Foi publicada recentemente a portaria que mantém a atribuição de 7,6 milhões de euros às farmácias comunitárias para a campanha de vacinação contra a gripe e a COVID-19 (link). É o mesmo valor do ano passado. Aparentemente, nada de novo. Mas por trás deste número repete-se um padrão que merece reflexão: em vez de investir no Serviço Nacional de Saúde, o Estado continua a financiar soluções externas e temporárias.
A vacinação é, sem dúvida, uma das intervenções mais custo-efetivas da saúde pública. Então, a pergunta surge: por que razão não é o SNS a liderar este processo, como sempre fez? Antes e durante a pandemia, eram os centros de saúde que asseguravam esta missão com eficácia. Contam com equipas experientes, uma rede nacional estruturada e proximidade às comunidades. Não lhes falta capacidade — falta-lhes investimento.
A comparação é simples: numa casa, se todos os anos gastarmos mais em eletricidade para aquecimento, mas nunca investirmos no isolamento térmico, os custos repetem-se e aumentam sem que o rendimento melhore. O mesmo acontece aqui: todos os anos o Estado gasta milhões em serviços externos, mas não investe em fortalecer a base — o SNS.
E isto não acontece num vazio. Segundo a Comissão Europeia, em 2021 a despesa em saúde per capita em Portugal situou-se em 2 630 euros, mais de um terço abaixo da média da União Europeia. As fontes públicas representaram apenas 63,2 % da despesa total em saúde, quando a média europeia é de 81,1 % (Comissão Europeia, Health at a Glance: Portugal 2023). Estes números não deixam dúvidas: Portugal investe menos no seu sistema público de saúde e transfere mais custos para os cidadãos e para os privados.
No entanto, os dados mostram que quando o investimento foi feito dentro do SNS, os resultados surgiram. Ao longo da última década, Portugal manteve sempre uma cobertura vacinal contra a gripe superior à média da UE em pelo menos um terço. Durante a época gripal de 2020-2021, em plena pandemia, a cobertura vacinal contra a gripe em pessoas com 65 ou mais anos excedeu os 66 %, mais 10 pontos percentuais do que em 2018-2019. Tudo isto foi conseguido com vacinação organizada e realizada pelos centros de saúde, sem custos acrescidos ao Estado e com eficácia reconhecida (Comissão Europeia, Health at a Glance: Portugal 2023).
Se quisermos ser objetivos, vejamos o que significam 7,6 milhões de euros:
- Dariam para construir ou requalificar um centro de saúde de média dimensão (exemplo aqui).
- Dariam para contratar cerca de 180 médicos ou 350 enfermeiros por um ano.
- Ou poderiam ser transformados em incentivos internos, premiando as equipas do SNS pelo cumprimento de metas de vacinação, como fazem as empresas que querem melhorar resultados.
O caminho seguido pelo Estado pode parecer cómodo, mas é estruturalmente errado. As farmácias são parceiras úteis em situações excecionais. Mas não podem substituir o SNS de forma permanente, porque cada euro que sai para fora é um euro que deixa de reforçar a base do sistema.
A escolha é clara: queremos continuar a pagar todos os anos uma fatura que não resolve os problemas de fundo, ou queremos investir no “isolamento” da nossa casa comum, o SNS, para garantir sustentabilidade, eficiência e futuro?
Como disse Margaret Thatcher, “não há dinheiro do Estado de graça; o que o Estado gasta tem de vir dos contribuintes” e é precisamente este investimento, retirado da base do SNS, que poderia melhorar a saúde de todos nós.
Comentários