Healthnews (HN) – O estudo publicado na revista “Biological Reviews” alerta para os riscos de comparar a migração humana com as invasões biológicas. Pode explicar por que esta comparação é considerada enganadora e potencialmente prejudicial, especialmente no contexto político atual?

Ronaldo Sousa (RS) – Embora as invasões biológicas e as migrações humanas sejam fenómenos que envolvem movimento e adaptação a novos ambientes, as invasões biológicas referem-se à introdução de espécies não nativas e aos seus impactos ecológicos, económicos e sociais enquanto a migração humana resulta de fatores sociais, políticos, ambientais e históricos muito mais complexos. O uso de terminologia da ciência da invasão – como “alienígena”, “exótico”, “invasor” ou “erradicação” – para descrever a migração humana simplifica excessivamente a questão, e pode reforçar narrativas xenófobas ao distorcer a perceção pública sobre os migrantes. E essa situação tem acontecido em alguns países, sendo os EUA e a Europa exemplos recentes, o que de alguma forma desumaniza a situação dos migrantes.

HN – No estudo, menciona-se que termos como “alienígena”, “exótico” ou “invasor”, usados na ciência da invasão, são problemáticos quando aplicados à migração humana. De que forma esta linguagem pode reforçar narrativas xenófobas e distorcer a perceção pública sobre os migrantes?

RS – Existem exemplos do passado que mostram uma apropriação, mas também completa descontextualização, de teorias científicas por parte de políticos. Um exemplo clássico é a forma como os nazis descontextualizam a teoria de evolução e da seleção natural para construir uma narrativa de superioridade de determinados grupos. Não sendo ainda o caso, mas pode sempre acontecer, o uso descontextualizado de determinados termos usados na biologia das invasões como exótico seja de algum modo depreciativo. Da mesma forma, o termo invasor tem toda uma conotação militar, e sendo usado fora do contexto pode de alguma forma distorcer a perceção pública quando aplicado às migrações humanas.

HN – O estudo destaca que políticos têm utilizado o conceito de invasões biológicas para desumanizar migrantes e promover um discurso alarmista. Como é que esta retórica política impacta a forma como a sociedade encara a migração e os próprios migrantes?

RS – Ao ter políticos que utilizam estes termos, e devido à exposição pública que alguns deles têm a nível mundial, bem como uma avidez por parte dos media por notícias algo polémicas e alarmistas que depois se tornam virais, corremos o risco de este tipo de narrativas se tornarem predominantes e influentes no espaço público. Ao ter políticos que comparam as migrações humanas a uma invasão, criamos na sociedade uma perceção altamente negativa, sendo que na maioria dos casos estes migrantes procuram apenas uma melhoria nas suas condições de vida.

HN – Ao analisar casos históricos, o estudo conclui que a migração humana é uma constante na História da humanidade, ao contrário das invasões biológicas, que podem ter impactos ecológicos severos. Como é que esta perspetiva histórica pode ajudar a desconstruir narrativas negativas sobre a migração?

RS – O ser humano sempre se moveu destes tempos imemoriais e colonizou outros continentes desde que saiu de África. Desta forma é de esperar que nos dias de hoje o ser humano também procure melhores condições de vida e daí a sua constante deslocação. É preciso ter em conta que muitas vezes estas migrações foram e são despoletadas por razões políticas (recente guerra desencadeada pela invasão da Rússia na Ucrânia), ambientais (extremos climáticos como secas e cheias) e sociais (busca de um melhor nível económico). Quanto melhor percebemos como estes fenómenos foram recorrentes no passado e em muitos casos essas mesmas migrações contribuíram economicamente de forma altamente positiva para vários países (sendo um dos casos mais paradigmáticos os EUA) melhor preparados estaremos para os recentes fluxos migratórios e para garantir uma boa integração desses migrantes.

HN – Defende uma abordagem interdisciplinar que conecte as ciências naturais e sociais para abordar questões de migração e gestão ambiental. Como é que esta colaboração entre disciplinas pode contribuir para políticas mais contextualizadas, científicas e éticas?

RS – No caso particular das invasões biológicas existem várias situações onde é necessária uma abordagem multidisciplinar que envolva a participação de várias ciências sociais. Por exemplo, algumas destas espécies não nativas quando introduzidas são responsáveis por grandes prejuízos económicos e logo a ajuda de economistas pode ser preciosa para melhor compreendermos estes impactos e avaliarmos os valores reais. Outro exemplo envolve acções de controle ou de possível erradicação de espécies não nativas. No caso de espécies de mosquitos ou ratos estas possíveis ações de controle ou de erradicação raramente levantam qualquer questão ética. No entanto, se tal acontecer com aves ou com a maior parte de mamíferos ou outros grupos taxonómicos mais carismáticos a situação pode ser radicalmente diferente. Porque é que nós humanos nuns casos não levantamos problemas e em outros casos somos radicalmente contra estas ações de controle ou de erradicação merece ser avaliado. As ciências sociais podem dar um contributo importante neste caso particular.

HN – Este estudo internacional contou com a participação de investigadores de 42 instituições de 23 países, sendo o senhor o único português envolvido. Qual foi o contributo específico da equipa da UMinho para esta investigação e como é que este trabalho pode influenciar políticas migratórias a nível global?

RS – O meu contributo foi mais no tópico das invasões biológicas. Eu trabalho essencialmente em ecologia e conservação sendo um dos tópicos da minha investigação tentar perceber os impactos ecológicos causados pelas espécies não nativas na biodiversidade e funcionamento dos ecossistemas, principalmente em ecossistemas aquáticos. Ou seja, eu fui um dos vários autores mais focados na parte das invasões biológicas. No entanto, e em termos pessoais, tenho um gosto especial de tentar perceber como nós humanos nos relacionamos com a biodiversidade e de como temos preferências por certas espécies. Ou seja, esta parte mais psicológica e filosófica, de como preferimos certos grupos taxonómicos em detrimento de outros interessa-me particularmente.

Entrevista HN/MMM