O Cancro de Cabeça e Pescoço afeta cerca de 3 mil pessoas por ano em Portugal. Corresponde ao grupo de tumores dos órgãos localizados na cabeça e pescoço por onde circulam o ar e/ou os alimentos, como a boca e língua, o nariz, a faringe e a laringe. Os principais fatores de risco são o tabaco e o álcool, no entanto tem aumentado o número de doentes sem história destes consumos, muito devido à infeção pelo Vírus do Papiloma Humano.

É habitual a doença ser diagnosticada em fase localmente avançada, ou seja, já com envolvimento dos gânglios linfáticos do pescoço ou com tumores muito volumosos, sendo por isso necessário combinar e conjugar diferentes modalidades terapêuticas (cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia). A estratégia de tratamento, definida na consulta de grupo que reúne várias especialidades médicas, tem o objetivo de eliminar o tumor com a melhor poupança da função e estrutura dos órgãos envolventes.

Terapêutica oncológica: desafios físicos e psicológicos

Atendendo à localização do cancro, frequentemente estes doentes têm compromisso de funções fundamentais no dia-a-dia, como o comer e o falar, e podem apresentar alterações da aparência física, decorrentes do tratamento e/ou do próprio tumor. Assim, esta população particular de doentes, além dos possíveis efeitos secundários dos tratamentos oncológicos (como a fadiga e os enjoos), é também confrontada com diversos desafios a nível físico e psicológico, que podem diminuir a tolerância ao tratamento, comprometer o processo de reabilitação e a qualidade de vida. Um dos principais obstáculos é a perda de peso, sobretudo por falta de massa muscular, que muitas vezes traz consigo inaptidão física e problemas de mobilidade. Como referido, não raramente estes efeitos secundários estão agravados pela deterioração do estado geral induzida pelo consumo excessivo e prolongado de tabaco e/ou álcool.

Exercício físico: benefícios em investigação

Nos últimos anos vários estudos nacionais e internacionais têm demonstrado que o exercício físico não só reduz o risco de desenvolvimento de vários tipos de cancro, como também aumenta a tolerância aos tratamentos antineoplásicos, melhora o bem-estar físico e psicológico dos sobreviventes, e assim a sua a qualidade de vida, e aumenta a sobrevivência associada ao cancro. Desta forma, a comunidade científica recomenda, pelo menos, 150 minutos de atividade aeróbia moderada a intensa e 2 treinos de força por semana.

A evidência científica do benefício do exercício físico especificamente em doentes com Cancro de Cabeça e Pescoço é menos sólida, talvez pelas características atrás descritas que tornam esta população singular e desafiante. Apesar disso, alguns estudos piloto mostraram resultados animadores em termos de segurança e eficácia, com melhoria da composição corporal, função física e qualidade de vida. Os benefícios do exercício físico a nível cardiovascular e de composição corporal são reconhecidos, o que suporta a ideia de que um programa estruturado e supervisionado, em complementação ao tratamento antineoplásico, tenha um efeito benéfico também nestes doentes.

Neste contexto, o ONCOMOVE®, um programa da AICSO (Associação de Investigação de Cuidados de Suporte em Oncologia) composto por profissionais de diversas áreas que procura dar resposta à necessidade de um serviço de saúde mais completo e abrangente na área da Oncologia, desenvolveu o projeto de investigação FIT4TREAT que, através de um programa de exercício físico presencial e supervisionado durante as semanas que antecedem o início dos tratamentos antineoplásicos, tem como principal objetivo estudar os benefícios da pré-habilitação nos doentes com Cancro de Cabeça e Pescoço. O recrutamento de doentes já começou no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, com a segurança que este tempo de pandemia COVID-19 exige. Os resultados finais são esperados dentro de 2 anos.

Um artigo da médica Inês Leão, interna de Oncologia Médica do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho e membro da  Equipa ONCOMOVE® – Associação de Investigação de Cuidados de Suporte em Oncologia.