Nova força, novo vigor, bem-estar, comodidade... Estas são algumas das expressões e das palavras que habitualmente mais encontramos quando procuramos o significado literal de conforto. E, assim, depois de as analisarmos atentamente, já obtemos algumas pistas sobre o sentido desta palavra que tanto ambicionamos no dia a dia. Afinal, para nos sentirmos bem e para estarmos de bem com a vida, como se diz, precisamos de nos sentir confortáveis.
Mas como podemos definir este estado, além de uma sensação de bem-estar? Do que depende, afinal, a sensação de conforto? E como podemos estendê-lo a todas as áreas da nossa vida? Aos olhos da psicologia, o conforto é mais do que uma sensação física e psicológica de bem-estar e passa pela satisfação das nossas necessidades psicológicas e afetivas, alinhadas com os nossos princípios e valores. Nalguns casos, também poderá ser uma questão de equilíbrio.
Mas noutros não! Acima de tudo, parece, antes de mais, tratar-se de uma questão de atitude. Nas palavras da psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, "conforto e equilíbrio não são sinónimo de ausência de dor ou de emoções mais intensas e desafiantes. Traduzem, sim, a capacidade de lidar com os vários desafios do dia a dia", afirma a especialista. O conforto poderá ser então uma escolha ou até um modo de vida? Mais do que uma sensação, um modo de vida?
A influência das filosofias nórdicas
Filosofias nórdicas como o hygee, que traduz a capacidade de desfrutarmos dos pequenos prazeres da vida, ou, por exemplo, do lagoom, que propõe viver em equilíbrio e na medida certa, são a prova de que a postura que escolhemos ter pode condicionar os nossos níveis de felicidade e de bem-estar. Afinal, países como a Noruega, a Suécia e a Finlândia ocupam as primeiras posições dos rankings de felicidade, com os índices de felicidade mais elevados do mundo.
O Relatório Mundial de Felicidade, realizado pela ONU, em 2018, mostrou que os países nórdicos obtiveram elevadas pontuações ao nível dos rendimentos, da esperança média de vida, da saúde e da assistência social, mas também de valores como a liberdade, a confiança e a generosidade. Na opinião de Filipa Jardim da Silva, filosofias como estas surgem naturalmente em contextos que fomentam nas pessoas um estilo de vida (mais) saudável e seguro.
Formas de pensar conceptuais que têm na sua base políticas laborais que promovem o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. "São filosofias que vêm alinhadas com a ideia central de equilíbrio e consciência, no momento presente. No fundo, promovem uma existência mais inteira, ao invés de um piloto automático dominante. Naturalmente, como consequência, surgem maiores níveis de saúde global e felicidade", comenta a psicóloga clínica.
Conforto e equilíbrio são amigos inseparáveis
O conforto que tanto ambicionamos e almejamos também pode ser uma consequência natural de uma vida em equilíbrio, que procuramos. "Quanto mais fomentarmos um equilíbrio na nossa vida, mais tendencialmente estaremos confortáveis na nossa pele e nas nossas vivências", assegura Filipa Jardim da Silva. Contudo, esta especialista chama a atenção para a importância de adequarmos este equilíbrio ao momento ou fase da vida que estamos a viver.
"Em alguns momentos, estarmos equilibrados pode evidenciar alguns desconfortos em dimensões específicas da nossa vida, que com consciência e confiança, são passíveis de ser ultrapassados para se gerar um novo conforto, alinhado com a versão atualizada de nós mesmos", refere. "No fundo, quer a perceção de equilíbrio, quer a perceção de conforto constituem estados dinâmicos que pressupõem uma atualização permanente", explica.
"Um equilíbrio implica a satisfação das nossas necessidades psicológicas e a capacidade de lidar e gerir emoções e sensações físicas, sejam elas mais ou menos agradáveis", acrescenta ainda Filipa Jardim da Silva. A especialista ressalva ainda que "o conforto não surge associado a bens materiais mas, sim, a uma vivência em que os sentidos estão ativos e permitem criar uma existência com um sentido e propósito". Mais do que o que se tem, interessa aquilo que se vive.
O imperativo de desfrutar dos bons prazeres da vida
Conhecida como o segredo dinamarquês para a felicidade, a filosofia hygge, aconchego em português, propõe uma forma de estar que privilegia o desfrutar dos pequenos prazeres da vida, sem sentimentos de culpa. Momentos simples como beber uma chávena de chá quente junto à lareira ou uma reunião entre amigos e família são alguns exemplos de momentos hygge. Contudo, este conceito não abrange apenas momentos específicos como estes...
Meik Wiking, diretor-executivo do Happiness Research Institute, autor de "O livro do hygge", refere-se a esta procura de aconchego como "um apelo aos sentidos" que pode ser conseguido facilmente, se nos focarmos exclusivamente no presente. Se falarmos de paladar, sabemos que o sabor a hygge é quase sempre familiar, doce e reconfortante. Para tornar uma chávena de chá mais hygge, por exemplo, devemos adicionar-lhe mel de flores, idealmente biológico.
No campo da audição, sons nostálgicos ou reconfortantes são sons hygge. Por exemplo, o crepitar dos troncos de lenha a arder ou o silêncio que nos permite ouvir os pingos da chuva ou o vento a soprar lá fora. Se ativarmos o olfato, conseguiremos também sentir aromas nostálgicos que nos fazem recordar lugares onde nos sentimos seguros, por exemplo. Para a psicóloga Filipa Jardim da Silva, uma atitude hygge pode traduzir-se numa nova perspetiva.
"Pode traduzir-se na capacidade de olharmos à nossa volta e de apreciarmos um nascer do sol, o cheiro da natureza que nos envolve, os sabores do que comemos, a sensação de pisarmos relva ou a areia ou a ligação próxima que podemos usufruir com alguém de quem gostamos", refere a psicóloga. A ideia é aproveitar mais. "São estes pequenos grandes prazeres que importa fomentar e valorizar, não os dando por garantidos", sublinha ainda a especialista.
A necessidade de apelar aos sentidos
Valorizar mais o que se tem do que ambicionar aquilo que nem sempre podemos ter é o segredo. "A ativação dos sentidos e o foco no aqui e agora é essencial para alcançarmos o equilíbrio e o conforto na vida", acrescenta a especialista, explicando que "este modo de presença e consciência deixam de lado a culpa, o julgamento e a comparação e afastam também, quer o passado quer o futuro, criando espaço para o tempo essencial, o presente", refere.
A psicóloga fala também da necessidade de nos sintonizarmos com o nosso corpo no dia a dia para alcançarmos este estado de consciência. "Para conseguirmos potenciar esta forma de estar, em primeiro lugar, é importante estarmos em sintonia com o nosso corpo e dar alguns passos nesse sentido, como reaprender a respirar, dar nome às emoções que sentimos e identificar os pensamentos e sensações físicas que surgem", afirma ainda Filipa Jardim da Silva.
"Quando reservamos um minuto em cada hora para colocarmos a nossa atenção em nós mesmos, estamos a dar um passo importante para fomentarmos uma existência mais plena", afirma a psicóloga portuguesa, que deixa ainda um outro conselho. "Outra estratégia pode passar por identificarmos os pensamentos críticos que surgem enquanto tal, pensamentos que vêm e vão, que se alimentam de aprendizagens e influências", defende a psicóloga portuguesa.
"Não podemos controlar os nossos pensamentos automáticos, mas podemos reconhecer o tipo de pensamentos que estamos a ter e escolher quais os que queremos alimentar", aconselha, afirmando ainda que "esta apropriação do nosso poder de nos focarmos no que queremos ao invés daquilo que tememos, de nos olharmos de uma forma mais qualitativa e menos quantitativa, é uma estratégia eficaz para nos tornarmos menos críticos e mais presentes".
Viver na medida certa não tem de ser difícil
A filosofia lagom, conhecida como a arte sueca para uma vida mais equilibrada, também muito em voga nos últimos tempos, como se pode confirmar pela quantidade de livros publicada em Portugal, pode ser outro exemplo de inspiração para alcançarmos o conforto e o equilíbrio. "Esta filosofia fomenta o princípio do suficientemente bom por oposição à perfeição e ausência de limites", refere a psicóloga clínica e mindfull coach Filipa Jardim da Silva.
No dia a dia, esta corrente de pensamento pode, precisamente, "ajudar-nos a criar uma existência confortável e equilibrada, precisamente pela capacidade de criarmos limites nas horas que trabalhamos por dia, no tempo que despendemos em frente a ecrãs ou na quantidade de comida que ingerimos", refere. "Apoia-nos então a criar uma divisão mais sensata das horas do dia por entre trabalho, lazer e autocuidado, combatendo uma certa sofreguidão e a ansiedade em alcançar tudo no mais curto período de tempo, uma necessidade de estar em todo o lado, em fazer tudo ao mesmo tempo", descreve a mindfull coach.
"A nível material, convida-nos a escolher objetos e a fazer compras com sensatez, em função do que realmente precisamos e não numa lógica de compensação emocional, status social ou impulsividade/perda de controlo", esclarece ainda a especialista. Para sabermos exatamente qual é a nossa medida certa, é mais uma vez necessário sintonizarmo-nos com o nosso corpo e com as nossas necessidades. Só dessa forma conseguiremos definir a nossa medida certa.
"Seja a nível das horas de sono que precisamos, da intensidade de exercício físico, da frequência de socialização, do tipo de atividades de lazer ou da quantidade de comida, é importante criarmos momentos diários de auto-observação, por mais breves que sejam. As sensações físicas que observarmos no nosso corpo dão-nos a informação de que precisamos para fazermos escolhas mais sensatas na medida certa e, assim, vivermos com conforto e equilíbrio", diz.
5 passos para uma vida mais confortável
Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e mindfull coach, sugere gestos simples que podem fazer muita diferença:
1. Crie momentos diários de auto-observação. O que estou a pensar, a sentir e a experienciar fisicamente neste momento?
2. Fomente a ativação dos sentidos, por exemplo, a tomar banho ou às refeições. Coloque a sua atenção nos cheiros, cores, texturas, sensações físicas, para desfrutar de forma mais plena destas experiências diárias.
3. Comece o dia com um exercício de gratidão. Aprecie três aspetos em si ou na sua vida.
4. Finalize o dia destacando uma conquista e uma aprendizagem. Mais do que aquilo que correu mal, colocar o foco no que correu bem e no que retirou de construtivo das experiências menos positivas é importante para equilibrar a tendência negativa do nosso cérebro.
5. Cuide de si. Assim, cuide do seu sono, mexa-se diariamente, escolha alimentos que respeitem o seu corpo e o seu cérebro e rodeie-se de pessoas especiais para si.
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