Entre os animais alvo de conservação, há muitos, como por exemplo as aves, que se deslocam em distâncias consideráveis - desde movimentos diários de vários quilómetros até migrações sazonais intercontinentais. Apesar disso, os métodos tradicionalmente usados para identificar e quantificar ameaças a estas espécies nas áreas protegidas dependem das contagens de animais em locais fixos. Não tendo assim em conta os seus movimentos que unem locais dentro e fora da(s) área(s) protegida(s).
Este artigo foca-se numa espécie, o maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa). Trata-se de uma ave que consta na lista de espécies para as quais uma secção do estuário do Tejo foi designada como Zona de Proteção Especial (ZPE) - um estatuto de proteção enquadrado na Diretiva das Aves da União Europeia e adotado pela legislação nacional.
O estuário do Tejo é um dos locais mais importantes para os maçaricos-de-bico-direito, abrigando dezenas de milhares de indivíduos não só durante o inverno, mas também no período da migração de primavera. Período esse, em que estas aves se concentram nesta zona húmida antes das viajarem para as suas áreas de reprodução mais a norte.
Este estudo, publicado na revista científica Animal Conservation, foi liderado por investigadores do CESAM e do Departamento de Biologia da UA. O trabalho contou também com a contribuição de investigadores da Universidade da Islândia e de East Anglia, no Reino Unido.
Uma nova metodologia
Os autores deste estudo argumentam que os métodos atuais para quantificar impactos sobre animais altamente móveis nas áreas protegidas são insuficientes.
Josh Nightingale, investigador do CESAM e da UA, explica as limitações dos métodos tradicionais: “Se eu for ao aeroporto de manhã cedo contar as pessoas que estão presentes quando os primeiros voos do dia estão prestes a sair irei certamente contar várias centenas de pessoas”. Mas nesse mesmo local, explica o investigador, “estarão apenas algumas pessoas após esse horário de maior movimento, ou seja, o momento da contagem faz a diferença. A mesma coisa pode acontecer nas contagens de aves: ao contar num período de menor afluência, ou assumir que os indivíduos contados são sempre os mesmos, corremos o risco de subestimar a importância do sítio e da conectividade entre locais usados para diferentes fins, como para alimentação ou descanso”.
Para responder a este problema os investigadores usaram informação sobre os movimentos de aves marcadas individualmente e aplicaram um método estatístico chamado Análise de Redes. A equipa de investigadores capturou e colocou combinações únicas de anilhas coloridas nas patas dos maçarico-de-bico-direito, o que permitiu que estas fossem observadas à distância nos seus habitats naturais.
Esta espécie nidifica no norte da Europa e passa o inverno em zonas húmidas da Europa do Sul e na África Ocidental.
Os autores do estudo recolheram informação sobre os movimentos destas aves dentro do estuário do Tejo entre os anos 2000 e 2020. E com esta informação analisaram os efeitos da construção de um aeroporto no Montijo, com aviões a sobrevoar a área protegida a baixa altitude (a partir de 200 metros) e uma elevada frequência (um movimento a cada 2,5 minutos), tal como descrito no Estudo de Impacte Ambiental.
José Alves, investigador principal do CESAM e da UA refere: “Utilizámos as observações individuais de maçaricos-de-bico-direito que invernam no estuário do Tejo para calcular quantos deles utilizam locais que serão afetados pelo ruido provocado pelas aeronaves, nos níveis que se sabe produzirem efeitos no comportamento das aves, incluindo o abandono destes locais. Pudemos assim prever o impacto do aeroporto em futuros movimentos de maçaricos em todo o estuário”.
Os resultados obtidos
Os resultados revelam que os impactos agora estimados são substancialmente superiores aos quantificados pelo Estudo de Impacte Ambiental desenvolvido para o projeto desta infraestrutura aeroportuária. Discrepância essa que pode resultar também da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) não ter tido em consideração que muitos dos indivíduos usam locais dentro e fora da Zona de Proteção Especial (ZPE).
Como salienta Josh Nightingale: “O Estudo de Impacte Ambiental estimou que menos de 6 por cento da população do maçarico-de-bico-direito da ZPE será afetada. No entanto, ao considerar os movimentos de maçaricos de forma individual e tendo em conta aqueles que usam a zona impactada pelo ruído, descobrimos que mais de 68 por cento dos maçaricos que invernam no estuário do Tejo estariam expostos à perturbação causada pelas aeronaves, e 44 por cento considerando apenas os que usam a ZPE”.
Os investigadores demonstram também que as aves seguidas individualmente são muito fiéis a um pequeno número de locais ao longo das suas vidas (alguns indivíduos foram seguidos durante 13 anos consecutivos). O que gera preocupações de que estas aves possam não vir a utilizar as novas áreas de habitat eventualmente criadas como medidas de compensação pela perturbação causada por um aeroporto no Montijo, tal como proposto na DIA.
José Alves salienta: “Esta abordagem para calcular a pegada de impacto ambiental pode ser aplicada noutras áreas protegidas, particularmente naquelas cujas ameaças possam afetar aves aquáticas, e para as quais informação sobre os seus movimentos esteja disponível”.
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