Stresse. Por detrás da palavra banalizada há uma emoção a que correspondem reacções fisiológicas e comportamentais. Nomeadamente, ao nível do apetite. A forma como este é afetado varia de pessoa para pessoa, mas é possível distinguir tendências com base nas circunstâncias que originam o stresse, explica Teresa Branco, fisiologista na gestão do peso. «Quando se sofre de stresse agudo, acontecimentos pontuais muito duros e difíceis, como um divórcio ou a perda de alguém próximo, a tendência é perder a fome», sublinha a especialista.
«Como se está numa situação de sobrevivência, o sensor do apetite ao nível do hipotálamo é influenciado e nem nos lembramos de comer. Também são ativados sistemas de sobrevivência ao nível das glândulas suprarrenais. Começa a ser produzida mais adrenalina, que aumenta a lipólise (queima de gordura)», refere ainda. Neste caso, pode ser essencial recorrer a ajuda médica. Já para lidar com o tipo de stresse que faz parte do dia a dia da generalidade das pessoas, as estratégias são diferentes...
Como é que o stresse crónico influencia a sensação de fome?
Em situações de stresse crónico, que é o stresse prolongado que enfrentamos no dia a dia, em que estamos permanentemente sob tensão, há um aumento continuado do cortisol, uma hormona produzida nas glândulas suprarrenais que pode provocar alterações no controlo dos açúcares, levando ao aumento do apetite. Há estudos que referem alterações da leptina (hormona da saciedade) e da dopamina (hormona do prazer). E, além dos fisiológicos, há motivos emocionais. A comida serve como compensação pela angústia, por não estarmos felizes.
Pode-se engordar mesmo que não se coma mais?
Sim. Podemos engordar mais porque comemos mais. Na maioria das vezes, isso acontece porque começamos a comer emocionalmente e sentimos mais apetite. Mas, por motivos fisiológicos ligados ao mecanismo da dopamina e da leptina, a metabolização dos açúcares é feita de forma diferente, o que nos leva a ter mais tendência para engordar mesmo não aumentando muito o que comemos. É como se o organismo, por se sentir ameaçado, tivesse medo de gastar todas as reservas energéticas, tornando-se mais eficaz a acumular gordura.
Qual é a chave para alguém que come demais quando está stressado conseguir deixar de o fazer?
É muito importante tomar consciência, identificar que está a comer mais. Algumas pessoas comem mais porque não conseguem ficar saciadas rapidamente, mas outras, embora até comam menos, descuram a qualidade, começam a preferir alimentos doces e menos saudáveis, o que pode ser mais difícil de identificar. E também há quem coma alimentos saudáveis mas em quantidade excessiva, para não se sentir culpado por comer alimentos pouco saudáveis. Uma vez identificado esse comportamento, ou consegue controlar o problema por si mesmo, o que é difícil, ou deverá procurar ajuda».
Não depende de cada um corrigir o seu comportamento?
Isso implica perceber as razões pelas quais está a comer mais e, muitas vezes, são situações de mágoa, de perda, de frustração, vividas durante muito tempo, sem o próprio ter noção do que o faz estar ansioso e stressado. Perceber o que é pode ser muito doloroso. Imagine que está a viver um casamento que não está bem e ao mesmo tempo tem problemas no trabalho.
É muito mais fácil atribuir o stresse aos prazos apertados do que perceber que estou casada há 18 anos, o meu casamento tem vindo a deteriorar-se e não consigo pôr as coisas no lugar. Porque no dia em que assumir que o problema vem do casamento, terá de tomar uma decisão. Mas enquanto não se percebem as verdadeiras razões, dificilmente se ultrapassa o comportamento.
Veja na página seguinte: O problema de comer demais
Quando se identifica a origem do stresse, comer demais deixa de ser um problema?
É um processo demorado, as pessoas não mudam imediatamente e é preciso resolver os problemas para a fome passar, mas podem procurar-se estratégias que ajudem a não canalizar o stresse para a comida. É muito subjetivo mas, por exemplo, praticar desporto, adotar um animal de estimação ou aprender algo novo que lhe dê gozo são formas saudáveis de colmatar necessidades e perdas. Além de resolver o problema de base, há que buscar formas de fazer a pessoa sentir-se tão feliz que nem se lembra de comer.
Que estratégias alimentares podem ajudar?
É essencial não fazer dietas à base de hidratos de carbono e aumentar a dose de proteína (carne, peixe e ovos), que é mais saciante, tal como as gorduras de boa qualidade (nozes, frutos secos, ovos, coco e peixes gordos). As barras e batidos proteicos sem açúcar podem ser aliados: aparentemente são doces e parecem colmatar a fome emocional, mas é como se fossem um ovo.
Devem ser privilegiados os hidratos de carbono que têm mais fibra, porque demoram mais a ser absorvidos, e evitados alimentos processados, que se transformam rapidamente em açúcar no sangue, como bolachas, bolos, chocolate (o preto é menos perigoso), gomas, batatas fritas, pão, massas, arroz.
Hábitos alimentares desadequados podem agravar o stresse?
Sem dúvida que sim. Quando se está a engordar e se tem hábitos alimentares prejudiciais, tende-se a ficar mais stressado, o que pode levar a que se coma ainda mais. É um paradoxo emocional. Por outro lado, há estudos que indicam que alimentos com muito açúcar e muito processados viciam, gerando efeito de ressaca. Tal como as drogas, à medida que o tempo passa, para se ter a mesma sensação de prazer, gerada pela libertação de dopamina, tem de se aumentar a dose. Este efeito não é provocado apenas pelo açúcar branco (sacarose) mas, por tudo o que tem hidratos de carbono simples, como o arroz, as bolachas, o pão branco e as gomas.
Há alimentos com efeito antistresse?
O aminoácido triptofano é percursor da serotonina, um neurotransmissor com efeitos antidepressivos que é também uma hormona estabilizadora do humor. As carnes (peru e frango), os frutos secos, os ovos e o peixe são ricos em triptofano. Mas há um contrassenso porque esse aminoácido entra muito mais facilmente na barreira encefálica se for acompanhado de hidratos de carbono. É por isso que, muitas vezes, em situações de stresse, temos tendência para comer doces. Em alguns casos justifica-se a toma de um suplemento natural de triptofano à venda em farmácias.
Quando se está sob stresse, há pouca disponibilidade mental para se pensar no que se come. Como se pode superar esse obstáculo?
Para conseguirmos mudar um comportamento, isso tem de ser verdadeiramente importante para nós porque requer foco. Devido à forma como a vida está organizada no nosso país, as pessoas têm, de facto, pouco tempo e vidas muito difíceis. Isto não é uma desculpa e é importante transmiti-lo. Andam a apagar fogos constantemente, a sua energia mental está voltada para a resolução dos problemas. Muitas vezes até gostavam de entrar numa rotina alimentar para reduzir o stresse ou gerir o peso, mas naquele momento não é prioritário.
Como se quebra esse ciclo?
Sou totalmente contra dietas nesses momentos porque restringir alimentos ou impor proibições vai agravar a culpa que as pessoas já sentem. Há que ter consciência de que perder peso não resolve o problema. Perde-se peso porque se está feliz e tranquilo, porque se tem a vida resolvida. Pensar que perco peso e resolvo a minha vida ou algo como perco peso e estou feliz é uma ilusão. Tem de haver um trabalho continuado e profundo de resolução dos problemas, acompanhado de orientações sobre o estilo de vida.
Veja na página seguinte: Os sinais de alarme que merecem atenção
Quando o stresse apaga a fome
Em situações de stresse agudo, é comum não se conseguir comer e, até, vomitar, o que deixa o sistema imunitário vulnerável, colocando a saúde em risco.
Sinais de alarme
Procure o médico se tiver:
- Ausência de apetite
- Distúrbios de sono
- Perda de peso continuada
- Taquicárdia ou arritmia
Estratégias alimentares
A par da resolução do problema de origem procure:
- Comer a cada duas horas.
- Recorrer a batidos e barras proteicas para não perder massa muscular.
- Aconselhar-se com o médico sobre a toma de medicação (ansiolítica, tranquilizante) e de suplementos vitamínicos e minerais.
- Seguir um plano alimentar adequado.
Texto: Rita Miguel com Teresa Branco (fisiologista na gestão do peso e diretora do Instituto Prof. Teresa Branco)
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