Compreender epistemologicamente a Fisioterapia, bem como parte significativa da Medicina, é equilibrar constantemente os pólos da antiga dualidade “Estrutura vs. função”, ou “Dogma vs. ciência”, em torno de um eixo que é a própria linha média concorrendo para uma verticalização que exige a harmonia neuromuscular. Esta pende, todavia, mais para a ciência funcional do que para o arrazoado dos Sistemas, cuja visão, por vezes, estática é superada por uma perspectiva “neurológica” que, não se limitando a integrar a acção fisioterapêutica, é o seu verdadeiro busílis.

O ponto de partida é, essencialmente, dual, e equilibra as áreas hipertónicas, dogmáticas e, fundamentalmente, inconscientes – que, segundo a teoria das Cadeias musculares, se comportam como um “todo”, constituindo as cadeias miofasciais, mais afectas à zona posterior, “anti-gravítica”, do corpo – com as áreas “liberais”, afectas à actividade consciente do movimento. O próprio dogma, tanto “mézièrista” quanto adequado, por exemplo, ao método Bobath, impende no objecto da inibição das áreas hipertónicas, com resultante “reforço” das áreas “voluntárias”. O dogma é observacional e limitado, por vezes, pela subjectividade (i)racional do terapeuta. Ainda assim, vai ao encontro da visão funcional, na medida em que convida ao alongamento do excesso hipertónico, com trabalho “liberal” das áreas anteriores. É, aparentemente, o excesso da musculatura posterior que cria a sua insuficiência. A fraqueza é consequência da hipertonia, como da falta de comprimento miofascial. O objectivo passa por alongar adequadamente estas áreas muito “tónicas”, de modo a retirar-lhes a supremacia sistemática. A insuficiência de alongamento exprime a relação “ética” inadequada com o paciente. Mas igualmente inadequado é o excesso de alongamento, o exceder dogmático, que evoca as defesas musculares e convida ao trabalho miofuncional, liberal, afecto a uma nova moral, a um novel equilíbrio.

O alongamento excessivo exprime a relação “agressiva” com o paciente, o equilíbrio é assertivo. O dogma “defensivo” impacta a ligação terapêutica, mas é também ele que expõe, possivelmente, um novel equilíbrio neuromuscular. O equilíbrio dogmático recruta, necessariamente, a reacção científica, funcional, positivista, que modera o excesso hipertónico. Mantém-se, talvez, a fobia ao reforço, mas superioriza-se a importância do trabalho funcional. Sendo a musculatura “posterior” essencialmente de tracto involuntário, e também pelos motivos já expostos, é capital inibi-la de um modo fundamentalmente espontâneo. A higiene postural é, de todo, inadequada. Já o trabalho anterior exprime, deveras, o esforço liberal. O “todo” passa a advir do equilíbrio, ou, então, da nova moral compensatória. Qualquer forma de equilíbrio exige função indolor. Daí que novos modos de equilíbrio correspondam, tão-só, a posturas diferenciais que não têm de ser obrigatoriamente “patológicas”.

O equilíbrio postural expressa, portanto, a relação da estrutura do “Ser” com a sua funcionalidade científica, que é, também, a relação do terapeuta assertivo com o paciente não defensivo tornada “totalidade”, singularidade, a exigir um tracto neurofuncional, dinâmico, que não pode limitar-se ao mero estiramento/fortalecimento analítico. Obviamente, o fantasma dogmático da “totalidade” pode e deve ser moderado pela nova totalidade neurofuncional, científica, que exige a harmonia entre a Razão defensiva e a funcionalidade empírica, sensitiva. Várias “razões” neurofuncionais são permitidas, desde que o “todo” terapêutico, sistémico, possa manter o seu equilíbrio moral. O último é do corpo-mente, como da “physis” e da “psique”, com cada um deles compensando-se com o outro, do mesmo modo que a função compensa a estrutura, e que a razão se adequa à nova exigência sensitiva com uma postura que é necessariamente funcional.