1. Nos últimos anos, quais foram os principais avanços verificados na área das doenças hemato-oncológicas?
Considerando os últimos 10 anos, os principais avanços dizem respeito ao conhecimento das alterações que estão associadas ao comportamento das células malignas – alterações que resultam de modificações no modo como as células se comportam à mercê dos estímulos que recebem e da capacidade que têm para iludir a vigilância do sistema imunitário.
Da compreensão destes mecanismos resultaram avanços terapêuticos importantes: medicamentos que bloqueiam os sinais que induzem proliferação descontrolada das células e fármacos que restabelecem a visibilidade das células malignas face ao sistema imunitário.
Um dos avanços mais recentes e notáveis diz respeito às “CAR T cells” que são células do sistema imunitário do próprio doente, linfócitos T, modificados geneticamente para reconhecerem e destruírem as células malignas.
2. Quais são as principais diferenças entre os vários tipos de doenças hemato-oncológicas, nomeadamente: leucemias, linfomas e doenças de plasmócitos?
As diferenças resultam do tipo de células envolvidas e do modo como a doença se apresenta. Assim, as leucemias podem ser agudas ou crónicas, os linfomas manifestam-se sobretudo por aumento de volume dos gânglios linfáticos e o sintoma mais relevante das doenças por plasmócitos são as dores ósseas.
3. Relativamente à alimentação, um doente hemato-oncológico deve ter mais cuidados do que um doente saudável. Quais são as principais necessidades nutricionais destes doentes? Devem dar preferência a algum tipo de alimento?
A alimentação equilibrada é um factor importante na abordagem das doenças desta natureza. Pode dizer-se que aqui o bom senso deve ser norma, embora haja situações particulares em que um certo tipo de alimentos (enchidos, mariscos, frutos secos, saladas) deve ser temporariamente evitado. Aqui o papel da equipa cuidadora do doente é importante no esclarecimento dos cuidados a ter.
4. Os doentes hemato-oncológicos devem praticar exercício físico? Quais os principais benefícios do desporto para estas pessoas?
O exercício físico é sempre recomendável, embora a sua prática em muitos doentes deva obedecer a um conjunto de recomendações que são particulares para cada doente,. Estas devem ser adaptadas à sua capacidade física que é sobretudo determinada pela natureza dos tratamentos. É um tema que deve ser conversado com a equipa cuidadora visto que as soluções são variáveis de caso para caso.
5. De que forma uma doença hemato-oncológica pode afetar a fertilidade no sexo feminino e no sexo masculino?
Muitos dos tratamentos utilizados, sobretudos os de quimioterapia utilizados no tratamento de leucemias agudas e linfomas, podem reduzir substancialmente a fertilidade ou causar mesmo infertilidade, pelo que a possibilidade de se conservarem espermatozoides e óvulos, antes do início do tratamento, deve ser considerada.
6. A sexualidade também pode ser afetada? Quais os principais sintomas?
A disfunção sexual é frequente nos doentes submetidos a tratamentos para as doenças hemato-oncológicas. Pode manifestar-se por perda desejo sexual (libido), disfunção eréctil, atraso na ejaculação, atraso em atingir o orgasmo, dor ou desconforto durante o acto sexual.
A sexualidade, como parte integrante e fundamental da vida humana está directamente relacionada com a satisfação pessoal, a auto-estima e a qualidade de vida e todos estes aspectos podem ser afectados pelos tratamentos.
7. Os doentes hemato-oncológicos estão sujeitos a contrair muitas infeções. Quais são os principais cuidados a ter em conta parar reduzir o risco de infeções?
O principal cuidado consiste na lavagem cuidadosa das mãos, o que se aplica quer aos doentes quer aos cuidadores, tanto familiares como da equipa de saúde. Lavar as mãos antes e depois das refeições e sempre que se vai à casa de banho, é seguramente a medida mais importante. Há ainda todo um conjunto de outras medidas que são abordadas no manual, desde o evitar o contacto com pessoas que estejam potencialmente infectadas aos cuidados com a alimentação, bem explicados no manual.
8. Quais são os principais desafios que um doente hemato-oncológico enfrenta em termos emocionais?
O diagnóstico é o principal desafio: é frequentemente expressa pelos doentes a sensação de que “caiu-me o céu em cima”, traduzindo a impotência que sentem em lidar com a informação que lhes é dada. Embora a reacção de cada um seja muito própria é possível reconhecer um certo padrão: após o choque inicial (e muitas vezes a sua negação), segue-se um período de frustração e revolta, a tentativa de desviar a realidade, sendo frequente períodos de depressão, angústia e pânico, a que se segue a aceitação e a procura de lidar com a situação mantendo o auto-controlo. O saber lidar com as emoções e sentir o apoio de quem está perto é muito importante.
9. Em termos legislativos, quais são os principais direitos de um cuidador e de um doente hemato-oncológico?
A legislação portuguesa contempla um conjunto de apoios e benefícios ao doente oncológico, que poderão ser explicados e conversados com assistentes sociais.
10. Depois de terminar os tratamentos os doentes devem continuar a seguir todos os cuidados ou poderão voltar à sua vida normal?
O ideal seria que fosse assim para todos. Alguns casos haverá em que isso é possível, outros em que pode ser menos fácil: depende muito da doença e da sua resposta aos tratamentos.
Uma conversa com os médicos cuidadores permitirá a cada um saber com o que pode contar.
As explicações são do médico e professor Manuel Abecasis, Presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia.
A Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL), em colaboração com a MSD, lançou um manual que pretende responder a muitas das questões que inquietam os doentes hemato-oncológicos, bem como os seus cuidadores. O livro pode ser solicitado através do e-mail geral@apcl.pt e levantado na sede da APCL. Este manual tem como principal objetivo contribuir para uma das principais missões da APCL: ajudar doentes e familiares a lidar e ultrapassar as doenças hemato-oncológicas.
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