Como criar um fundo de emergência, poupança a que podemos recorrer em tempos de crise? Como iniciar uma poupança mesmo quando o orçamento é curto? E, como fazer dessa poupança um investimento que nos garanta liberdade financeira a prazo? Três perguntas que colocamos em entrevista a Bárbara Barroso, especialista em finanças pessoais, investidora e palestrante internacional.
A também jornalista de economia é autora de um novo livro que parte de uma premissa: “ninguém enriquece a guardar dinheiro debaixo do colchão”. A autora de Ponha o Seu Dinheiro a Trabalhar Para Si (edição Planeta Estratégia) socorre-se de uma imagem ilustrativa que nos revela como nesta atitude de aforrar sem objetivos há um “bicho-papão” que consome avidamente o nosso dinheiro: “a inflação é um agente corrosivo, uma espécie de ácaro que vai ‘comer’ o nosso dinheiro parado debaixo do colchão”.
No seu método em sete passos para alcançarmos a liberdade financeira, Bárbara Barroso não nos quer dar o peixe, dá-nos a cana para aprendermos a pescar, ou seja, as ferramentas para sabermos como poupar para, depois, nos fazermos investidores com sentido crítico e conhecedor. Para isso, há que saber construir um caminho, aprender a orçamentar, planear, investir e pôr o dinheiro a trabalhar a nosso favor.
No discurso da autora de MoneyBar, podcast de negócios, não há inevitabilidades, ou seja, todos podemos reprogramar a forma como pensamos o dinheiro; como também não há frases-feitas (“o dinheiro não traz felicidade”) que nos afastam do objetivo primeiro: multiplicar dinheiro, fazê-lo crescer e render.
Qual foi o melhor conselho sobre finanças pessoais que recebeu na vida?
Possivelmente dos meus avós. Da minha avó, o de ter sempre um pé-de-meia que, no livro, retrato como o fundo de emergência para qualquer eventualidade do dia a dia. Do meu avô, o conselho de só comprarmos aquilo que coubesse no nosso bolso. Ou seja, se não tivesse capacidade para comprar algo, teria de poupar para adquirir. Julgo que estes ensinamentos são transversais e que, por vezes, esquecemo-nos das bases, de como no passado, quando havia menos condições económicas e financeiras e acesso a muito menos coisas, se fazia uma gestão inteligente do dinheiro.
Aliás, a Bárbara conta uma história da sua infância, com a sua avó, de quando dela recebe mil escudos.
A minha avó Laura é a minha maior referência como empreendedora. Tinha uma empresa de limpeza de final de obras. Eu passava as férias de verão com ela, às vezes até a ajudava nas limpezas, embora preferisse ir para a praia [risos]. Recordo-me da minha avó me dar mil escudos e a primeira coisa que fiz foi trocar por notas de cem escudos. Todos os dias passo pelo café onde, em miúda, entrei e, com nove anos, disse à minha mãe: “escolhe um gelado que eu pago” [risos].
Já existia nessa atitude o lado de investidora sensata.
Mil escudos eram, para mim, muito dinheiro. Gastei uma parte e o resto guardei. Ao trocar os mil escudos por notas de cem, tornava-se mais fácil gerir o dinheiro em décimas partes.
Em 2005, juntei à ganância a falta de literacia financeira e, as parcas poupanças que tinha, perdia-as todas. Foi duríssimo.
A Bárbara interessa-se pela área financeira em 2004. O que a motivou nesse sentido?
Recordo-me que, ainda na faculdade, lia todos os dias o Diário Económico, não entendia metade, mas procurava saber mais. Por volta de 2004/2005 comecei a trabalhar como jornalista da área financeira e conheci, numa conferência, um investidor profissional espanhol que me explicou como funcionavam os mercados de futuros e investimentos derivados. Vi aí a possibilidade de ganhar dinheiro tendo pouco. Isto é muito aliciante. Também eu, jovem, assim fui aliciada. Interessei-me por bolsa. Em 2005, juntei à ganância a falta de literacia financeira e, as parcas poupanças que tinha, perdia-as todas. Foi duríssimo, pois acumulara muitos trabalhos para conseguir poupar. Houve um momento de revolta, mas também um grande ensinamento.
Foi, de facto, um momento de grande abalo e conto-o no livro. Hoje, com distanciamento, aquele episódio de dor abriu-me o caminho que trilhei. Fui estudar afincadamente os mercados para perceber onde errei.
A Bárbara fez desse momento de fraqueza a sua força.
Houve ali um momento em que pensei virar costas. Quis perceber como há pessoas naqueles mercados que conseguem juntar riqueza e que caminho seguiram.
Referiu há pouco a palavra ganância. Pode esta trazer-nos algo de positivo?
Em si, a ganância encerra algo de pejorativo. Considero que, por vezes, se confunde ganância com ambição; teimosia com perseverança. São expressões que andam num limbo. Todos nós, seres humanos, temos momentos de ganância. Reprimi-la é pior do que aprendermos com ela. Temos manifestações de ego, estamos programados para o curto prazo, procuramos coisas mais fáceis, mais confortáveis que nos causam menos dor.
Onde pode a ganância ser mais perigosa? Leva-nos a cairmos em burlas. Dou o exemplo com o momento presente: saímos de uma pandemia, estamos numa situação de guerra dentro das fronteiras europeias, o que nos mantém em estado de alerta e o medo leva-nos a ser irracionais. Baixamos o racional e começamos a atuar mais por impulso. A história mostra-nos que quando a crise aperta há mais oportunistas, porque estamos mais vulneráveis ao isco do dinheiro rápido e fácil. Num primeiro momento retraímo-nos, mas os burlões, oportunistas, constroem uma narrativa que nos leva a acreditar. Um grande exemplo das maiores burlas dos últimos anos é o caso do norte-americano Bernard Madoff que enganou Wall Street e o mundo inteiro.
Saímos de uma pandemia, estamos numa situação de guerra dentro das fronteiras europeias, o que nos mantém em estado de alerta e o medo leva-nos a ser irracionais.
Devemos desconfiar de todas as propostas de dinheiro fácil?
Sim, devemos ficar imediatamente em estado de alerta.
A Bárbara cita no seu livro um conhecido provérbio chinês: “dê ao homem um peixe e ele alimentar-se-á durante um dia. Ensine o homem a pescar e ele alimentar-se-á toda a vida”. Parece-me óbvio que o podemos aplicar ao seu método para atingir a liberdade financeira.
Quando eu dou um peixe a uma pessoa crio-lhe uma dependência, porque quando quiser comer de novo, há de voltar para pedir mais peixe. Dou-lhe um exemplo: quando me perguntam qual a melhor ação na qual investir, as pessoas querem o peixe. Não adianta, dar-lhes o peixe porque, amanhã, posso não estar cá. Se eu ensinar essa pessoa a pescar, conseguirá tomar melhores decisões na vida, tenha o dinheiro que tiver, no país onde estiver, terá as ferramentas certas, farão as perguntas certas, estará em estado de alerta para desconfiar sempre que não entender algo.
Enquanto jornalista acompanhei os casos BES, BBP, Afinsa [escândalo relacionado com o investimento em selos], BPN e, nos Estados Unidos, o caso Lehman Brothers. Infelizmente, já acompanhei de perto pessoas que perderam tudo por serem enganadas. Lembro-me de uma conversa com um senhor, quando tivemos o caso BES, e de lhe dizer: “não desconfiou de lhe darem 6% de juro quando todos à volta davam 3%?” Diz-me a pessoa: “Bárbara, aquilo parecia-me muito bom, mas era num banco credível”. Se conhecer qual é o benchmark [referência de mercado] dos juros, que são a bitola para o risco a nível global, e se souber que a taxa é zero, as ofertas dos bancos não podem andar muito longe disso. Caso contrário irão perder dinheiro. Se os juros estão a zero, não há ofertas de juros a 2%. Quer dizer, pode haver numa promoção a dois ou três meses. Uma realidade que não encontramos neste momento.
Dedica um capítulo do seu livro ao pensamento das pessoas milionárias. Na realidade, algumas destas pessoas antes de serem milionárias seriam “remediados”. Haverá, nestas pessoas algo de diferente, uma predisposição para a riqueza?
Acredito muito no ambiente e, em certos casos, na personalidade. Dou-lhe um exemplo tangível: quantos de nós conhecemos irmãos que cresceram no mesmo ambiente, expostos aos mesmos traumas, e têm reações diferentes? Há, aqui, uma questão de personalidade, mas podemos fazer uma reprogramação financeira.
Dados da OCDE indicam que demoramos duas gerações a sair da pobreza extrema. Isto revela como ambientes fortes nos podem condicionar. Mas, temos exemplos que contrariam isto. Dou-lhe um exemplo com o Cristiano Ronaldo que, ainda criança, saiu da Madeira, chorava todos os dias, mas mantinha o seu foco. Não se deixou condicionar pelo meio pobre que o rodeava. A questão que fica é se alcançaria o que alcançou se tivesse ficado pela Madeira? Duvido. Tinha de crescer no ambiente certo.
Por isso, muitas vezes menciono a questão de nos rodearmos das pessoas que nos inspiram em detrimento daquelas que ‘nos põem em baixo´. Muitas vezes se afirmarmos que queremos atingir a liberdade financeira, entrar mais cedo na reforma, temos pessoas próximas que nos dizem, “agora achas que vais ficar rico?”.
Dados da OCDE indicam que demoramos duas gerações a sair da pobreza extrema. Isto revela como ambientes fortes nos podem condicionar.
Para seguirmos o seu plano de sete passos temos de abandonar algumas frases-feitas como “o dinheiro não traz a felicidade”?
Dou-lhe outra frase: “sorte no amor, azar ao jogo”, como se fosse uma condição termos uma coisa e não a outra. Essa é uma enorme crença limitadora. Muitas vezes há crenças por exclusão. A pessoa não deve depender a sua felicidade da condição financeira, mas digo-lhe uma coisa, pobreza não traz felicidade nenhuma.
Poupar é a rampa de lançamento para nos tornarmos investidores?
Sim. Há neste aspeto um ponto importante, o de aumentar a capacidade de poupança. O primeiro patamar de poupança é constituir o fundo de emergência, isto antes de pensarmos em liberdade financeira, reforma antecipada, numa casa para daqui a dez anos. Não faz sentido canalizar poupança para longo prazo e não ter capacidade para suportar um imprevisto. O ideal, e as boas práticas assim o recomendam, é termos um fundo de emergência para três a seis meses. Quando entrámos em pandemia, revi estes montantes e considerei que o ideal é de seis a doze meses. Supondo que tem por mês cerca de 1000 euros de despesas, o seu fundo de emergência deve ter entre 6000 e 12000 euros. Muitas pessoas que me acompanham enviaram-me mensagens a agradecer este conselho. Muitos negócios encerraram definitivamente, as pessoas viram-se sem subsídios, houve setores fechados quase dois anos. Ter um fundo de emergência salvou muita gente.
A Bárbara conhece bem o contexto português, de baixos salários. É uma realidade que permite a poupança, imaginemos, a alguém que viva com o salário mínimo?
Algo que presenciei por viajar muito no nosso país é o facto de algumas pessoas com mais idade, algumas com a reforma mínima, conseguirem aforrar 30 euros por mês, 360 euros no final do ano. Por vezes, o suficiente para pagar, por exemplo, dois seguros contra terceiros do carro.
A partir de que valor se considera que estamos a poupar?
Depois de pensar sobre o assunto, investigar, calcular, cheguei a um valor, os 30 euros mensais, tendo em conta o valor dos ordenados em Portugal. Contudo, há um ponto que é preciso frisar: muitas pessoas não têm capacidade de poupança porque os salários são baixos em Portugal. É muito difícil. Se nestas condições encontro pessoas que conseguem poupar? A resposta é um sim, mas são muito frugais e têm um controlo orçamental muito grande.
A inflação tem um impacto no nosso bolso, todo os dias, e as pessoas que têm o seu dinheiro parado estão a ficar mais pobres.
Chega um ponto onde não há mais onde cortar.
Sim, e refiro-o no livro. Há mínimos até onde podemos cortar. Repare, a poupança é a diferença entre as receitas e as despesas. Logo, temos três hipóteses para aumentar o nível de poupança: ou reduzo as despesas, ou aumento a receita, ou, idealmente, faço os dois ao mesmo tempo. O que acontece, quando pergunto às pessoas como poupar, a resposta é dizerem-me que vão cortar nas despesas. Mas há um mínimo a partir do qual não dá para descer mais, até mesmo por uma questão de dignidade. Então, como aumento as receitas? Temos de aprender a ganhar dinheiro, não há outra forma.
Poupar é diferente de dizer que temos dinheiro parado?
A diferença entre poupar e investir é que, no segundo caso, estou a criar riqueza. Por vezes, para poupar, até uso o verbo aforrar porque está mais ligado a guardar. Quando guardo o meu dinheiro, onde o vou ter? No mealheiro, numa conta-poupança que não me vai render nada? Por cada dia que passa que tem o seu dinheiro parado está a ficar mais pobre.
Todos ouvimos falar neste momento de inflação. Esta é uma verdadeira devoradora de dinheiro…
A inflação tem um impacto no nosso bolso, todo os dias, e as pessoas que têm o seu dinheiro parado estão a ficar mais pobres, pois se não o investirmos, iremos comprar cada vez menos coisas. Todos conhecemos uma marca famosa de gelados. Quando era miúda comprava um gelado por 40 cêntimos. Quem o compra agora por esse valor? No nosso salário, tal como nos investimentos, ou conseguimos um aumento que acompanhe a inflação ou estamos a perder dinheiro. Costumo dizer que há um ácaro que come o nosso dinheiro, a inflação [risos]. O mesmo se passa em relação aos investimentos, ou conseguimos retorno acima da inflação ou estamos a perder dinheiro.
Digo-lhe uma coisa, pobreza não traz felicidade nenhuma.
Em que pontos se deve concentrar quem, com uma baixa literacia financeira, pretende tornar-se investidor?
Há que saber qual o perfil de investidor da pessoa [conservador, moderado, dinâmico]. Se, por exemplo, for conservador, há de querer conservar o seu capital, sem muito risco. Como primeiro objetivo, como já referi, há que constituir o fundo de emergência. Depois, começar a poupar para um objetivo [um complemento de reforma? A liberdade financeira?] e o seu prazo. O prazo dá-nos uma orientação para qual pode ser a melhor alternativa de investimento. Se tenho mais de 10 ou 20 anos de trabalho pela frente até à reforma, mesmo que tenha um perfil conservador, posso ir por um determinado caminho; se estou a dois anos da reforma, não posso ir por certos caminhos como um Plano Poupança Reforma (PPR) ou um fundo de investimento que tenha, por exemplo ações. Ou seja, não tenho tempo para mitigar o risco. Nos investimentos procuramos o melhor retorno possível com o menor risco possível. Mas, atenção, não há risco zero. Quando alguém nos diz que o risco é zero, não devemos acreditar.
Como podemos saber qual o nosso perfil?
Por exemplo, os bancos fazem o teste de adequação de risco para avaliar o perfil do indivíduo e apresentam os produtos às pessoas em consonância com isso. Agora, a pessoa dever saber fazer as perguntas certas. O meu livro não quer tornar ninguém em diretor financeiro ou analista, antes é dedicado ao cidadão comum. Quando este vai ao banco sentirá que já não há uma assimetria, saberá fazer as perguntas certas. A literacia financeira empodera as pessoas.
Não há risco zero. Quando alguém nos diz que o risco é zero, não devemos acreditar.
Dizer que temos o dinheiro a trabalhar para nós é diferente de dizer que não temos de nos preocupar com a forma como está a trabalhar?
Há que fazer a gestão do património. Todos nós conhecemos histórias de jogadores de futebol que ganharam muito dinheiro e vão à falência, mesmo quando ganharam o suficiente para toda a vida. Não fazem a gestão do património. Outro exemplo, está em alguém que ganha milhões num jogo de sorte e que o desbarata. Como se faz isto? Esta questão bate no ponto da mentalidade de rico e de pobre. Ou seja, continuo a ter um comportamento de pobre tendo muito dinheiro.
Uma das coisas que entendi ao longo destes anos de formações é que a falta de literacia não se prende com o rendimento das pessoas. Já dei formações a pessoas dos seis aos 90 anos, a pessoas com analfabetismo e a CEOs e, digo-lhe uma coisa, o nível de literacia financeira pode ser igual.
Ao referir-se a crianças de seis anos está a dizer-nos que a literacia financeira pode ter trabalhada em tenra idade?
O hábito de poupar é fundamental na criança. Defendo que a educação financeira devia ser ensinada nas escolas, havendo uma reforma grande que ajustasse a escola à nova realidade. Continuamos a optar por um método expositivo que, tal como na era industrial, preparava as pessoas a irem para fábricas. Continuamos a privilegiar a memória e não damos ferramentas às pessoas para pensarem. Chega-se à idade adulta sem saber nada sobre dinheiro e sobre relações interpessoais. Com seis anos de idade é possível, em casa, na escola, começarmos a introduzir o termo dinheiro. Esta continua a ser uma palavra tabu. Há que saber dar às crianças o poder para tomarem decisões e conhecerem as respetivas consequências. Por exemplo, dar-lhes cinco euros e fazer a criança perceber que poderá poupar, não gastar esse dinheiro no imediato.
Entrevista publicada em agosto de 2022.
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