No novo livro Personal Branding (edição Ideias de Ler), Raquel Soares, especialista em marca pessoal, apresenta uma visão profunda sobre a importância de gerir estrategicamente a identidade profissional. Muito além de uma ferramenta de carreira, o personal branding é, segundo a autora, “um campo de transformação pessoal” que começa na identidade e se projeta em reputação, imagem e comunicação.

Com mais de duas décadas de experiência, Raquel Soares defende que o personal branding é um processo contínuo e intencional, e não uma reação a crises como despedimentos ou burnout. “Trabalhar a marca pessoal é construir uma bússola interior. Dá clareza, foco e proteção em tempos de incerteza”, afirma.

No livro, destaca a diferença entre marca pessoal (quem somos), personal branding (o processo de construção estratégica dessa marca) e gestão de marca pessoal (o alinhamento constante entre identidade, imagem e reputação). Essa distinção, muitas vezes ignorada, é crucial para uma comunicação autêntica e um posicionamento forte no mercado.

A metodologia TO BE®, criada pela autora, assenta em cinco pilares e inicia-se com a identidade, por ser a base de toda a autenticidade. “Sem identidade, tudo o resto é fachada”, alerta. É neste pilar que muitas carreiras se redefinem, ao alinhar valores internos com a forma como se influencia e lidera no mundo profissional.

O personal branding, para Raquel Soares, não é sobre parecer, mas sobre ser — com verdade, intenção e coerência. Num mundo cada vez mais exposto, onde a presença digital por vezes se sobrepõe à autenticidade, a autora reforça que só uma marca enraizada na verdade é capaz de resistir ao tempo e destacar-se num mercado competitivo.

O seu percurso é pautado por mais de duas décadas no mundo corporativo, tanto em empresas nacionais como internacionais. Que momentos-chave a levaram a perceber que a marca pessoal, mais do que uma ferramenta de carreira, é um campo de transformação pessoal?

Ao longo da minha carreira, fui testemunha de muitas transformações de marcas pessoais. Promoções, transições de área, mudanças de país, início na vida política, um sem fim de situações, mas o que sempre me fascinou foram as transformações internas que estas mudanças exigiam.

O turning point surgiu quando percebi que o verdadeiro valor de um profissional não se esgota no cargo que ocupa, mas manifesta-se na consciência que tem de si próprio, na forma como lidera, comunica e influencia com propósito. E comecei por quando fiz decisões conscientes do que queria fazer na minha vida profissional.

A marca pessoal revelou-se, então, como um campo de identidade, que vai muito além do marketing pessoal. É um processo de alinhamento entre quem somos e o impacto que desejamos ter. E esse processo, inevitavelmente, transforma.

Raquel Soares
Raquel Soares Raquel Soares.

No seu livro, distingue com clareza “marca pessoal”, “personal branding” e “gestão de marca pessoal” — conceitos muitas vezes usados de forma indiferenciada. Pode explicar, de forma sucinta, como estas diferenças impactam o modo como cada pessoa se posiciona e comunica o seu valor?

É importante compreender que a marca pessoal é aquilo que somos e o que representamos. É perceção, essência e presença.

O personal branding é o processo estratégico de construção dessa marca. Será o método, ação e o planeamento.

Já a gestão de marca pessoal é o exercício contínuo e consciente de alinhar identidade, imagem e reputação, com coerência e visão.

Confundir estes conceitos é, muitas vezes, o motivo pelo qual tantas marcas se tornam difusas ou inconsistentes. Quando cada um destes elementos é trabalhado com clareza, o posicionamento torna-se intencional e a comunicação ganha força, autenticidade e propósito.

É importante compreender que a marca pessoal é aquilo que somos e o que representamos. É perceção, essência e presença.

A sua metodologia TO BE é estruturada em cinco pilares: identidade, posicionamento, imagem, reputação e comunicação. Porquê esta estrutura? E por que motivo começa pela identidade — o pilar que define como o mais desafiante?

A metodologia TO BE nasce da prática, da escuta e da observação atenta de líderes e profissionais que procuram mais do que visibilidade, procuram verdade.

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Estruturei-a como uma metodologia sistémica e progressiva, porque nenhuma marca pessoal se sustenta apenas em aparência ou discurso. Começa-se pela identidade, porque é o ponto de origem de tudo o que é genuíno. Sem identidade, o posicionamento será frágil, a imagem será máscara, a reputação será instável e a comunicação será ruído. A identidade exige profundidade, coragem e tempo e, por isso mesmo, é o pilar mais transformador de todo o desenvolvimento da marca.

Vivemos uma era onde a presença digital parece sobrepor-se à autenticidade. Como se equilibra a necessidade de visibilidade com o dever de coerência e verdade na construção da marca pessoal?

A visibilidade, quando não está baseada na verdade, transforma-se num palco vazio. Não se trata de estar presente em todas as plataformas, mas de estar presente com intenção, com sentido.

O equilíbrio nasce da clareza interna, quando se sabe quem se é, o que se representa e qual é o legado que se deseja deixar, a coerência torna-se natural.

A presença digital deve ser extensão da presença real, não um substituto. Acho que hoje se esquece quem somos quando não estamos nas redes sociais. A autenticidade, hoje mais do que nunca, é o diferencial. E só se desenvolve uma marca respeitável quando a verdade é inegociável.

Muitos profissionais procuram o personal branding como solução após crises de carreira, despedimentos ou burnout. Considera que, em vez de ser uma reação, deveria ser uma estratégia preventiva? O que ganhariam os profissionais se trabalhassem a sua marca pessoal de forma contínua?

Sem dúvida. Um processo de personal branding não é um remendo para tempos difíceis, é uma arquitetura contínua de valor. Quando é encarada como uma prática regular, torna-se numa bússola que orienta decisões, protege da dispersão e prepara para os momentos de crise.

Sobre a autora – Raquel Soares

 Raquel Soares trabalha há mais de 20 anos na área da Gestão de Marca Pessoal e Liderança. É licenciada em Gestão de Recursos Humanos, com pós-graduações em Sistemas Integrados de Gestão e em Personal Branding, e mestrado em Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos. Desenvolve estratégias de posicionamento e imagem profissional e é certificada como analista, estratega de marcas pessoais e Style Coach®. Criou em 2014 a metodologia TO BE®, aplicada na gestão de marca de executivos, políticos e outros profissionais. É fundadora da Love People, gestora da Beautiful Branding Agency e promotora do Personal Branding Summit Portugal.

Os profissionais que trabalham a sua marca pessoal de forma contínua desenvolvem clareza de propósito, presença de liderança e capacidade de adaptação. Deixam de ser apenas peças do sistema e tornam-se referência. A marca pessoal não é um seguro de carreira, é a expressão plena do valor que cada pessoa oferece ao mundo.

No seu livro, a identidade é apresentada como um processo profundo e por vezes desconfortável, que exige introspeção, coragem e revisão de valores. Porque acredita que o autoconhecimento é a base do posicionamento profissional e não apenas um exercício de desenvolvimento pessoal?

Porque o posicionamento profissional sem autoconhecimento é uma construção vazia. O mercado valoriza competências, sim, mas confia em pessoas coerentes. E só se pode ser coerente quando se conhece. O autoconhecimento não é apenas uma viagem interior, é um ato de responsabilidade. É o que permite fazer escolhas alinhadas, comunicar com verdade e resistir à tentação da performance constante. Sem ele, o profissional pode até alcançar lugares altos, mas dificilmente sustenta uma marca com alma.

A reputação, como refere, não se constrói com base na aparência, mas na consistência e responsabilidade. Num mundo acelerado, como pode um profissional manter uma reputação sólida quando se vê constantemente pressionado a “parecer” mais do que a “ser”?

A resposta está na escolha consciente de ser. A reputação constrói-se em silêncio, nos detalhes, nas promessas cumpridas, na forma como se reage aos desafios. A pressão para “parecer” é constante, mas quem escolhe “ser” torna-se inconfundível.

É preciso coragem para resistir ao imediatismo e cultivar uma presença que se reconheça não apenas pelos feitos, mas pelos valores. A reputação sólida nasce da integridade. E, mesmo que demore a construir, é ela que permanece quando todas as estratégias falham.

personal branding
personal branding créditos: Ideias de Ler

Que papel pode e deve ter a marca pessoal dentro das empresas? E como é que os líderes podem promover marcas pessoais fortes nas suas equipas sem comprometer a cultura ou criar individualismos desajustados?

A marca pessoal, quando bem compreendida, fortalece a cultura organizacional. Equipas compostas por profissionais com identidade clara e propósito definido são mais autónomas, colaborativas e resilientes.

O papel do líder é criar espaço para que cada talento cresça, não à margem da cultura, mas como expressão consciente dela. Promover marcas pessoais fortes não é estimular egos, é cultivar presença, responsabilidade e influência positiva.

Quando há alinhamento entre valores individuais e valores da organização, o impacto coletivo torna-se notável. E o melhor de tudo, as pessoas decidem ficar. Isso sim é que é gerir talento.

A marca pessoal, quando bem compreendida, fortalece a cultura organizacional.

Entre as dezenas de casos com que já trabalhou, há alguma história que a tenha marcado particularmente pela forma como a gestão consciente da marca pessoal transformou um percurso ou desbloqueou um potencial adormecido?

São mesmo muitas as histórias, sinto-me uma privilegiada pelo que tenho vivido com os meus clientes, aliás escrevi sobre algumas no livro. Mas há uma em particular que guardo com especial emoção, a de uma líder de topo que, após anos de carreira sólida, atravessou um processo de esgotamento profundo.

A sua identidade estava diluída no papel que desempenhava. Quando iniciámos o trabalho de gestão de marca pessoal, começámos por resgatar quem ela era para lá do cargo. Redescobriu a sua voz, reposicionou-se no mercado e hoje é uma referência no seu setor, não apenas pelo que faz, mas pela forma como inspira. O potencial estava lá, apenas adormecido, à espera de ser visto com novos olhos.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik