Qual foi a sua reação quando soube que tinha cancro da mama?
Foi em 2011. O que me veio à cabeça é aquilo que todos nós pensamos quando ouvimos a palavra cancro. Pensei logo que ia morrer. Esse pensamento é inevitável… Mas eu fiz o meu processo e afinal estava errado. Hoje digo que quero chegar aos 90 anos.
Na generalidade, nós, homens, fechamo-nos e escondemo-nos o mais possível. Tendem a achar-se mais fortes do que as senhoras e que são intocáveis. Por ser cancro da mama, o homem considera que é uma doença exclusiva de mulheres e por isso acha que não pode divulgar a sua doença. Isso é um grande equívoco. Os homens têm mamas, portanto também podem ter cancro da mama e devem estar atentos, sobretudo porque não existe um rastreio dirigido à população masculina.
Só há um órgão que não pode ter cancro: o coração. De resto podemos ter dezenas de tipos de cancro
Todos os anos são diagnosticados seis mil casos de cancro da mama e 45 a 50 casos são em homens. A incidência é tão pequena que não justifica um rastreio dirigido ao homem à escala nacional.
No seu caso, como detetou a doença?
Estava na cama, deitado, e tive comichão no mamilo. Foi nesse momento que detetei um nódulo. Cocei e senti uma protuberância. Apalpei a outra mama e não tinha nada. Sabia que o homem poderia ter cancro... Procurei a médica de família três dias depois. Fui visto e foi-me pedido uma ecografia mamária e uma mamografia. Foi aí que foi detetado o nódulo.
Hoje, pelo que sei, teria logo sabido que tinha cancro da mama. Há várias formas de descobrir que temos cancro da mama, como por exemplo detetar um nódulo, ter o mamilo repuxado, eczema ou corrimento mamário. As pessoas têm de estar atentas. Podemos ter cancro, sim. Ninguém está a salvo.
Só há um órgão que não pode ter cancro: o coração. De resto podemos ter dezenas de tipos de cancro.
Qual foi o passo seguinte?
Foi-me feita uma biópsia e ao fim de poucos dias já tinha o resultado. Na altura trabalhava em Paços de Ferreira, apesar de já estar reformado. Deixei de trabalhar… Entrei no IPO do Porto cinco dias depois de ter a confirmação de que tinha cancro.
Eu tinha fobia ao IPO, porque perdi vários amigos com cancro. Fui submetido a uma série de consultas e exames. Ao final de um mês houve a chamada consulta de grupo, com os médicos das várias especialidades, e foi-me dada a sentença. Eu costumo dizer que é a roda sorte. E calhou-me o menu completo.
O que é o menu completo?
O menu completo, na nossa linguagem, a linguagem do doente oncológico, é o tratamento completo, com a conjugação de várias terapias. Fiz uma mastectomia radical, ou seja, tiraram-me a mama esquerda, fiz o esvaziamento axilar de quatro gânglios. Após essa operação, fiz quatro sessões de quimioterapia e depois 25 sessões de radioterapia. Depois disso ainda fiz cinco anos de hormonoterapia.
Atualmente faz algum tipo de tratamento?
Não, já não. Hoje em dia faço a consulta de vigilância uma vez por ano.
Mas mantém-se ativo na luta contra a doença…
Sim, sou voluntário da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) e faço serviço no IPO porque é lá que estão os doentes. Sou voluntário há sete anos. Sou o único homem que teve o cancro da mama que é voluntário em todo o mundo.
Eu sei o que é entrar no IPO. Só o nome assusta e assusta a toda a gente. A palavra cancro está associada a morte
Como é que um homem reage à sua presença?
A primeira reação é de admiração por verem um homem a dar a cara por esta doença. Dão-me os parabéns, mas eu não quero os parabéns. Eu quero é ajudar. Depois ficam curiosos e fazem-me muitas perguntas, mas nós queremos é que eles desabafem connosco.
No IPO do Porto, nós temos um gabinete e geralmente é lá que conversamos. Se estivermos na sala de espera, os homens não falam, não se sentem à vontade, mostram-se mais duros do que realmente são... Quando entram na sala, choram e desabafam. Mas chorar faz bem.
O que lhe dizem?
Os homens sentem-se desesperados, têm medo de não ter tempo para educar os filhos e de morrer. Eu sei o que é entrar no IPO. Só o nome assusta e assusta a toda a gente. A palavra cancro está associada a morte.
Tem alguma sequela da doença?
Não fiquei com nenhuma sequela. Tinham-me dito que poderia ficar com o braço preso por causa do esvaziamento axilar. Mas não fiquei. Tenho menos força, maior sensibilidade no braço, e devo evitar fazer movimentos perigosos com esse braço. Não tiro sangue neste braço (o esquerdo), por exemplo. Como me tiraram os gânglios linfáticos, que são importantes para o sistema imunitário, tenho de evitar ao máximo complicações nesse membro porque estou mais suscitável a contrair e desenvolver infeções.
E relativamente ao tratamento?
O pior efeito secundário aconteceu durante a hormonoterapia que durou cinco anos. A hormonoterapia afeta a parte sexual. Comecei a ter dificuldades na ereção e o sexo deixou de ser na mesma quantidade e qualidade.
Em relação à quimioterapia, não devo dizer se é má ou se é boa. Cada caso é um caso. Se eu tive um sintoma, não quer dizer que o outro também o tenha. A quimioterapia é um cocktail de medicamentos que é adequado a cada pessoa de forma individual.
Eu costumo mesmo dizer aos doentes que não ouçam muito o que se diz na sala de espera. Porque cada caso é um caso. Algumas pessoas reagem muito bem, outras têm vómitos, cãibras ou dores terríveis.
Há doentes que dizem coisas a mais, mas a troca de informações por outro lado também pode ser boa, porque as pessoas em alguns casos podem motivar-se umas às outras.
Qualquer coisa, qualquer sintoma, estou logo a bater à porta do médico. Não quero saber se sou chato
E que mensagem gostaria de deixar a alguém com cancro?
Há uma coisa que as pessoas tem de perceber: 50% do sucesso da nossa sobrevivência está na nossa mente; os outros 50% estão nos médicos que nos assistem. Temos de ter força, não nos podemos deixar ir abaixo. Se isso acontecer é muito pior para a sobrevivência. Não falo em cura, porque não há cura para o cancro. As pessoas devem procurar ajuda, falar, chorar e acreditar no seu tratamento.
A ameaça de cancro ainda paira pela sua cabeça?
Sim, claro. Não estou curado. Sou um sobrevivente. Por outro lado, por ter ultrapassado esta situação, não quer dizer que tenha esquecido a doença. Não, não esqueço. Nós, doentes oncológicos, temos um maior risco de contrair outro cancro do que qualquer outra pessoa que nunca teve cancro. Por isso mantenho-me vigilante.
Qualquer sintoma que tenha, não paro e vou à procura de um médico. O cancro, quanto mais precocemente for diagnosticado, mais fácil é o seu tratamento. Não é tão agressivo. Qualquer coisa, qualquer sintoma, estou logo a bater à porta do médico. Não quero saber se sou chato.
Artigo originalmente publicado a 30 de outubro de 2019.
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