A saúde tem sido um dos temas centrais no debate político recente. Com as mudanças introduzidas nos últimos anos — como a criação da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a reorganização do sistema em Unidades Locais de Saúde (ULS) e, mais recentemente, a proposta de transição dos hospitais universitários para Centros Académicos Clínicos (CAC) — todo o setor se encontra ainda em fase de consolidação. Neste novo ciclo político, abre-se também uma oportunidade para repensar o lugar da saúde oral nas prioridades públicas.
Desde 2016, este tema tem conquistado alguma atenção por parte dos decisores políticos. A integração de médicos dentistas no SNS marcou uma viragem na forma como se encaram os cuidados de saúde oral. Contudo, essa visão foi interrompida pela mudança da equipa ministerial e pelo impacto da pandemia da COVID-19, sendo mais tarde retomada com a elaboração, em 2023, do relatório “Saúde Oral 2.0”. Nesse documento estabeleceram-se metas claras a atingir até 2026: assegurar a presença de um médico dentista por cada dois gabinetes de medicina dentária devidamente equipados, garantir a existência de um higienista oral por cada 12 mil crianças, alcançar os 350 gabinetes de saúde oral e ultrapassar a taxa de 75% de utilização dos cheques-dentista.
Face a estas ambições, há um dado preocupante: Portugal continua a planear políticas públicas com base em dados desatualizados. O último Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais, promovido pela Direção-Geral da Saúde, remonta a 2015 (com dados recolhidos em 2012–2013). Ou seja, passaram praticamente dez anos desde a última grande radiografia do estado da saúde oral da população portuguesa.
A ausência de um novo estudo representa um vazio crítico. Desde então, registaram-se avanços estruturais no SNS, investimentos significativos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) — nomeadamente mais de 8,5 milhões de euros para o alargamento da rede de gabinetes de saúde oral — e a descentralização de competências para os municípios. Apesar de esforços meritórios como o Barómetro da Saúde Oral, promovido pela Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), não existe um instrumento com a robustez científica necessária para orientar políticas públicas eficazes e sustentáveis.
Mais recentemente, a OMD e a Associação Nacional de Municípios Portugueses assinaram um protocolo que prevê o mapeamento da saúde oral a nível local, o reforço da literacia e a integração da medicina dentária nos planos de saúde municipais. Um avanço importante — mas que exige uma base estatística nacional rigorosa.
É tempo de a Direção-Geral da Saúde promover um novo Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais. Um estudo que permita conhecer a realidade atual, aferir desigualdades regionais, identificar necessidades específicas de grupos vulneráveis — e alinhar Portugal com os compromissos internacionais da Declaração de Bangkok nas áreas da saúde, educação e ação social.
As eleições legislativas e autárquicas de 2025 são uma oportunidade para colocar este tema na agenda. Exige-se aos responsáveis políticos que deixem de tomar decisões sem base sólida. Sem dados, não há estratégia. E sem estratégia, continuaremos a falhar naquilo que é essencial: garantir cuidados de saúde oral acessíveis, integrados e equitativos para toda a população.
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