Em 2015, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a eliminação do sarampo em Portugal. No entanto, os vírus não conhecem fronteiras e, visto a doença não estar ainda erradicada nem eliminada a nível mundial, o risco de ser importada de outros países nunca desapareceu. No início deste ano voltou. No final da primeira semana de junho de 2017, o número de casos de sarampo confirmados em território nacional já ultrapassava as três dezenas.
O número de notificações já ultrapassava as 150. Os números eram avançados pela Direção-Geral da Saúde, que garantia, na altura, que a atividade epidémica «está controlada», apesar de haver, pelo menos, uma vítima mortal a registar desde o regresso inesperado e em força da patologia.
Além de ser uma das doenças infecciosas mais contagiosas, «não há uma cobertura vacinal, havendo pessoas, em Portugal, que não estão vacinadas contra o sarampo, pelo que é possível que possam existir mais casos», explica Jorge Atouguia. Em entrevista à Prevenir, o médico especialista em doenças infecciosas, responde às principais questões sobre a doença.
O que poderá estar na origem deste surto?
O surto de sarampo [aparecimento de dois ou mais casos epidemiologicamente relacionados], não só em Portugal, como a nível mundial, está relacionado com o facto de a vacina não estar a ser feita por todas as pessoas. Isto acontece porque existem grupos que decidem não vacinar as suas crianças, assim como pessoas (atualmente com mais de 40 a 50 anos) que nasceram antes da vacina entrar para o Programa Nacional de Vacinação (PNV) [em 1974] e que nunca tiveram sarampo, não estando imunizadas.
Se todas as crianças estivessem vacinadas, visto serem o principal foco de infeção, não havia a transmissão do vírus. Como não estão, basta que haja um vírus a circular para que se dê a transmissão entre esses grupos que não estão imunizados.
Como se manifesta a doença?
Regra geral, esta doença manifesta-se com um quadro febril e exantemático, isto é, os doentes têm febre e surgem manchas na pele (na cara e no tronco), que podem provocar comichão, assim como lesões no interior da boca. O sarampo também ocorre, habitualmente, com conjuntivite, uma inflamação a nível dos olhos. Contudo, a doença pode ocorrer assintomática ou benigna, como no caso de adultos que tiveram contacto com o sarampo durante a infância sem o ter desenvolvido.
E pode trazer complicações mais graves?
A doença tende a ser mais perigosa quanto maior for a idade da pessoa. Em casos de maior gravidade, a doença pode levar a quadros de falência multiorgânica (renal e cardíaca, por exemplo), complicações respiratórias (mais frequentes em pessoas mais velhas que já não têm os órgãos a funcionar corretamente) e neurológicas (mais frequentes nas crianças), resultando em incapacidades permanentes ou morte.
O diretor-geral da saúde, Francisco George, demonstrou preocupação por serem poucos os médicos que conhecem esta doença. Que consequências pode este facto ter no controlo do sarampo?
O sarampo foi uma doença que desapareceu durante muitos anos em Portugal e, portanto, os médicos deixaram de contactar com estes doentes, o que os levou a não associar os sintomas a um diagnóstico de sarampo, doença que por si só pode facilmente ser confundida com outras hipóteses de diagnóstico.
Ao deixamos escapar o diagnóstico de sarampo, não promovendo as medidas para evitar que haja contágio dentro da comunidade, há um maior risco de transmissão do vírus entre as pessoas que não estão imunizadas.
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Como se dá o contágio?
O sarampo é muito contagioso por via aérea através das gotículas que as pessoas infetadas libertam, havendo maior facilidade de transmissão em ambientes fechados e com muitas pessoas, como as escolas, fazendo das crianças não vacinadas um grupo especialmente suscetível ao sarampo. A doença é particularmente contagiosa imediatamente antes do período febril e até este terminar.
Como nos podemos proteger da doença?
Não há nenhuma forma de proteção que seja comparável à eficácia da vacina. Todas as pessoas não vacinadas são consideradas um grupo de risco, a menos que já tenham tido sarampo. Só se pode ter uma vez na vida.
É aconselhável a vacinação suplementar em viagem?
Quando não sabemos se o viajante fez a vacinação de forma correta e, consequentemente, qual o seu nível de proteção é aconselhável que se faça a vacinação. O problema é que, em Portugal, não existe uma vacina única contra o sarampo, mas sim contra o sarampo, a papeira e a rubéola (VASPR), o que nos pode levar a vacinar desnecessariamente a pessoa contra todas estas doenças. No entanto, é possível fazer um teste serológico de modo a verificar se a pessoa já tem anticorpos contra o sarampo, comprovando ou não a necessidade de fazer a vacina.
A vacinação é particularmente recomendável para algum destino em específico?
Apenas faz sentido fazer a vacina para os destinos onde estejam a ocorrer surtos epidémicos e não por rotina. Além disso, é importante ter em conta se o viajante irá ter muitos contactos interpessoais. Por exemplo, se vai trabalhar com crianças ou em hospitais, fator que poderá aumentar a recomendação para que se faça a vacina. A avaliação deve ser feita em função de cada viajante e destino e, como tal, as indicações não devem ser feitas por norma, sendo necessária avaliação e aconselhamento médico.
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Qual é o tratamento previsto para este vírus?
O sarampo, normalmente, tem uma evolução de uma a duas semanas e, durante este período, é feito um tratamento sintomático, isto é, trata-se cada um dos sintomas, em função de cada situação clínica. Não há nenhum medicamento que permita atacar diretamente o vírus, o que pode dificultar o seu controlo.
Em certos casos, pode mesmo ser necessário internamento para tratar quadros de complicações do sarampo. Além disso, não é possível fazer a vacina durante a infeção porque esta é uma vacina viva e, portanto, estaríamos a colocar no doente mais vírus do sarampo.
Que medidas devem ser adotadas para que o sarampo volte a ser eliminado?
Primeiro, é necessário identificar os casos de sarampo e tratá-los. Neste momento, apenas estão a ser identificados casos de pessoas doentes, mas nós não sabemos quais são as pessoas que ainda têm o vírus a circular. Como tal, Portugal estará sujeito a um período de tempo até que a não existência de novos casos, incluindo pessoas que têm o vírus, mas não têm sintomas, nos leve a ter novamente o carimbo de eliminação.
Não sou a favor de que se vacine as pessoas contra todas as doenças que existem mas, sim, contra aquelas que são muito contagiosas e que podem provocar a morte, como é o caso das que estão contempladas pelo PNV.
Não é necessária vacinação contra as doenças que já estão eliminadas. Verdade ou mito?
Esta é uma ideia baseada na imunidade de grupo, segundo a qual, se o grupo está imunizado o vírus não circula. Esta teoria não tem em conta que uma pessoa vinda de fora pode entrar na comunidade e trazer consigo o vírus, espalhando-o.
O que fazer se suspeitar ter contraído a doença
Jorge Atouguia, médico especialista em doenças infecciosas, explica-lhe como agir caso desconfie ter sido infetado pelo vírus do sarampo:
-Ligue para a linha Saúde24 (808 24 24 24)
«Esta medida permite-lhe ser encaminhado para os hospitais que possam estar mais preparados para lidarcom a doença», assegura o especialista.
- Dirija-se às urgências
«Fale com os médicos do serviço de urgência e refira, à entrada, sintomas como a febre e as manchas no corpo», aconselha Jorge Atouguia.
- Evite o contacto com outras pessoas
«Uma vez que o contágio é feito por via de gotículas eliminadas através da tosse ou expetoração, por exemplo, o ideal seria que utilizasse alguma proteção, como uma máscara», esclarece o infecciologista.
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O vírus em Portugal nos últimos 43 anos:
- 1974
A vacina contra o sarampo é incluída no Programa Nacional de Vacinação. Em 1990, é introduzida uma segunda dose e, em 2000, a idade da administração é antecipada. Hoje, é feita aos 12 meses e aos 5/6 anos.
- 2004
A partir deste ano verifica-se a ausência de circulação do vírus em Portugal. Os únicos casos registados foram importados.
- 2015
A Organização Mundial da Saúde emitiu um diploma a certificar a eliminação do sarampo em Portugal. A declaração foi feita após a ausência, por um período de 36 meses, de casos endémicos (resultantes da transmissão dentro do país).
- 2017
Surto de sarampo em Portugal. No fim da primeira semana de junho, eram mais de 30 os casos confirmados. Segundo dados da Direção-Geral da Saúde, desde 2004, o número de casos, por ano, não tinha sido superior a sete.
Texto: Vanda Oliveira com Jorge Atouguia (médico especialista em doenças infecciosas e medicina tropical e presidente da Sociedade Portuguesa da Medicina do Viajante)
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