Trabalhamos cada vez mais e vivemos cada vez menos, mas não tem de ser assim. Se lhe oferecessem dez milhões de dólares para trabalhar 24 horas por dia durante 15 anos e depois se reformar, fá-lo-ia? A provocação é de Tim Ferris, autor do livro «4 horas por semana» e o exemplo destina-se a ilustrar uma ideia simples. Ao contrário do que se previa, a tecnologia não trouxe mais tempo livre. O economista John Keynes previa, em 1930, uma jornada de três horas de trabalho para daí a três gerações.
A realidade está nos antípodas. Em 2012,14 por cento dos portugueses empregados (4,6 milhões) trabalhava mais de 48 horas semanais, no limiar do conceito internacionalmente reconhecido como trabalho excessivo. E não é só nos trabalhos menos qualificados. Uma pesquisa da edição brasileira da Exame mostrou que mais de metade dos presidentes de grandes empresas trabalha 12 horas/dia. Jornadas de 15 horas não são raras e apenas dez por cento não trabalha ao fim de semana.
Viver sem viver
«Há todo um movimento que convence as pessoas de que trabalhar muito, durante muito tempo, é bem visto e deve ser fomentado. Muitas pessoas começam até a sentir-se culpabilizadas se trabalharem menos. Trabalham demais, com medo de serem despedidas, de serem suplantadas, mal vistas, colocadas na prateleira», afirma o psicólogo Vítor Rodrigues. «A pressão das empresas para produzir é hoje incontornável e tão excessiva que nos desumaniza e estripa de nós mesmos», corrobora a especialista em psicologia positiva Helena Marujo.
O resultado deste estilo de vida é conhecido, como exemplifica Vítor Rodrigues. «Níveis cada cada vez mais preocupantes de stresse, aumento da incidência de doenças cardiovasculares e até oncológicas, pois todas tendem a aumentar no terreno inflamatório promovido pelo stresse, maior incidência de perturbações de pânico e ansiedade», refere. E, sobretudo, «a perceção de que o mais importante da vida está a passar ao lado, com a perda de sentido e de propósito», diz Helena Marujo.
«E medo! Medo de não ser bom em nenhuma das áreas de vida. Avaliar-se como um pai ou mãe ausente, um companheiro ou companheira em trânsito e, quando presente, tão cansado ou tão fora dali, a pensar no que ainda falta fazer, no e-mail a que não respondeu, no relatório a acabar, que se vive a vida sem viver», completa ainda a especialista.
A neurose de domingo
Ao hipotecarmos a vida desta forma, não raras vezes, quando as férias chegam, estamos demasiado stressados, cansados ou ausentes de nós próprios para desfrutar. «Dois séculos de sociedade industrial, baseada na idolatria pelo trabalho, tornaram-nos desconfiados do ócio e incapazes de experimentá-lo sem complexo de culpa», justificava à revista Época o sociólogo italiano Domenico de Masié, professor na Universidade de Roma. O fenómeno tem uma correspondência biológica.
«O ritmo acelerado durante a semana implica um aumento de produção de adrenalina. Nalguns casos, a adaptação a uma situação distinta pode levar mais tempo, dando a sensação de que não se consegue relaxar. Noutras ocasiões, sente-se mais ansiedade aquando da aproximação das férias», explica a psicóloga Raquel Botelho. No extremo, vive-se desta forma e numa excessiva identificação com o trabalho até à reforma.
«Propus um projeto de apoio psicológico e arte-psicoterapêutico à população numa Junta na Margem Sul do Tejo, devido ao reconhecimento de um elevado número de pessoas com sintomas de depressão após a reforma ou pré-reforma. Elas diziam-me que se sentiam destituídas do sentido da vida», conta a especialista.
O escritor e psiquiatra Viktor Frankl chamou-lhe «neurose dominical», uma «espécie de depressão que acomete pessoas que se dão conta da falta de sentido das suas vidas quando passa o corre-corre da semana e o vazio dentro delas se torna manifesto. O mesmo é válido para crises de reformados e idosos», escreve em «O Homem em busca de um sentido», publicado em Portugal pela editora Lua de Papel.
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Uma mente de férias o ano inteiro
«É preciso encontrar o sentido da vida no dia a dia», afiança Raquel Botelho. Perceber o que muda em nós durante as férias pode ajudar-nos a trazer essas qualidades para o quotidiano. Para o psicoterapeuta Vítor Rodrigues, é, sobretudo, um estado de abertura que nos permite «retomar passatempos, explorar novidades, estar com a família e amigos e em contacto com a natureza, ficar mais atentos ao que é interessante, novo e criativo.
«É um tempo em que tudo fica suspenso e subitamente estamos lá com quem somos e com o que nos faz sentido fazer em vez de simplesmente mergulhados em cansaço, apatia e mal-estar», sublinha. E o corpo responde rapidamente. «O sono muda, o tempo de concentração, a tensão arterial e as hormonas que estão na corrente sanguínea, tudo muda com o desligar das responsabilidades», lembra Helena Marujo.
Existe, no entanto, um problema. «O efeito das férias dura muito pouco tempo, há muitos estudos sobre isso, pelo que as empresas deviam distribuir melhor os tempos de recuperação do equilíbrio das pessoas», defende a especialista.
Temos mesmo de parar
É também o que sugere o especialista norteamericano em psicologia positiva Tal Ben Shahar, que diz que a melhor forma de aproveitar os fins de semana, férias ou reforma é trabalhar de forma a poder dispensá-los. Para isso, sugere uma mudança de paradigma que permita uma rotina feita de paragens regulares.
«A criatividade e a produtividade diminuem quando não existe tempo para recuperar ao longo do dia (15 minutos de paragem a cada hora ou duas), da semana (pelo menos um dia de pausa), e do ano (ter verdadeiramente férias a cada seis a doze meses)», afirmou numa entrevista ao Portal da Liderança. «Pequenas férias, mais frequentes e espaçadas é uma solução, assim como mais flexibilidade nos horários, recompensas e benefícios que se centrem em relaxar, cuidar da saúde, dar tempo para desligar», subscreve Helena Marujo.
O poder da criatividade
A realidade ainda está longe deste cenário, mas os estudos científicos corroboram estas ideias. Um dos mais recentes, publicado no Journal of Occupational and Organizational Psychology, em 2014, sugere que pessoas com atividades criativas fora do trabalho lidam melhor com o stresse e têm melhor performance profissional. A justificação prende-se com o tempo de recuperação, física e mental, que estas atividades proporcionam.
Nos Estados Unidos da América, a empresa Zappos, inc. paga a inscrição dos funcionários em estúdios artísticos ou cursos de escrita e dá-lhes acesso a instrumentos musicais. Algumas empresas em França impedem os trabalhadores de ter acesso ao email ao fim de semana e a partir de certas horas do final do dia, incentivando a vida além do trabalho.
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Sinta-se de férias mesmo quando não está
Estes são alguns dos comportamentos a que pode recorrer para o conseguir:
- Planeie as férias
Robert Sapolsky, professor de biologia e neurologia da Universidade de Stanford, descobriu que a produção de dopamina, uma das hormonas do bem-estar, não está tanto relacionada com o prazer, mas mais com a expetativa de se sentir prazer. É por isso que «planear as férias é tão importante quanto tê-las. Revivê-las na memória, em fotos ou conversas, é outra estratégia útil», sugere Helena Marujo.
- Defina tempo para relaxar
Faça-o conscientemente estabelecendo um período para si. «Estes 15 minutos são meus nem que a vaca tussa ou agora não leio o jornal, para estar aberto à mulher que amo, aos filhos ou aos amigos», diz Vítor Rodrigues. «Pode até marcar na agenda do telemóvel altura para relaxar», reforça Raquel Botelho.
- Medite e respire
Pratique meditação. «Ajuda a modificar os padrões cerebrais de stresse», garante o psicoterapeuta. «Ou então faça exercícios respiratórios, como acelerar a respiração e torná-la ofegante um ou dois minutos, depois vá respirando cada vez mais devagar até entrar num ritmo profundo e suave. Ajuda muito a quebrar a agitação e a ansiedade», garante Vítor Rodrigues.
- Não veja televisão
Nesse caso, «somos só recetores passivos em lugar de mandarmos na nossa mente e emoções, e isso dá-nos um sentimento de que é só isso que podemos fazer», diz o psicólogo.
- Experimente livros de colorir para adultos
No início do século XX, o psicoterapeuta Carl Jung inaugurava a pintura de mandalas como forma de terapia nos seus pacientes. Mais recentemente, apareceu a moda dos livros de colorir para adultos como terapia antistresse. A ciência explica a popularidade do fenómeno. Pintar ativa áreas diferentes do córtex cerebral nos dois hemisférios, nomeadamente áreas ligadas à visão e à motricidade fina.
Mas também tem efeitos positivos sobre a amígdala, uma parte do cérebro envolvida no controlo da emoção que é afetada pelo stresse. Além disso, ativa faculdades como a imaginação. A concentração numa atividade muito específica, como a pintura, consegue relaxar o cérebro de forma quase equivalente à meditação.
Texto: Bárbara Bettencourt com Helena Marujo (especialista em psicologia positiva e docente no ISCSP), Raquel Botelho (psicóloga e arte-terapeuta) e Vítor Rodrigues (psicoterapeuta)
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