Laura (nome fictício), tem 34 anos. Faz os 35 para o ano, em março. É do signo peixes. Sente que em 2021 a sua vida irá mudar bastante. Não que ela já não tenha feito grandes mudanças. Laura está grávida de cerca de 4 meses.
Ainda não escolheram o nome para o bebé. Até porque ainda não sabem o sexo. Tem a próxima ecografia marcada para daqui a duas semanas. A ansiedade tem andado mais descontrolada. Principalmente a do Raúl (nome fictício), marido da Laura.
Para Laura, controlar a ansiedade já não é novidade. Foi diagnosticada aos 8 anos com Síndrome de Asperger. A sua vida também mudou bastante naquela altura. E foi sendo assim quase todos os dias da sua vida - grandes mudanças.
As primeiras raparigas a serem diagnosticadas com Síndrome de Asperger nos anos 90 estão numa altura da sua vida em que escolhem ser mães, ou então já o foram inclusive. Terão neste momento entre 30 a 40 anos, sendo que em Portugal a média da idade da mulher na altura do nascimento do seu primeiro filho é de 30,5 anos.
E se não se fala muito do autismo no adulto, e principalmente nas mulheres. Menos ainda se fala sobre as mulheres autistas durante o período da gravidez, e quase nada sobre o pós parto. Qualquer mulher que esteja a ler este texto e já tenha sido mãe, será certamente capaz de identificar um número infinito de momentos, situações, sensações, medos e alegrias únicas, incomparáveis e quase indiscritíveis.
No início de junho tinha sido a sua última menstruação. Não que ela não estivesse habituada a lidar. Aprendeu com a mãe tudo o que havia para saber, como se fosse um curso intensivo. Foram muitas as perguntas. Talvez um pouco mais do que é habitual as raparigas fazerem. Mas a Laura sentia que precisava de saber tudo, até porque acreditava que isso a ajudava a planear com antecedência. É algo que sempre necessitou. Antes ficava mais descontrolada. Ao longo do tempo foi aprendendo a gerir as situações. Mas desta vez as coisas estavam diferentes.
Laura tinha deixado de tomar a pílula e estava a fazer o Ácido Fólico. Ela e o Raúl tinham decidido engravidar em janeiro de 2020. Tinham andado em conversações desde finais de 2018. Chegar a uma conclusão com a Laura não é tarefa fácil. Não que ela seja uma pessoa contrária à maioria das ideias. Mas gosta de ter mais certeza que o habitual das pessoas. Raúl já a conhece e sabe que é importante respeita-la. E isso é fundamental para ela.
Iam de férias em agosto, como habitual. No dia 15 de julho, já Raúl tinha tirado as malas para as férias. Laura gostava de fazer as coisas com antecipação, até as malas. Nada que as suas amigas também não fizessem. Coisa que só descobriu mais tarde. Laura parecia mais nervosa que o habitual e Raúl não percebia o que se passava.
Já tinha revisto todo um conjunto de questões para saber o que se poderia passar. Era assim que resolviam muitas das suas situações e com isso poupavam alguns conflitos. Mas Laura não parecia à vontade desta vez em dizer o que pensava. E Raúl percebeu que não era nada do habitual. Antes de vir para casa, Laura passou na farmácia e comprou testes para a gravidez. Isso mesmo, testes no plural. Não se conseguiu decidir com aquele que seria melhor. Mas desta vez não quis ficar sem decidir. Até porque a farmacêutica lhe deu uma ajuda, quando lhe disse que era normal as mulheres terem essas dúvidas. E que ainda a semana passada tinha acontecido o mesmo com outra cliente.
Raúl ouviu-a chorar na casa de banho. Não era habitual. Não que Laura não se emocionasse. Mas era preciso haver algo com maior intensidade para que isso acontecesse. Bateu à porta e Laura disse para ele entrar. Ao abrir a porta viu a cara da sua esposa, num misto de lágrimas e felicidade e percebeu - Laura estava grávida.
Até porque em cima da bancada estavam os três testes que Laura tinha comprado, todos eles com a mesma resposta, caso dúvida houvesse. Iam ser pais. Laura percebeu que Raúl não se mexia e pela primeira vez disse-lhe que a abraçasse. Raúl nem pestanejou, nem Laura estranhou. Muita coisa estava para mudar, e eles ainda não sabiam o quanto. Mas não interessava. Iam ser pais.
Ter filhos é uma transição monumental física, psicológica, e socialmente para a maioria das mulheres. De forma a garantirmos a saúde materna e infantil ideal, os resultados requerem uma abordagem abrangente de cuidados de saúde. É essencial fazer uma avaliação de risco completa da saúde de cada mulher para que possa ser implementado um programa de cuidados sob medida durante os períodos pré-parto, parto e pós-parto.
Apesar do aumento da prevalência dos casos de Perturbação do Espectro do Autismo, nomeadamente na população adulta, e inúmeras pesquisas relacionadas, ainda há pouca ou nenhuma informação empírica sobre como as mulheres com esta condição estão durante o período fértil de vida nem sobre as suas experiências maternas perinatais e iniciais.
A Perturbação do Espectro do Autismo é considerada uma condição que ocorre ao longo do ciclo de vida, através da qual as pessoas experimentam uma variedade de desafios sociais, emocionais, de comunicação e de interação, complicado por um maior compromisso nas funções executivas, com padrões de comportamento e interesses limitados e estereotipados que afetam o comportamento, interpretação literal de linguagem, pensamento rígido e padrões rígidos de resolução de problemas.
Além disso, esta condição geralmente inclui alguma disfunção na modulação sensorial, manifestada por meio de hipo e hipersensorialidade a estímulos sensoriais, resultando na procura sensorial ou evitamento sensorial. Esses padrões são frequentemente demonstrados por comportamentos pouco comuns ou difíceis, maior resistência à mudança ou transições, ansiedade, acessos de raiva e reações inesperadas às experiências sensoriais comuns.
Laura, apesar de ter Síndrome de Asperger, aquilo que hoje se designa de Perturbação do Espectro do Autismo, nível 1, apresenta muitas das características anteriormente referidas. E desde que ficou grávida que algumas delas se parecem ter acentuado. Nomeadamente aquelas que têm a ver com as hipersensibilidades.
As mudanças no seu corpo, seja internamente a nível fisiológico, mas também aquelas que são visíveis para todos, o peito e a barriga a aumentar, as pernas que não param de inchar e até o próprio nariz que parece maior e achatado. Tudo isso, é novidade para Laura. E agora sabe que tem de se habituar a esta nova condição. Mas Laura parecia motivada. E além disso Laura tinha aprendido a vida inteira a adaptar-se a novas situações.
Desde as mudanças de escola e de casa, mas também quando foi estudar para a Faculdade em que teve de mudar para uma residência universitária. Nada disto foi fácil. Não o é para muitos, mas para a Laura foi um pouco ainda mais difícil.
Agora estavam na altura de ir de férias, aproveitar para pensarem os dois um pouco mais nas adaptações necessárias a fazer para o futuro. Raúl sentia que estas férias iriam ser diferentes. Com muitas perguntas como habitual. Mas ele próprio também tinha umas quantas para fazer.
Nota do autor: este é o primeiro de três texto que irão abordar o período de gestação, o parto e o pós-parto na mulher autista
Comentários