Há uma eloquência nos números grandes que, por si, dispensando adjetivações e enumerações fastidiosas, tem uma substancial natureza pictórica. Números pesados, que nos chegam aos olhos com a mesma força da célebre frase “uma imagem vale mil palavras”.
Neste caso, são números que nos dão a dimensão de uma tragédia anunciada. Um “apocalipse de plástico” como o descreveu o fotojornalista norte-americano Randy Olson que participou num trabalho alargado sobre esta questão para a revista National Geographic. Veja-se o número: 8 milhões de toneladas de plástico acabam anualmente nos oceanos.
Alargando a escala, das 8,3 mil milhões de toneladas de plástico que se calcula terem sido produzidas até ao ano de 2015, 6,3 mil milhões serão hoje desperdício. Entre reciclagem e incineração, apenas 21% destes resíduos terão sido tratados.
Extrapolando dos números para a realidade concreta, vemos a corporização destes dígitos nas manchas de lixo que se acumulam no Oceano Pacífico, nas dezenas de bacias fluviais afogadas em plástico, nos microplásticos no Ártico, no mesmo material encontrado no oceano profundo.
O que constitui o corpo destas torrentes marinhas de plástico? Cotonetes, garrafas, sacos, paus de chupa-chupa, baldes, escovas de dentes, talheres de plástico, palhinhas, entre milhares de outros detritos provenientes de diferentes materiais (polietilenos de alta e baixa densidade, polipropileno, cloreto de polivinilo, etc.) a que comumente chamamos plástico.
Em comum com todos estes detritos oceânicos, o facto de nenhum nos ser estranho, todos já passaram pelas nossas casas, muitas vezes de forma fugaz. O tempo de vida útil de um saco de plástico não ultrapassa os 15 minutos. A sua permanência no meio ambiente? Estima-se que 500 anos. Em extremo, um período de tempo ainda por determinar.
Vivemos face a um “Armagedão oceânico” como o descreveu Erik Solheim, diretor do Programa Ambiental da ONU, numa cimeira que decorreu em 2017 em Nairobi, capital do Quénia. Uma expressão que Solheim consubstanciou no mesmo encontro: “A este ritmo, vamos acabar por ter mais plástico nos oceanos do que peixes”.
Uma ideia reforçada neste entrevista por Carmen Lima, Coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus. Encontramo-nos com a engenheira do ambiente numa ilha de paz no coração da capital, numa das casas da Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, em pleno Parque de Monsanto. Não obstante a envolvente serena, esta não é uma conversa amena na abordagem. Falar de plástico neste alvor do século XXI é tocar, como aqui exposto, num tema que sintetiza a forma displicente como olhamos para esta nossa casa comum, o planeta Terra.
Como ponto de partida para este tête-à-tête, o espanto de percebermos que estamos submersos num material inventado há menos de cem anos, produzido em larga escala desde os anos de 1950 e com um substancial incremento. Só em 2015 foram produzidas mais de 400 milhões de toneladas de plástico (contra 2 milhões de toneladas em 1950).
Uma conversa que parte, também, de uma provocação. O plástico tem estado há décadas presente em grandes avanços civilizacionais, das conquistas espaciais aos avanços na medicina. O mundo ganha ou perde mais com a sua utilização?
Isto considerando que no que toca aos plásticos e ao seu uso e desperdício intensivo, o futuro não se mede a longo prazo. 2050, ano em que se estima que possa haver mais plástico do que peixe no oceano, é já ali.
O Plástico. Esta é um produto com uma história recente, com pouco mais de um século. Um período curto, mas com resultados catastróficos. Um “apocalipse de plástico” como o descreveu o fotógrafo Randy Walson. Julgo que será expressão partilhada pela Carmen?
O plástico foi criado como se fosse uma joia, com um preço muito acessível e resposta de aplicabilidade muito grande. É um material fácil de trabalhar, com um preço interessante e com um leque de aplicações muito grande. Isto permitia, por exemplo, que determinadas matérias se tornassem portáteis devido ao reduzido peso deste produto. Outra característica prende-se à sua durabilidade. Os materiais produzidos em plástico têm uma grande durabilidade com vantagens, por exemplo, no que toca à construção.
Durante muito tempo, ignorou-se os efeitos que o plástico poderia vir a ter para a saúde humana, não se sabendo como as pessoas iam lidar com esses materiais. Só recentemente as sociedades modernas começaram a implementar recolha seletiva dos resíduos domésticos, industriais e de construção e muitas sociedades ainda não têm esta recolha seletiva implementada. Ou seja, a madeira, o papel e os plásticos vão parar a destinos não adequados, como praias, ribeiras, mares e florestas.
Acresce que, no que respeita aos plásticos o seu tempo de vida é desconhecido…
Os outros materiais acabam por se degradar em menos anos, mas o plástico, dada a sua durabilidade, terem uma desvantagem quando se transforma em resíduo, permanece. Há estudos que nos indicam que demora até 500 anos a degradar-se. O impacto da durabilidade é negativo para o ambiente.
Carmen, em extremo vivemos com todo o plástico que até agora produzimos, certo?
Tal e qual. O plástico que está nos oceanos está acumulado há dezenas de anos, vamos adicionando e acumulando mais resíduos, por isso é que chegámos a esta dimensão trágica, a de termos ilhas oceânicas apenas constituídas por materiais em plástico.
Temos uma grande panóplia de materiais com impacto na fauna marinha, não só os que são ingeridos pelos peixes e que entram na cadeia alimentar dos humanos porque consumimos esses peixes, mas também os plásticos de maior dimensão que são ingeridos por espécies maiores.
Esse plástico é o que se vê, o de dimensão considerável. Hoje percebemos que também vivemos com os microplásticos e os nanoplásticos.
Essas categorias são as que mais nos preocupam. Têm origens diferentes, por exemplo em cosméticos, como os exfoliantes, dado que a maior parte tem microesferas de plástico. Outros, são produzidos para lavagem da roupa que, muitas vezes, também já é fabricada com fibras sintéticas. Vamos encontrá-los nas pastas de dentes, na própria degradação dos materiais de plástico de maior dimensão. Estes plásticos de menor dimensão, facilmente vão sendo escoados para as ribeiras, rios e mares e são ingeridos pelos peixes.
Temos uma grande panóplia de materiais com impacto na fauna marinha, não só os que são ingeridos pelos peixes e que entram na cadeia alimentar dos humanos porque consumimos esses peixes, mas também os plásticos de maior dimensão que são ingeridos por espécies maiores. Há qui um efeito perverso. Os animais confundem estes plásticos com alimento, sentem-se saciados porque o estômago está cheio mas na realidade morrem à fome.
Ainda recentemente foi público o caso da baleia que tinha 80 sacos dentro do estômago.
É uma relação difícil esta que o mundo tem com o plástico. Isto porque tem estado presente em grandes avanços civilizacionais, basta pensar na medicina, nas comunicações. O mundo tem mais a ganhar ou a perder com o plástico?
É um dilema, temos dois problemas para os quais temos de ter solução; o primeiro é a forma como usamos o plástico, em muitas situações usamo-lo abusivamente, como o caso dos sacos de plástico dos supermercados. As pessoas usavam, por vezes, um saco por produto, não tendo consciência do uso dos combustíveis fósseis no fabrico deste e do uso exagerado do recurso.
O outro problema é a forma como descartamos o plástico. A maior parte das pessoas não o encaminha para reciclagem. Por exemplo, quando fazem um piquenique se não houver contentor, deixam o saco no chão. Quando fazemos limpezas de praias verificamos que há sacos dispersos.
Portanto, o problema que temos assenta nestes dois pilares, o uso abusivo e o mau encaminhamento. Temos consciência que em algumas situações, como na medicina, o plástico tem uma importância muito grande. Quando fizemos a avaliação de como reduzir a utilização de plástico nos hospitais, percebemos que por questões de higiene e assepsia do meio, o plástico é a solução para o mesmo.
Nós não temos como objetivo acabar com o plástico no mundo, o nosso foco é acabar com o uso abusivo do plástico, em situações como o descartável, dado existirem opções mais sustentáveis.
Na prática não conseguiremos erradicar o plástico?
Nós não temos como objetivo acabar com o plástico no mundo, o nosso foco é acabar com o uso abusivo do plástico, em situações como o descartável, dado existirem opções mais sustentáveis. No caso de aplicações que não são possíveis de enviar para reciclagem, como os cotonetes que acabam nas sanitas, então temos de proibir que sejam produzidos com plástico, tendo como alternativa materiais biodegradáveis. O problema existe em Portugal, na Europa e em todo o mundo. Há necessidade de foco na reciclagem dos materiais, com campanhas de sensibilização. Não nos podemos esquecer que muitas pessoas ainda têm dúvidas em relação à separação dos resíduos.
Neste sentido, a Carmen referiu, precisamente, numa entrevista, que as pessoas não reciclam por falta de sensibilização, mas por falta de conhecimento. Quer explicar-nos?
Sim, quando falamos com as pessoas, estas referem que estão preocupadas com a poluição marinha, sabendo que nos aterros o lixo fica enterrado para sempre e que não há solução. Depois, recebemos telefonemas com questões pertinentes sobre a separação de resíduos: “O prato descartável, deixo-o no contentor amarelo? Onde coloco as cápsulas de café?”. São dois exemplos. Diariamente, recebemos dúvidas de pessoas preocupadas, mas é difícil fazerem a separação em casa e têm dúvidas porque há uma diversidade de materiais muito grande e há uma variedade de soluções muito dispersa.
Quer dar-nos alguns exemplos?
O equipamento eletrónico tem um destino, a cápsula de café tem outro, o óleo alimentar outro destino completamente diferente. É quase necessário um manual para se conseguir fazer essa separação, é normal que as pessoas tenham dúvidas relativamente a isso.
Se eu for um consumidor preocupado, mas não informado posso aceder a alguma plataforma que me ajude?
Por enquanto não, mas nós, Quercus, estamos a preparar, para lançar em breve, uma aplicação digital para smartphones e para computador, a pensar nas autarquias, porque por vezes as pessoas dizem-nos que as contactaram, mas que essas entidades não sabem responder.
Esta aplicação dará resposta ao destino dos resíduos com 57 tipologias diferentes, de origem doméstica. Existe esta diferenciação para os resíduos domésticos e também georreferenciação para que as pessoas saibam onde os podem deixar perto da sua casa ou trabalho.
Visto desta forma, tenho razões enquanto cidadão, para me sentir inseguro quando a minha autarquia, na qual eu delego os meus resíduos domésticos, não sabe que caminho lhes dar…
Claro, imagine um diabético que todos os dias faz análise ao teor de açúcar no sangue e que injeta uma dose de insulina. Trata-se de uma pessoa que tem preocupação em relação ao encaminhamento para as agulhas. Pode ligar para todo o lado que ninguém sabe dar resposta.
Outro caso, prende-se com as obras em casa e as sobras de tinta. Não tem onde entregar essa tinta sobrante. A falta de resposta para alguns tipos de resíduos causa revolta nas pessoas, pagam uma taxa, querem diferenciar, têm consciência que haverá uma consequência grave se não for encaminhado e não têm resposta para alguns resíduos.
Repare, é pedido à população para participar e, quando participa, não tem resposta. Temos de colmatar este problema.
Outra questão que pensamos que tem de ser trabalhada, relaciona-se com a taxa que é aplicada ao lixo e que vem na fatura da água. Imagine duas famílias, ambas com um agregado de quatro pessoas. Agora repare, se eu for uma pessoa mais sensível a esta questão do que o meu vizinho, separando o meu lixo todo, tendo o cuidado de não comprar tantos produtos embalados, no final do mês pagamos o mesmo valor de taxa. Já fomos contactados por pessoas com este sentimento de injustiça. Leva a que haja cidadãos que deixam de fazer a separação. Deverá existir um método de taxa aplicada à mistura de resíduos e não aos que foram separados. Esta poderá ser uma solução futura mais justa para separar resíduos domésticos.
Falando de taxas. Desde 2015 os sacos de plástico passaram a ser taxados. A Carmen veria com bons olhos estender essa taxa a outros produtos de plástico?
Exatamente, nós apresentámos ao Ministério do Ambiente, no decurso da Semana Europeia de Resíduos, uma proposta que passaria por diferenciar a taxa do IVA dos produtos descartáveis e dos produtos que incorporem matérias-primas recicladas na sua composição. Neste último caso, o IVA deveria ser mais baixo. Exemplos entre os descartáveis, são as palhinhas e cotonetes que usamos dez segundos e com um impacto a muito longo prazo no ambiente.
O cidadão teria vantagens neste caso?
As pessoas têm de perceber que são beneficiadas se optarem por produtos que contêm matérias recicladas e que pagam mais se optarem por produtos que não têm. Sabemos que é difícil mudar hábitos se não associarmos uma taxa. No caso dos sacos, alertámos as grandes superfícies para que fizessem ações de sensibilização para que os consumidores percebessem a redução da distribuição gratuita de sacos. Na prática, o que mudou atitudes foi a introdução da taxa. Quando as pessoas sentem na carteira há uma mudança radical de comportamentos.
No mesmo sentido, está em cima da mesa a proposta do Ministério do Ambiente para o depósito das garrafas de plástico, até porque a Comissão Europeia apresentou uma medida muito ambiciosa, recolher 90% das garrafas de plástico que são colocadas no mercado. Com esta solução do depósito, a pessoa entrega e recebe qualquer coisa em troca. Na nossa perspetiva, se for dinheiro e não senhas de supermercado, certamente haverá maior adesão.
Tornámo-nos cada vez mais exigentes. Vivemos numa sociedade a um ritmo alucinante em que utiliza os recursos não renováveis de uma forma descuidada e que não tem noção do impacto que isto tem a nível de sustentabilidade do planeta.
Estes números deixam-nos boquiabertos. Dos 8300 milhões de toneladas de plástico por tratar, mais de 6300 milhões transformaram-se em resíduos. Destes 5700 milhões de toneladas nunca entraram para reciclagem. O mundo não está a reciclar.
Muitas vezes os industriais do plástico usam a bandeira deste ser reciclável e não ter um impacto tão negativo. Há uns dias, o presidente da AHRESP [Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal] afirmava que o plástico não é problema por ser passível de ser todo reciclado. Mas se eu for a um café e me for dada louça descartável, eu não tenho contentores diferenciados para copos, talheres, pratos que podem ser reciclados.
Se não tenho incentivo à separação, posteriormente esses materiais também não vão ser separados. Acontece que, estando eu a misturar este plástico com restos de comida, estou a contaminar o material e a diminuir a sua capacidade de reciclagem.
Sentimos aqui as velocidades das gerações. Temos uma geração mais nova, mais sensível e com educação ambiental, ministrada na escola em relação à reciclagem e lixo no chão. Temos uma geração rebelde que se não tiver meios perto não recicla. Há, ainda, uma geração mais preocupada e que, em termos de consumo, até tem a preocupação de usar menos plástico. Finalmente, temos a geração que cresceu com os descartáveis como as fraldas e que agora lhe é difícil dar um passo atrás porque a vida lhe foi facilitada.
Achamos que devemos direcionar as ações de sensibilização para os diferentes públicos, mas implementar soluções. Um produto que não possa ser reciclado, ou que não tenha canal de recolha, não devia sequer ser colocado no mercado ou deveria ter uma taxa maior por ter um impacto maior.
Quem produz o plástico e o coloca no mercado tem, posteriormente, a obrigação de o recolher depois de usado?
Quem coloca uma embalagem no mercado tem a responsabilidade alargada do produtor. Isto acontece com os pneus, com as embalagens de produtos alimentares, só para lhe dar dois exemplos de diferentes produtos. É paga uma taxa para garantir que a embalagem é recolhida e encaminhada para reciclagem.
Acontece, contudo, que quer produtores, quer embaladores, não têm a capacidade de ir junto dos municípios lavrarem um contrato, ou recolher as embalagens da marca X ou Y. Assim, criaram-se entidades gestoras, que fazem contratos com as câmaras municipais para instalar ecopontos, ou sistemas de recolha porta a porta, fazendo contratos com sistemas municipais que fazem a triagem dessas embalagens.
Quando estas embalagens estão separadas, são encaminhadas para reciclagem. A entidade gestora deve fazer campanhas de sensibilização junto dos consumidores. Na prática, quando compro um copo de iogurte estou a pagar essa taxa.
Carmen, no contexto europeu ficamos bem vistos no que toca a reciclagem?
Não estamos ainda a cumprir a meta, embora esta seja só para 2020. Estamos nos 30% e a meta de reciclagem é de 50%. Temos de apostar na recolha seletiva porque é o sistema que vai permitir aumentar as quotas de reciclagem. Por isso nós, a Quercus, temos insistido junto das autarquias para implementarem campanhas de recolha porta a porta, campanhas de sensibilização que permitam repostas relativamente a algumas tipologias de resíduos de que as pessoas queiram se livrar.
Em Portugal verificou-se que existem leis que proíbem a venda de produtos a granel, como o café, o arroz, a farinha, o açúcar. Uma tendência que não acompanhas a europeia, incentivando-se o comércio com a venda a granel.
O maior mercado mundial no que toca à produção de plástico prende-se com as embalagens. Fazendo aqui a ponte com a indústria alimentar, estamos a dar passos na redução?
Não estamos a dar passos na redução no que respeita à produção de resíduos urbanos. Num relatório de estado do ambiente, apresentado no Dia Mundial do Ambiente [5 de junho], verificou-se que os portugueses estavam a produzir mais resíduos em 2017, face ao ano anterior. A única redução que sentimos foi nos anos de crise, porque as pessoas contiveram-se mais a adquirir produtos.
Assistimos, atualmente, a uma aquisição sem qualquer critério sobre a natureza das embalagens. Entretanto, este ano, apareceu um outro problema que pode dificultar esta redução da utilização das embalagens, relacionado com a venda a granel. Há um público que tem procurado adquirir os seus produtos alimentares a granel. Uma prática que tem a vantagem de não usar embalagem e a pessoa adquirir apenas o que vai consumir. Ora, em Portugal verificou-se que existem leis que proíbem a venda de produtos a granel, como o café, o arroz, a farinha, o açúcar. Uma tendência que não acompanhas a europeia, incentivando-se o comércio com a venda a granel.
No nosso país com esta legislação limitativa não acompanhamos a Europa na economia circular [redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia], apontando para uma redução do uso dos materiais e incorporação de matérias-primas recicladas. Nem estamos a acompanhar a estratégia europeia dos plásticos que visa reduzir os descartáveis e aumentar o ciclo de vida dos materiais, encaminhando-os para reciclagem.
Se dizemos aos consumidores, atenção tentem adquirir menos produtos embalados, temos de lhes dar uma alternativa.
Tornámo-nos cada vez mais exigentes. Vivemos numa sociedade a um ritmo alucinante em que utiliza os recursos não renováveis de uma forma descuidada e que não tem noção do impacto que isto tem a nível de sustentabilidade do planeta.
Uma proposta avançada por alguns especialistas na matéria, seria a da implementar um imposto mundial sobre cada quilo de resina de plástico fabricada. Uma ideia que nunca avançou. A sensação que fica é a de que sempre que se propõem mudanças efetivas, há resistências…
Há um argumento que consideramos muito curioso utilizado pela indústria do plástico, o facto deste ser um resíduo da refinaria do fuel, ou seja, há aqui uma componente “ambiental” na utilização do plástico. É um argumento transversal. Não há nenhum industrial do plástico que não o use. Na realidade, numa época em que temos tentado direcionar a forma como utilizamos a energia, colocando de parte os combustíveis fósseis e apostando mais nas fontes de energia renováveis, obviamente todos os materiais que possam ser produzidos a partir dos combustíveis fósseis, terão de encontrar alternativas mais sustentáveis. Por um lado, temos noção de que não conseguimos limitar completamente a utilização de plásticos em algumas situações.
Temos consciência de que não podemos continuar a utilizar plásticos de curta duração. Temos de ter comportamentos mais sustentáveis, procurando nalgumas situações alternativas. Um exemplo: a forma como estamos a usar os recursos, seriam dois planetas e meio para conseguir satisfazer as nossas necessidades. E as pessoas acham que para inverter esta tendência são precisas medidas extraordinárias. Não são. O professor da minha filha proibiu na sala de aula a utilização de embalagens de sumo com palhinha. Tem um impacto enorme na educação das crianças e dos pais que vão procurar alternativas sem palhinha. No futuro, estas crianças, já adultos, irão ver as palhinhas como algo negativo.
O professor da minha filha proibiu na sala de aula a utilização de embalagens de sumo com palhinha. Tem um impacto enorme na educação das crianças e dos pais que vão procurar alternativas sem palhinha. No futuro, estas crianças, já adultos, irão ver as palhinhas como algo negativo.
Acresce que temos a noção de que cada vez mais é preciso avaliar o impacto do plástico sobre a saúde humana. Há muitos investigadores que dizem, inclusivamente, que a sua utilização para acondicionar produtos alimentares, propicia a migração de componentes nocivos para os alimentos, com riscos para a saúde da população.
A Carmen toca, agora, numa questão interessante, o impacto na saúde humana. Quando chegamos a esta matéria, as pessoas tendem a ouvir?
A Quercus tem 30 anos. Nas intervenções iniciais, há três décadas, o foco era muito colocado no impacto do Homem na fauna e flora. Trabalho há dez anos nesta casa e todas as áreas onde tenho tido intervenção passam pela questão da saúde. Tenho noção de que desde que incluímos a saúde humana na equação do impacto ambiental, as pessoas sentem-se mas motivadas para mudar os seus comportamentos. Por exemplo, a poluição atmosférica causa doenças nas pessoas. Uma das causas da diabetes pode passar precisamente por esta questão.
Julgo que neste âmbito, estão a falhar duas questões fundamentais: falta de informação simples e clara e falha de mecanismos que obriguem as pessoas e pensar de outra forma, nas suas escolhas enquanto consumidores.
Tudo isto parece ser um beco onde a humanidade entrou. Há alternativas viáveis, em larga escala para o plástico, ou para criarmos uma solução estamos a gerar outros problemas?
Há alguns anos, os sacos oferecidos nos supermercados eram produzidos com Oxo Plástico, contendo um aditivo químico que acelerava o processo de degradação. Aquele tipo de saco, ou um saco biodegradável, não pode ser encaminhado para reciclagem. Quando produzimos um material de plástico, queremos que ele seja durável no tempo de utilização.
É importante reforçar por parte do Governo português respostas no que respeita à compostagem para dar solução a esta tipologia de resíduos.
Os Oxo Plásticos são uma falsa solução ambiental. Já os biodegradáveis são uma solução para encaminhamento para compostagem. O problema é que em Portugal temos poucas unidades para os tratar. A única minimização que posso ver é que se for parar a um aterro, irá degradar-se mais rapidamente do que um saco convencional.
É importante reforçar por parte do Governo português respostas no que respeita à compostagem para dar solução a esta tipologia de resíduos. Esta necessidade de incluir respostas de compostagem também é uma preocupação extensível a outras tipologias de resíduos. Cerca de 40% da composição dos resíduos humanos são restos de comida e outros materiais biodegradáveis. Tem um peso muito grande. Temos de separar essa quantidade de resíduos e encaminhá-los para o tratamento adequado, a compostagem.
Estamos numa fase de revisão do plano estratégico dos resíduos urbanos. Existem metas comunitárias. É urgente que comessem a aparecer estas soluções de compostabilidade, dispersas por Portugal, para dar resposta não só ao desperdício dos resíduos biodegradáveis, como a outras componentes desta natureza que possam ser introduzidas no mercado em substituição dos plásticos convencionais.
Carmen, para fecharmos esta conversa: Quando chegaremos ao ponto de não retorno aos efeitos lesivos relacionados com a utilização indiscriminada de plásticos?
Há um indicador muito forte que nos diz que se não pararmos com a utilização dos plásticos descartáveis, em 2050 teremos nos nossos oceanos mais deste material do que peixe. Se pensarmos na necessidade de alimentarmos uma população mundial crescente, e de forma saudável, estamos a contaminar as fontes que nos alimentam. Inevitavelmente no futuro vai ser difícil encontrar peixe que não tenha no seu organismo plástico.
Esta entrevista foi publicada pela primeira vez a 2 de julho de 2018 e recuperada a propósito do Dia Mundial do Ambiente, que se assinala anualmente a 5 de junho.
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