Healthnews (HN) – O que motivou a criação da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA) em 2003?

António Hilário David (AHD) – Interpelados pela necessidade de apoio às famílias com filhos com Síndrome de Asperger (SA), uma perturbação do espetro do autismo de nível 1, bem como de promover caminhos e soluções para as dificuldades encontradas ao longo da sua vida, um grupo de 20 pais decide criar a APSA, por não existirem respostas adequadas à especificidade desta problemática, que exige uma intervenção e acompanhamento diferenciados, que sejam facilitadores de uma verdadeira inclusão em espaços e contextos do seu quotidiano.

E é assim que a APSA assume a sua missão de promover o apoio e a integração social das pessoas com Síndrome de Asperger, favorecendo as condições e capacitando para uma vida autónoma e digna.

HN – Quais são os principais objetivos da APSA e como têm evoluído ao longo dos anos?

AHD – Para a concretização da dua missão, a APSA assumiu desde o início que era fundamental informar, sensibilizar e capacitar para a SA, para melhor ser compreendida, aceite e integrada, pelas comunidades educativas escolares (professores, auxiliares, alunos e pais), pelos profissionais e técnicos de saúde, bem como, todos aqueles que mais de perto lidam com estas pessoas. Isso tem sido possível graças a encontros de pais e ao projeto Gaivota (através do qual se fala da SA na voz dos pais, junto das comunidades educativas, autarquias, instituições públicas e privadas), a seminários e congressos, à tradução e edição de livros.

Acompanhando o crescimento dos nossos filhos, e perante as dificuldades existentes, quer ao nível da prossecução de estudos, quer em arranjar emprego, houve que encontrar uma resposta para o pós escolaridade obrigatória e a integração profissional, levando a APSA a criar a Casa Grande, um projeto dirigido a maiores de 18 anos.

Finalmente, a importância de um diálogo permanente com as tutelas, sobretudo da educação, saúde, emprego e segurança social, alertando para dificuldades e direitos ainda não adquiridos.

HN – A APSA tem trabalhado em parceria com empresas. Poderia falar sobre a importância dessa colaboração e como funciona o Programa Empregabilidade?

AHD – Desde a abertura da Casa Grande, em janeiro de 2014, no processo de desenvolvimento do plano individual dos jovens, foi claro para nós que a metodologia de intervenção deveria passar por atividades de integração na comunidade. Esta abertura à comunidade, permitiu iniciar experiências em empresas. No começo, as atividades eram ao nível do voluntariado. Mas, à medida que fomos dando a conhecer a nossa forma de trabalhar, começámos a ter um número crescente de empresas que, conhecendo o nosso trabalho, acolheram o nosso Programa Empregabilidade. Este programa assenta numa mediação técnica especializada, graças a uma equipa multidisciplinar, com envolvimento da família, que capacita a pessoa com SA e a equipa da empresa de acolhimento, adequa o perfil da pessoa com a necessidade da empresa, e acompanha o processo de integração, desde a adaptação do ambiente de trabalho à estruturação das tarefas e sua manutenção. As “empresas receptivas”, uma marca criada pela APSA, valorizam o apoio da APSA, pela presença e ajuda na resolução dos problemas. Há um maior reconhecimento da capacidade e qualidade de trabalho das Pessoas com SA, aumenta a responsabilidade das empresas e a consciência de que todos têm de ter igualdade de oportunidades. Muitas vezes é referido que a integração destas pessoas, melhoram a eficácia e eficiência do trabalho da empresa, facilitam as relações entre colegas; na verdade, é um benefício para todos os que fazem parte dele e gera um impacto social positivo, conduzindo a mudanças sociais expressas num maior acolhimento e inclusão das Pessoas com SA em contexto de trabalho e na sociedade.

HN – Qual é a importância da APSA ser parte da Plataforma Saúde em Diálogo?

AHD – A Plataforma constitui um espaço importante de partilha, de aprendizagem e de troca de experiências. A partir do conhecimento das necessidades das outras organizações, permite-nos perceber e definir objetivos comuns.

Por outro lado, através dos seminários e conferências, contribui para a capacitação em literacia da saúde.

HN – Que papel desempenha a Plataforma Saúde em Diálogo na promoção da voz dos doentes?

AHD – A Plataforma tem um papel muito importante, pois representa já um número muito significativo de associações, com uma grande diversidade de doenças. A sua dimensão dá-lhe força e representatividade, na reflexão e elaboração de documentos estratégicos no domínio da saúde, sendo de sublinhar a sua prática de advocacia ao longo dos anos, em defesa dos interesses e dos direitos dos doentes.

HN – Na sua opinião, quais são os maiores desafios que as pessoas com Síndrome de Asperger ainda enfrentam na sociedade atual?

AHD – Ao nível da integração escolar, e apesar de haver muitos exemplos de boas práticas, muitas vezes sem muitos meios, o que verificamos é que ainda existem escolas que não estão organizadas para uma verdadeira inclusão, existindo situações em que as famílias sentem que tudo é feito para que os seus filhos transitem para outra escola.

Depois, ao nível da integração profissional onde, apesar dos bons exemplos, há várias situações em que não são asseguradas as medidas adaptativas necessárias às características das pessoas com SA, prejudicando o início e manutenção de uma boa experiência profissional.

HN – Que mudanças ou melhorias gostaria de ver implementadas no sistema de saúde e na sociedade em geral para apoiar melhor as pessoas com Síndrome de Asperger?

AHD – Começo por referir o diagnóstico e a intervenção precoces, onde os médicos de família e pediatras têm um papel fundamental. As pessoas com Síndrome de Asperger, quanto mais precocemente for diagnosticada, mais cedo se pode iniciar uma intervenção ao nível comportamental e da interação social, promotora de um desenvolvimento pessoal que seja facilitador das atividades de vida diária e da integração nos vários contextos com que se deparam ao longo da vida, nomeadamente, familiar, escolar, profissional e comunitário. É também importante, que as equipas de intervenção precoce, estejam preparadas para uma eficaz sinalização e intervenção multidisciplinar; e que haja uma melhor articulação com as instituições, como a APSA, que vivem o problema diariamente, devendo ser valorizado o conhecimento que estas organizações têm da realidade, fruto da experiência e da reflexão permanente, para buscar caminhos novos e propor soluções.

É também importante assegurar a aplicabilidade da Norma 002/2019, que tem por objetivo uniformizar a abordagem em termos de diagnóstico e de intervenção das perturbações do espetro do autismo, promovendo boas práticas clínicas e permitindo um melhor conhecimento a nível nacional.

Refiro ainda o seguimento das consultas de desenvolvimento, de neurologia e de pedopsiquiatria, realizadas até aos 18 anos, sendo imprescindível assegurar a sua continuidade depois dos 18 anos, não se compadecendo com situações de listas de espera para consultas de psiquiatria.

É preciso rever o processo de atribuição do Atestado Multiusos e Juntas Médicas: é um processo lento e complicado, com grande tempo de espera; não existe coerência nem diretivas uniformes para todo o País; as equipas que realizam a Junta Médica, nem sempre estão preparadas para uma correta avaliação das incapacidades nas pessoas com Síndrome de Asperger.

Finalmente, é urgente a articulação intersectorial, entre a família, a educação, a saúde, o emprego, a segurança social, a justiça, numa perspetiva integral e integrada, garantindo às pessoas com Síndrome de Asperger construir um projeto de vida, que seja a concretização do direito a uma verdadeira participação social e exercício de uma cidadania ativa.

HN – Quais são os próximos passos e planos futuros para a APSA?

AHD – O futuro passa por encontrar respostas para o envelhecimento das pessoas com SA. É claro para a APSA que essas respostas devem assentar na desinstitucionalização, indo assim ao encontro das características das pessoas com SA, respeitando aquela que é a vontade de muitas delas que é permanecerem na sua casa, onde sempre viveram e se sentem bem, proporcionando um apoio no domicílio para atividades de vida diária. Obviamente que, respeitando a individualidade de cada um, poderá haver situações de exceção, quer pelas características mais limitantes e dependentes, quer por não existirem condições para permanecerem na sua casa ou de algum familiar, poderá ser necessário encontrar uma resposta alternativa, que poderá passar pela integração numa instituição, em que os recursos humanos sejam capacitados para a SA.

O importante é que se encontrem soluções, que proporcionem uma vida com qualidade e digna.

Entrevista AL