria uma “peça fundamental do puzzle”, além de uma reforma e reorganização do sistema.
“Perante o panorama que temos, faz sentido acabar com algumas anomalias. Por um lado, somos um país grande consumidor do serviço de urgência e por outro temos um número muito elevado de médicos sem acesso a especialidade”, exemplificou em entrevista à Lusa.
Vítor Almeida frisa que os padrões europeus apontam “claramente para a implementação de uma especialidade própria” em medicina de urgência e emergência, sendo uma realidade que não se fica pela Europa.
“O caminho é ter uma especialidade própria, independente das outras, seguindo os cinco anos de currículo europeu [em formação especializada, após o curso da Medicina]. E dar aos médicos que hoje já trabalham no serviço de urgência a possibilidade de aceder à especialidade diretamente, mediante avaliação curricular”, defendeu.
A ideia seria que médicos de medicina interna, anestesistas ou cirurgiões gerais, por exemplo, que trabalham já em urgência, pudessem ter acesso à nova especialidade de modo automático, após uma avaliação por parte da Ordem dos Médicos, até para que estas pessoas com experiência “acabem por liderar o processo” de arranque da especialidade e também de formação de novos especialistas.
Ao nível da emergência, em contexto pré-hospitalar, Vítor Almeida recorda que é essencialmente uma atividade do INEM, que tem “muito poucos médicos” a trabalhar a tempo inteiro, além de ter a prestar serviço “muitos médicos” indiferenciados, isto é, sem qualquer especialidade.
“O objetivo é acabar com este tipo de situações e caminhar para o médico dedicado ao pré-hospitalar e com carreira”, argumenta Vitor Almeida.
Ao mesmo tempo, o especialista recorda que há também muitos médicos tarefeiros, indiferenciados, a trabalhar em serviços de urgência básica.
No fundo, a criação de uma especialidade específica iria profissionalizar o trabalho em urgência e torná-lo homogéneo nos vários hospitais do país, com os profissionais a passarem pelo mesmo círculo formativo.
Em declarações à Lusa, o médico português Nelson Olim, perito da Organização Mundial de Saúde, defende que a urgência/emergência “é uma especialidade em si, que requer conhecimentos técnicos próprios e competências que um médico que faz 12 ou 18 horas de urgência por semana não consegue adquirir”.
Convencido de que a especialidade iria “melhorar a qualidade do serviço prestado aos cidadãos”, Nelson Olim entende que será também “um fator importante para ajudar a uma reestruturação maior” dos serviços de urgência no país.
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