Todos os anos, em Portugal, seis mil mulheres são diagnosticadas com cancro da mama, indicam dados da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Quando detetados numa fase inicial, 70 por cento dos casos são tratáveis, mas «os estudos demonstram que a maior parte das doentes não consegue deixar de pensar no diagnóstico como uma sentença de morte. Hoje, felizmente, os tratamentos do cancro da mama oferecem a possibilidade de cura em muitos casos e uma taxa de sobrevivência muito grande, de muitos anos», contou-nos Luzia Travado, presidente da Sociedade Internacional de Psico-oncologia.
No Mês Internacional do Cancro da Mama, que se assinala anualmente em outubro, com o contributo de vários especialistas, a Prevenir reuniu, ao longo de várias páginas, ferramentas emocionais e ao nível do estilo de vida que, a par dos avanços da ciência, ajudam a mulher e a sua família, a construir a resiliência necessária para enfrentar e ser mais forte do que a doença. Um imperativo sempre atual face àquela que é uma das patologias que a generalidade das mulheres mais teme.
As respostas às dúvidas que surgem após o diagnóstico
Luzia Travado, psicóloga clínica especialista em psico-oncologia, explica como partilhar e gerir emocionalmente a notícia. Estas são as respostas a algumas das principais dúvidas com que as mulheres se confrontam nesta fase:
- O que é normal a mulher sentir ao saber que tem cancro da mama?
Inicialmente, fica em choque, porque é um acontecimento indesejado, inesperado e um território ameaçador. Depois vem o medo (uma reação normal perante uma ameaça) e a ansiedade, que são influenciados também pelo que a mulher já vivenciou no caso de familiares ou amigos que passaram por situações oncológicas.
A mulher sente-se entre a vida e a morte e questiona-se. Será que vou sobreviver, será que vou conseguir suportar isto? E agora? Os meus filhos? O meu marido? Não queria estar a fazer isto à minha família... Também é normal sentir revolta, sobretudo no caso das doentes mais jovens. Mas o grande problema é fazer-se uma elaboração catastrófica da doença.
- O que pode ajudar a superar o choque, o medo e a ansiedade?
Antes de mais, a pessoa deve informar-se e perceber qual é o enquadramento e a fase da doença no seu caso. A maior parte das doentes é diagnosticada numa fase precoce, o que lhes possibilita o máximo de expetativa de sobrevivência e de cura. Para alguém que não conhece nada sobre a doença oncológica e pode estar a pensar que está condenada a morrer, ter noção dos dados reais do seu caso é essencial para redimensionar a notícia.
A equipa médica deve ajudá-la a perceber que, sim, tem um diagnóstico, mas que também tem um plano de tratamento e pode haver solução. É essencial prepará-la para o que se segue e a mulher deve esclarecer as suas dúvidas, porque isso dá segurança e ajuda a reduzir a imaginação negativa: quem tem medo e não está informado acaba por imaginar o que não tem, criando sofrimento.
- Deve ter acompanhamento psicológico especializado?
O acompanhamento psicológico especializado justifica-se sempre que exista sofrimento psicológico persistente. Por exemplo, no caso de mulheres que ficam muito presas à ideia de catástrofe (sentem-se sempre sob ameaça), o acompanhamento psicológico ajuda a racionalizar e a corrigir esse pensamento que causa e aumenta o sofrimento, mas cuja informação é enviesada, porque, na verdade, a probabilidade de tudo correr bem é superior.
É preciso reduzir esse pensamento à sua real probabilidade, o que se consegue através de técnicas cuja eficácia já foi provada. Em outros casos, a mulher pode pensar que vai perder a oportunidade de fazer tudo aquilo que queria e que não vale a pena fazer projetos, passando a negligenciar a sua vida. Nessas situações, é importante ajudar a pessoa a deixar de estar focada no que perdeu e a dirigir o foco para o que tem.
O tratamento psicológico não é um acessório de luxo no tratamento oncológico, é antes uma necessidade, porque também tem impacto a nível dos resultados clínicos das pacientes. Estudos [a dez anos] feitos em mulheres com cancro da mama demonstraram que as mulheres em estados depressivos de desespero e perda de esperança tinham menos anos de vida do que as mulheres que se conseguiam adaptar ao problema.
Uma pessoa que aceita e que se adapta, que encara a adversidade como um problema que tem uma solução e não como uma montanha esmagadora, tem uma qualidade de vida muito melhor do que aquela que está bloqueada e não faz ou não acredita em nada.
Veja na página seguinte: O que é essencial que a família faça?
- A família também deve ter acompanhamento psicológico?
Sim, em particular, o marido, porque é um dos principais fatores de equilíbrio psicológico para a mulher. É preciso fazê-lo sentir-se parte da equipa, dar-lhe uma oportunidade para expor as suas preocupações, o seu sofrimento, as suas dúvidas, de perceber o trabalho que se vai fazer e de o estimular a ser coterapeuta. Também ele tem de ter alguém que o ajude, para que não se sinta sozinho.
- O que é essencial que a família faça?
Antes de mais, acompanhar a mulher às consultas. É preciso que um elemento familiar, nomeadamente o marido/companheiro, fique a par da informação clínica, para poder perceber o plano de tratamento e cuidados e ajudar a mulher a relembrar as partes boas do que o médico disse. Porque, muitas vezes, acontece a pessoa, a partir do momento em que ouve dizer que tem um cancro, deixar de ouvir o que o médico diz.
O familiar pode ajudar a desdramatizar, a focar a doente nos dados positivos. Primeiro, tem de empatizar com a doente, depois dizer «Sim, vais passar um mau bocado, mas vamos viver e ultrapassar isto juntos. Vou ajudar-te a superar, naquilo que estiver ao meu alcance».
- Deve-se contar aos filhos?
Sim. Os pais pensam que, ao não contar, estão a proteger os filhos, mas a melhor opção é partilhar o que se passa, porque, mesmo que não haja alterações físicas, as crianças conhecem-nos e são sensíveis, acabando por se aperceberem de que algo não está bem. Podem ficar inseguras e pensar que o problema que sentem que existe é culpa delas.
- Como dar a notícia?
Não se dá a notícia, partilha-se a informação. Não é preciso dizer que a mãe tem um cancro, essa é uma opção de cada família, mas a informação deve ser partilhada com uma linguagem adequada a cada idade. Se for uma criança pequena, dizer «A mamã está doente, teve de ir ao médico e tem de fazer um tratamento». No caso dos adolescentes, muitas vezes, perguntam se é cancro e se a mãe vai morrer.
É preciso assumir que é cancro e apurar porque perguntam isso. Geralmente, deve-se ao facto de conhecerem a história de alguém que teve a doença. Importa saber o desfecho desse caso e, se a pessoa tiver morrido, é preciso distanciar a ideia e referir que a mãe está em tratamento para que isso não lhe aconteça.
Além disso, é importante dizer aos filhos que a sua ajuda será necessária e como ajudar. O mais importante na família é a partilha e entreajuda e cada um saber o que pode fazer, qual o seu papel, porque isso dá-lhes segurança e controlo.
- É importante contar aos amigos?
Sim, mas não é necessário fazê-lo assim que se conhece o diagnóstico e também é conveniente saber até que ponto essa partilha de informação é útil, porque, quando o fazemos, estamos a dizer ao outro «Tu és importante para mim, por isso estou a partilhar contigo esta informação». É uma responsabilidade, porque quando dizemos ao outro, também precisamos de saber se está em condições de receber essa informação.
- Há cuidados ao partilhar a informação com os pais?
Temos de ter em conta se nós é que somos os cuidadores deles e em que medida é que o facto de saberem o que se passa pode ser mais pernicioso. Mas, de um modo geral, sobretudo se estão bem de saúde, é importante saberem, porque não há nada melhor do que o apoio de mãe e de pai.
- Como deve ser a relação com o médico?
É necessário haver empatia, porque, se não existir, também não haverá a confiança necessária para a mulher enfrentar um conjunto de tratamentos que, à partida, são difíceis. Se for o caso, será preferível procurar outro médico. Contudo, também é importante não esquecer que a relação com o especialista é bilateral. Isto é, a mulher deve ser uma doente proativa, tem de lhe colocar as perguntas para as quais quer ter resposta. Também é preciso ajudar o médico a ir ao encontro do que se precisa.
Veja na página seguinte: As respostas às dúvidas que surgem durante os tratamentos
As respostas às dúvidas que surgem durante os tratamentos
Como lidar com as mudanças e efeitos provocados pelos tratamentos a nível físico e emocional, segundo Luzia Travado, psicóloga clínica, que avança com recomendações que são cruciais nesta fase:
- O que muda a nível físico devido aos tratamentos?
Depende dos tratamentos. No caso da quimioterapia, além das náuseas, má disposição e cansaço, o efeito mais visível é a queda do cabelo. A radioterapia produz uma sensação de cansaço. A hormonoterapia tem alterações mais discretas, mas, no caso das mulheres mais jovens, tem um grande impacto, dado que provoca uma menopausa precoce e todos os efeitos a ela associados, como afrontamentos e alterações a nível sexual.
No caso das cirurgias, felizmente, hoje em dia, a maioria conserva a mama. Retira-se o tumor, mas conserva-se o peito, o que, do ponto de vista da autoimagem, é menos agressivo do que quando se tem de tirar a mama por completo (mastectomia). Nestes casos, pode ou não haver reconstrução da mesma, dependendo da vontade da mulher.
- E, em termos emocionais, quais são as alterações?
É muito variável, em função do ritmo do tratamento. Há mais irritabilidade, mais ansiedade; a mulher fica preocupada com o futuro, o que conduz ao medo. Anda mais triste por não poder ter uma vida normal, por não poder fazer tudo o que gosta ou não dar a atenção devida aos filhos.
Muitas vezes, quando os filhos são pequenos, têm dificuldade em estar muito tempo com eles porque se cansam mais facilmente. E há um grande impacto na autoestima, porque existe uma certa perda de si, do sentimento da feminilidade, da atração. Mas a mulher pode aprender a gerir melhor e a desdramatizar tudo isto, por si ou com ajuda psicológica.
- A mulher pode trabalhar durante os tratamentos?
De um modo geral, tem muita dificuldade em exercer qualquer atividade com exigência e horários. O ritmo é, de um modo geral, mais lento. É preciso ter tempo para descansar e cuidar de si e tempo para se distrair com atividades de que gosta. Finalizado o tratamento, a mulher precisa de cerca de três meses para recuperar dos efeitos que resultam dele, como fadiga ou dificuldades de concentração e memória.
No regresso ao trabalho, há uma grande necessidade de ter um horário flexível, com menos carga horária e é importante que a entidade empregadora tenha flexibilidade para isso. Muitas vezes, as próprias doentes querem voltar ao trabalho mais cedo, mas, como sabem que não têm a capacidade de fazer todo o trabalho, adiam esse recomeço, o que é contraproducente.
- O que muda na vida sexual?
Desde o momento do diagnóstico, o desejo da mulher fica afetado e os próprios tratamentos têm impacto direto na sexualidade. Por exemplo, em muitos casos, é preciso suprimir hormonas, o que faz com que as mulheres entrem precocemente na menopausa, o que afeta a libido e provoca secura vaginal.
Depende de cada mulher e do seu parceiro, mas, em termos gerais, é possível recuperar com ajuda ativa do parceiro num reforço da intimidade, da cumplicidade entre ambos, do diálogo e uma dose extra de afeto, e muita vontade de ambos em superar o problema.
Veja na página seguinte: No dia a dia como pode o marido ajudar?
- No dia a dia como pode o marido ajudar?
Deve oferecer ajuda nas questões práticas, de logística, em casa e em relação aos filhos. Mas também é muito importante que ajude emocionalmente a mulher, sobretudo quando ela está triste. Os homens têm a tendência de resolver situações de forma muito pragmática, furtando-se à demonstração de afeto, mas, nesses momentos, primeiro é preciso afetividade, empatia, confortar e, só depois, falar sobre as questões mais práticas e soluções.
É importante que o marido reconheça que a mulher está a passar por uma fase de sofrimento, a faça sentir-se amada, abraçando-a, e lhe dê esperança, dizendo «Estou contigo e vamos ultrapassar isto juntos». Só, depois destes passos, quando a mulher já está mais apaziguada, o marido pode então lembrar-lhe tudo o que vai fazer a seu favor nesta situação.
- E o que pode a mulher fazer para manter a relação forte?
É preciso haver reconhecimento do desempenho do marido/companheiro. É necessário elogiar e agradecer a sua dedicação, por a ter acompanhado na consulta ou no tratamento. Aquilo que é mais triste para alguém que faz isso é não ser reconhecido.
Os dois têm de continuar a fazer o que de melhor sabem, que é amar-se. Se a sexualidade pode estar comprometida, a intimidade não deve estar. Por isso, dar atenção às coisas do outro, perguntar-lhe como correu o dia é importante para ele e também uma forma de a mulher se descentrar do seu problema.
- Como se peparar e como lidar com a queda do cabelo?
Antes de mais, deve saber quando é expectável que isso aconteça (geralmente, a partir da segunda sessão de quimioterapia) para começar a interiorizar e a preparar o momento. Sobretudo as mulheres com filhos mais pequenos optam por escolher uma cabeleira. Outras pacientes sentem-se livres o suficiente para assumirem essa fase e usar chapéus ou lenços (em termos de proteção do frio e do calor isso também é importante).
No caso de quem tem o cabelo muito comprido, pode ajudar ir cortando o cabelo, até porque cabeleiras de cabelos compridos são mais difíceis de manter. Também ajuda o companheiro dizer à mulher que as alterações que está a sofrer não têm importância no afeto que tem por ela e como ele a acha bonita.
- E, emocionalmente, como se pode preparar uma mulher que se vai submeter a uma mastectomia?
Pensando que isso é um mal menor face a um bem maior, pensando «Troco o peito pela minha saúde» e percebendo que a alteração que vai sofrer lhe vai permitir manter a maior parte da autoimagem intacta, que só uma pequena parte foi alterada. Não hipervalorizar o peito. E, mais tarde, aprender a amar essa cicatriz tal como um herói de guerra que exibe a sua.
Veja na página seguinte: As dúvidas que surgem depois de finalizar os tratamentos
As dúvidas que surgem depois de finalizar os tratamentos
Luzia Travado, presidente da Sociedade Internacional de Psico-oncologia, indica caminhos para encarar o futuro, uma vez superada a etapa dos tratamentos. Estas são algumas das respostas que as mulheres mais precisam nesta altura:
- Porque se diz que o período dos cinco anos, depois dos tratamentos, é o mais delicado?
Isso está relacionado com probabilidade de recidiva [reaparecimento] da doença nos primeiros cinco anos. Digamos que o doente está em maior vigilância para que, qualquer coisa que ocorra, seja logo tratada. Hoje em dia, esse período é mais posto em causa (é mais longo), mas as doentes mantiveram muito esses cinco anos em mente, até porque os efeitos secundários, como o cansaço, ainda se podem fazer sentir nessa altura.
Do ponto de vista psicológico, é normal que, nessa fase, se esteja mais fragilizado, com receio que a doença volte. Cerca de 50 por cento das mulheres com cancro da mama tem sofrimento psicológico intenso, sendo que 20 por cento tem tendência a ter depressão e 30 por cento a sofrer de ansiedade.
Para estas doentes o acompanhamento psicológico é fundamental como forma de reduzir este sofrimento e devolver a possibilidade de otimizar a qualidade de vida e bem-estar das doentes para que elas possam retomar a sua vida ativa normal em plenitude e com satisfação. Infelizmente, as instituições de saúde, ainda investem pouco na integração dos cuidados psico-oncológicos no tratamento da doente, algo que tem de mudar.
- O que aconselha a uma mulher para que não se sinta presa ao pensamento de que o cancro pode voltar?
Que faça a sua vida o mais normal possível, que faça exercício físico regular, que encontre tempo para ela, para fazer coisas de que gosta, para estar com os amigos e para encarar a vida como um bem precioso que acontece todos os dias, tendo bem presente que o importante é o que acontece hoje. Não podemos estar a pensar no amanhã senão perdemos o que podemos fazer e viver hoje. Se surgir um problema, então, nessa altura, se resolverá.
- A frequência de grupos de apoio, nesta etapa, ajuda?
Os grupos de apoio geridos por organizações de pacientes podem ser um recurso interessante, mas as mulheres têm de ter vontade de os frequentar. Muitas vezes, não querem ouvir falar de outros casos, porque isso implica empatia e estão muito focadas nelas próprias.
A seguir ao tratamento, numa fase em que a mulher já processou melhor a sua experiência, pode ser útil fazer terapia de grupo gerida por um profissional especializado que vai avaliar o tipo de grupo que mais se adequa à mulher (em função da fase clínica e do estado emocional da pessoa). Essa experiência de grupo permite-lhe ver que não está sozinha e que há outras mulheres que passaram pela mesma dificuldade, o que é muito confortante.
Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Luzia Travado (psicóloga clínica especialista em psico-oncologia do Centro Clínico da Fundação Champalimaud em Lisboa e presidente da Sociedade Internacional de Psico-oncologia)
Comentários