Os portugueses têm a fama e o proveito de serem um povo desenrascado e, em plena situação de pandemia, voltam a demonstrá-lo. De norte a sul do país, foram muitas as empresas que, num ápice, conseguiram reconverter a sua atividade para fazer face ao surto de COVID-19 que o mundo vive e continuar, simultâneamente, a manter a produção e assegurar os postos de trabalho dos colaboradores, como é o caso da fábrica de calçado nortenha Vitorino Coelho.

Seguindo o exemplo dessa unidade fabril, uma das primeiras do setor a produzir máscaras não cirúrgicas em território nacional, Luis Onofre também as começou a fabricar na última semana de março. Em parceria com o Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP), o reputado designer de calçado portugûes tem utilizado a sua fábrica, também ela localizada em Oliveira de Azeméis, para fabricar os dispositivos de proteção de COVID-19.

"Luis Onofre conta com uma produção diária atual de 500 unidades e espera alcançar, ao longo da próxima semana, uma média diária de 800 unidades e, assim, ajudar a suprir a falta deste artigo junto da comunidade local. Estas máscaras não cirúrgicas são distribuídas pelas várias instituições, que definem a sua correta utilização, de acordo com a função exercida pelo utilizador", informou, na altura, a agência de comunicação do empresário em comunicado de imprensa.

COVID-19. Empresas de norte a sul do país reiventam a atividade para fazer face à pandemia
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Luis Onofre e a Vitorino Coelho não são os únicos. Sob a coordenação do CTCP e o acompanhamento da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Sucedâneos (APICCAPS), duas dezenas de indústrias de São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira, Guimarães e Felgueiras suspenderam, nesta fase de surto, o fabrico de calçado e estão a produzir, diariamente, entre 10.000 a 15.000 máscaras e viseiras.

Ainda no norte, em Santa Maria da Feira, a Rufel, uma marca familiar 100% portuguesa, que habitualmente produz malas, carteiras, mochilas e cintos de forma semi-artesanal, está atualmente a fabricar viseiras hospitalares. "Um amigo meu tinha o material necessário para a confeção desses equipamentos, mas não tinha como as produzir. Assim, rapidamente nos mostrámos disponíveis a ajudar", confidencia Ivânia Santos, uma das administradoras.

"Falámos com alguns colaboradores que disseram logo que sim. Foi muito bom sentir a boa vontade de todos", agradece. "Neste momento, já foram produzidas 300 unidades e a marca prepara-se agora para que mais 400 sejam concebidas, a partir desta semana. Os materiais serão doados aos principais hospitais do norte do país", esclarece Carina Santos, outra das administradoras. "Temos seis funcionários a trabalhar com todos os cuidados necessários", garante.

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A Inducorte, indústria de cortantes sediada em Santa Maria da Feira, uniu-se à Escola Profissional de Espinho e, em parceria com a Tecmacal, uma fábrica de equipamentos industriais de São João da Madeira, está a produzir diariamente entre 150 a 200 viseiras médicas, através de um processo de injeção de termoplástico. Além de ser mais rápido que a impressão em 3D, usa material lavável, antiestático e antifúngico e permite a substituição de componentes.

Em Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, as reclusas do estabelecimento prisional feminino, que já colaboravam com a Legaltex na produção de sacos para cadáveres, viram, nas últimas semanas, a empresa de Moimenta da Beira pedir-lhes para fazerem material de proteção. As máscaras, os manguitos, as batas e os fatos confecionados estão a ser usados para consumo interno da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, informou o Ministério da Justiça.

No centro do país, uma pequena empresa do concelho da Batalha que, numa situação normal, estaria a produzir estofos e pufes também reconverteu temporariamente o negócio, encontrando-se a confecionar equipamento de proteção para médicos e máscaras para lares de idosos. O corte dos tecidos é feito nas instalações da unidade de produção, localizada em Reguengo do Fétal, nos arredores da cidade, onde a empresária Cecília Silva se mantém em funções.

"Estou a tentar adaptar o material que tenho, um tecido TNT, que também é usado nos hospitais, para fazer cógulas e botas de proteção para médicos", revelou em entrevista à TVI. "Tecnicamente, é idêntico. O dos hospitais é azul e o meu é bege", esclarece Cecília Silva. Antes de avançar, pediu opinião a uma médica e a uma auxiliar de saúde, que lhe deram o aval. Isoladas em casa, as costureiras que empresa que criou a marca Puff! emprega encarregam-se da confeção.

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Não muito longe dali, várias empresas de injeção de plástico e de produção de moldes do distrito de Leiria decidiram também unir esforços para produzir viseiras, que estão a oferecer a profissionais de saúde, elementos das forças de segurança e da proteção civil e também a funcionários de lares de idosos. Começaram por fabricar 4.000 por dia mas a utilização de um novo molde permite-lhes chegar às 12.000. "Até ao fim desta semana, teremos 10.000 pessoas da região a usar estas viseiras", anunciou, entretanto, Gonçalo Lopes, presidente da Câmara Municipal de Leiria, durante a visita às instalações de uma dessas empresas.

"Juntaram-se aqui empresários, voluntários e pessoas que, em nome individual, vão cortando estas simples fitas em casa e, em tempo recorde, no prazo de uma semana, conseguiu-se ter aqui um bom contingente para distribuir por toda a região", regozija-se o autarca. Na Marinha Grande, um projeto empresarial iniciou também a produção de peças que vão permitir "a construção de um milhar de ventiladores até ao final da semana", noticiou ainda a TVI.

Às portas de Lisboa, em Loures, a Science4you é outra das empresas que se viram obrigadas a procurar alternativas para fazer face à diminuição drástica da procura de brinquedos. Recorrendo às suas equipas e às matérias-primas em stock, está a produzir material de proteção individual há duas semanas. Diariamente, são fabricados 15.000 óculos de proteção para profissionais de saúde. "Já entregámos 300.000", revelou publicamente Miguel Pina Martins.

"Os nossos brinquedos químicos têm a obrigação de ter um óculo de proteção certificado e, agora, ao invés de nos focarmos nas crianças, estamo-nos a colocar ao serviço de profissionais de saúde, forças de segurança e bombeiros", afirma o diretor-executivo da empresa. "Estamos a tentar adaptar-nos aos tempos que vivemos", justifica o gestor, que também tem as instalações prontas para produzir desinfetante. A falta de álcool etílico tem, no entanto, atrasado o processo.

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Habituado a confecionar vestidos de noiva, o Pureza Mello Breyner Atelier, com escritórios em Lisboa e no Porto, também reconverteu a atividade e está a produzir cógulas e máscaras de proteção em parceria com a marca de calçado Zilian, que forneceu tecido TNT. A Maria Modista, uma escola de costura com instalações em Lisboa, Porto, Estoril, Almada, Leiria, Coimbra, Aveiro, Setúbal e Faro, forneceu os moldes, elásticos e outro material necessário.

"Há dias e dias que andava inquieta e à procura de orientação para poder ajudar. Desde a semana passada que ando a coordenar todos os intervenientes desta operação e finalmente, hoje, conseguimos", revelou, há dois dias, a designer Pureza Mello Breyner nas redes sociais. Nica Silva, uma das alunas da Maria Modista, também interrompeu a produção de biquínis da sua marca para fazer botas até ao joelho para os profissionais de saúde do Hospital Amadora-Sintra.

COVID-19. Empresas de norte a sul do país reiventam a atividade para fazer face à pandemia
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Em Azeitão, a produtora de vinhos José Maria da Fonseca, em parceria com a Destilaria Levira, vai produzir 5.000 litros de gel desinfetante, recorrendo a álcool vínico destinado à produção de Moscatel de Setúbal, para doar a instituições de saúde, de solidariedade social e forças de segurança e socorro locais. "Estamos conscientes do papel preponderante que cada uma delas desempenha", justifica António Soares Franco, presidente da empresa vinícola.

Mais a sul, no Alentejo, a Destilaria Sharish Gin, localizada em Reguengos de Monsaraz, está a usar os 100.000 litros de gin engarrafado que tinha em armazém para fabricar desinfetante. Para isso, tem despejado milhares de garrafas de Bluwer, uma nova marca que se preparava para lançar. Em média, têm sido 2.800 por dia. O gin, com uma percentagem média de 35% de álcool, regressa depois aos alambiques para uma nova destilação que chega a atingir os 82,2%.

"Estávamos constantemente a receber pedidos e eu, de repente, lembrei-me que não conseguia fazer álcool mas conseguia reconverter o gin que tinha aqui em stock num produto com 75% de álcool", conta António Cuco, proprietário da destilaria. "Temos clientes de todo o lado, farmácias, bombas de gasolina, papelarias, médicos, enfermeiros... Já garantimos ao hospital de Évora 500 litros de álcool. Estão em reserva estratégica", informa.

Na Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito (ACVCA), é a aguardente vínica que está a ser transformada em desinfetante. Em parceria com a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA), os funcionários da organização vitivinícola investiram na produção de um gel antissético à base de álcool para desinfeção das mãos. "O destino prioritário é o Hospital José Joaquim Fernandes [em Beja]", informa a direção da adega em comunicado.

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Os exemplos não se esgotam aqui. Em Guimarães, a Devise Solutions, empresa de tecnologias e de soluções para a indústria, está a imprimir viseiras em 3D, à semelhança do que também sucede em Lisboa, com a Fan 3D, uma empresa de consultoria em engenharia. No Porto, o VivaLab, um laboratório de fabricação de projetos digitais, como impressão 3D, tem usado a sua cortadora a laser para produzir viseiras. Não muito longe dali, a DGA, propriedade do empresário Domingos Araújo, que fabrica peças para automóveis, também suspendeu a produção para se dedicar ao fabrico de viseiras para profissionais de saúde. O grupo Nabeiro, no Alentejo, produz batas, máscaras e viseiras.

Em Barcelos, a fábrica têxtil Sonix trocou as malhas pelas máscaras e pelas batas. Outra empresa do grupo está, à semelhança da Super Bock e da Destilaria Levira, a fabricar gel desinfetante. "A indústria nacional tem mostrado disponibilidade para adaptar a sua capacidade produtiva para equipar o nosso sistema de saúde", elogia Lacerda Sales, secretário de estado da Saúde, realçando a "capacidade de transformação das empresas em cenário de crise".